Para Você

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Santa Clara – Minas Gerais, 13 de Fevereiro de 2022


Querido Adam,


     Há quantos anos não penso em você, foi estranho, estava fazendo compras na rua e passei ao lado da nossa antiga escola e só lembrei de você. Me esqueci completamente das provas árduas, dos professores dessa antiga jornada acadêmica e dos outros colegas que tivemos, mas lembrei de você.

     Sei que é estranho, faz anos que não nos falamos e talvez você nem lembre de mim, mas eu lembro de você como a memória doce da primeira bala que coloquei em minha boca, como a primeira nuvem em formato de coelho que vi aos 12 anos de idade que fez com que a minha mente voasse pelos céus, pois assim como eles foram os primeiros você foi meu, o primeiro cuja voz não saia da minha cabeça, o primeiro que me fez ansiar pela presença ao meu lado, o primeiro que me fez querer chegar cedo à escola, o primeiro que eu amei.

     Não sei se você irá tentar entrar em contato após essa carta – espero que não, porque estarei muito envergonhado para isso – no entanto tinha que escrevê-la mesmo assim, não quero que esse sentimento seja mais um que eu ignorei e reprimi durante o curso da minha vida, você foi o meu primeiro, você merece mais do que isso.

     A primeira vez que vi você, meu coração acelerado se descontrolou pela primeira vez e ao mesmo tempo me fez experimentar o amor, também me fez experimentar o medo, pois esse foi o momento que eu percebi: Merda, eu amo um homem.

     Como você sabe, eu venho de uma família protestante e desde sempre fui criado na igreja e consequentemente seus dogmas, eu os entendia e acreditava, mas jamais pensei que um dia teria medo deles, mas foi você, o primeiro a me fazer pensar mais sobre tudo, o primeiro a me fazer chorar por um conflito que jamais pensei que teria, o primeiro que me fez querer luar contra tudo. Se você me perguntar hoje como estou ou estiver curioso saiba que estou bem, passei por um processo de auto aceitação – longo, mas necessário – e hoje vivo orgulhosamente como um homem gay que não tem vergonha de si mesmo, queria ter sido assim quando conheci você, mas na época não tinha como, éramos muito jovens para entender e mesmo hoje, aos 23, ainda não entendemos nada mas vivemos, eu vivo, tentando ser o melhor "eu" possível.

     Quem diria, o meu primeiro amor, aquele que era para ter sido a melhor experiência da minha vida foi o que mais me fez ter conflitos, medo, e duvidas de mim mesmo, o primeiro a me fazer questionar a mim mesmo, me olhar no espelho e perguntar: Quem é você?

     Não culpo você por nada do que aconteceu naquela época, você não tem nada a ver com as cicatrizes, pois o que senti por você foi o que me manteve de pé durante tudo. Como uma força inigualável sempre ao meu lado, você não estava lá, mas ao mesmo tempo estava, em cada encruzilhada do meu coração, em cada estrela que eu traçava no seu noturno e o resultado era você, em cada nuvem que me fazia flutuar ao seu lado, em cada toque do seus dedos no meu braço que me arrepiavam e faziam montanhas se erguerem na minha pele resultantes de você. Os rios nas minha veias se descontrolavam ao seu lado e os raios na minha cabeça disparavam sinais de alerta cada vez que meus olhos se encontravam com os seus. Eu amei você.

     Seu sorriso ainda me vem à mente de vez em quando e sempre me faz imaginar o que poderia ter acontecido se eu tivesse sido mais corajoso, se eu tivesse dito as palavras: Eu te amo. Sei que você não retribuiria, acredito que não, mas ainda queria tê-las dito. O que teria sido diferente? Ainda teríamos sido amigos? Você ainda falaria comigo? Perguntas que, talvez jamais terei respostas, mas penso nelas toda vez que penso em você. Estranho, pois algo novo me vem à mente nesse momento.

     Agora, escrevendo essa carta percebo que, ainda amo você, não... ainda gosto de você. Não sei se chamo de amor ou se é apenas o sentimento de saudade de ter você ao meu lado que agora assombra a minha mente enquanto escrevo essa carta, mas agora minhas lembranças voam até você. Pelo seu sorriso avassalador, seus olhos verdes que refletiam minha face em você, suas mão tremulas quando tínhamos algum trabalho, suas veias que saltavam quando você corria até mim para dizer um oi. Eu lembro de você.

     No entanto, quero que saiba que eu não espero que você me ligue ou tente entrar em contato comigo, nós dois crescemos, mudamos muito desde que nos conhecemos, apenas saiba que escrevi essa carta porque você ainda vive na minha cabeça mesmo depois de tanto tempo e ao mesmo tempo a escrevi por mim, porque eu precisava colocar isso para fora e agora eu finalmente consegui, disse a você tudo o que eu quis dizer anos atrás e mais, saiba que eu não me arrependo de nada, não me arrependo de ter lhe conhecido nem de ter lhe amado, porque você foi uma das melhores coisas que já aconteceram comigo em todo o curso da minha vida... você ainda é.

     Se não ficou "enojado" pelo início dessa carta e leu até aqui, obrigado. Obrigado por ter lido tudo, obrigado por ter me escutado depois de tanto tempo, obrigado por ter aparecido na minha vida, obrigado por ter me permitido crescer, pois você me fez evoluir, obrigado por ter me permitido amá-lo em segredo, bem, não tão em segredo agora. Obrigado por ter sido meu amigo.

     Novamente, agradeço por ter lido até aqui. Com grande amor no coração e saudades espero que esteja bem e que a vida o tenha tratado com gentileza, espero que tenha tido a oportunidade realizar seus sonhos e ser quem realmente é.

     Com grande carinho, saudades e com o coração a mil com muito medo de enviar essa carta,


Gustavo Andrade.

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