Escrevi esse texto há um tempinho.
Particularmente, é estranho ler o que escrevo meses ou anos depois, porque consigo traçar uma linha de coerência bizarra, ainda que não concorde com absolutamente tudo que escrevi.
Ainda sim, é bom saber que, apesar de tudo, ainda estou inteiro ao ponto de ser coerente comigo mesmo e com os meus sentimentos.
— Delgado.
. . .
Eu sempre me senti um pouco a parte do mundo e núcleo em que vivo. Mais ainda quando paro para observar as pessoas ao meu redor.
Ao olhar para cada uma delas com atenção — seja minha mãe, pai, primas ou amigos — eu tenho a sensação de que estou posicionado em lugares diferentes na vida de cada um deles, e isso é bom. O problema é quando eu saio deste núcleo e passo observar o mundo ao meu redor.
Nas poucas vezes que tive contato com pessoas totalmente fora dos meus núcleos mais influentes, aparentemente, eu sempre sinto que estou num patamar acima da grande maioria deles. Vez ou outra, eu me disponho a descer deste pedestal, e, ao passo em que faço isso e me mesclo/misturo entre as pessoas, ao voltar, percebo que estou um pouco mais alto — ou metros acima. E, na única vez que resolvi compartilhar essa percepção com alguém que não fosse minha psicóloga (ou meus escritos), foi como uma forma de réplica a uma refrega que sentia pela pessoa a qual compartilhei. Lembro do diálogo claramente, e, sinceramente, não tem muito do que se explorar nele.
Apenas a algo que seja parecido com a fala que disse:
"Eu vou pra bem longe daqui, e enquanto eu estiver lá no alto, lonjão, você vai continuar aqui embaixo."
"E eu vou ficar muito feliz por você."
Eu acho estranho essa sensação constante de ter razão sobre coisas que disse há muito tempo atrás. Ao passo em que vejo essa pessoa, em especial, definhando junto com a sua criação, percebo que vou fundo em lugares que mal acreditava que poderia chegar — e sou taxado de louco todas as vezes que vou mais longe do que imaginam que eu possa ir. Possivelmente, a sensação de voar é essa mesmo, ainda que, no meu caso, seja apenas a minha intuição e imaginação fértil trabalhando juntas para mostrar os caminhos que devo seguir. Ao rumar para esta rota, que me espera desde que me entendo como gente, somente percebo o quanto caminhei quando olho para trás e vejo o que fiz e a influência que deixei na vida das outras pessoas que foram embora. E, na maioria das vezes, são coisas boas.
Eu não sei para onde estou rumando, ainda que tenha planos e ideias do que vou fazer daqui para frente. Particularmente, eu me surpreendo bastante com o quanto fui e sou capaz de lidar com o que vem de fora, ainda que, em certas situações, lidei porcamente ou de maneira errada. Porém, admito que essas formas tortuosas que dei para certos casos foram a base para formar (ou destruir) coisas dentro de mim. E sou grato por cada uma delas.
Estou, no momento que escrevo estas palavras, numa fase de devolver ao outro o que me foi imposto. Essa ideia de devolutiva é um pouco assustadora, principalmente quando se trata de mexer com feridas do passado. Eu não tenho mais medo de rasgá-las ao ponto de fazê-las sangrar novamente, porque sei que o melhor jeito para a cura que procuro é, justamente, costurá-las com minhas próprias linhas, agulhas e bandagens, já que essas marcas nunca chegaram sequer a cicatrizar. Eu não tive chance (ou tempo) para olhar para elas na época em que foram feitas. E esse anacronismo da minha própria vida me deixa ansioso, mas entendo que esta é a cina de qualquer LGBT que seja resoluto (e corajoso) o suficiente para viver a sua vida: lidar ou viver depois o que precisou deixar passar porque os outros não podiam saber quem ele realmente era. Provavelmente nem eu, na época em que tais feridas foram feitas, sabia quem era de verdade. Tampouco sei hoje — portanto, eu me conheço agora. E isso muda muita coisa. Pessoalmente, eu fico irritado por imaginar que uma pessoa heterossexual já passou por isso muito antes de mim só porque, aos olhos da sociedade, a vivência dela é normal. Enquanto eu, bi, sou um desvio, anormal, errado. E a única coisa que fiz foi existir.
Espero que, daqui em diante, meu passado não continue sendo a pauta principal do meu presente. Estou cansado de viver nele. Em contrapartida, reconheço que só cheguei nesse lugar em que estou porque fui corajoso para olhar para todas essas coisas que me quebraram ao ponto de destruir partes específicas de mim, e, ao reconstruí-las ou pegá-las de volta, me sinto mais parte desse velho mundo real (que pra mim é novo). Tenho uma vida toda pela frente, mas me parece que é pouco para quem eu sou. Por isso, em memória — e respeito — as minhas versões que foram mortas pela palavra de terceiros, não posso deixar simplesmente que depositem coisas em mim ao ponto de que eu acabe acreditando que sempre fizeram parte de mim. Isso que me deram não é e nunca será meu, e vou continuar brigando para reivindicar o palanque de mim mesmo. Hoje, é o único lugar em que quero estar: perto de mim.
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[sem título]
LosoweSendo esta uma lixeira de textos que não se encaixam em lugar algum, [sem título] é uma coletânea de qualquer coisa que saia do metódico padrão do autor de poemas ou textos. Imprevisíveis, assim como o seu conteúdo, as postagens podem sair às quatr...