Há um mar infinito de controvérsias na Filosofia a respeito do sentido da vida e da motivação para a existência do Homem, pois mesmo os mais eruditos não suportam ver suas afirmações jogadas para debaixo do tapete sem apresentar contramedidas desesperadas. Também, pouco se sabe sobre a origem do boneco enfadonhamente impassivo e estranhamente encantador chamado Steve, mas é possível espremê-lo até que nos dê as nossas tão necessárias metáforas. Se você acredita que já viu de tudo no Twitter, aconselho o uso de lentes de contato para o que está por vir.
O seu mundo é criado. Você olha ao redor e se encanta com o que lhe cerca. Então, você traça um plano: tomar leste e oeste, norte e sul para si — apenas porque pode. Disso, podemos visualizar a correlação de dois fatores à primeira vista distantes: o Homem e Steve, do jogo cúbico internacionalmente famoso. Impelido pela necessidade de subsistência, o ser humano conquista; impelido pelo querer de bens materiais, ele confisca. Tal qual Steve está sempre à procura de novas aventuras e tesouros — o mundo o pertence, então... por que não? —, o Homem está em sua empreitada até o topo. A partir desse topo, outra meta será estabelecida, e outra, e então mais outra, até que não haja mais a retirar do mundo (sirva-se, caso queira, do exemplo da extração irrefreável de petróleo).
O mundo em Minecraft só existe porque Steve existe. Sem ele, os blocos não seriam postos em seus respectivos lugares e os monstros não teriam um inimigo comum; os mercantes jamais obteriam algum lucro e os metais preciosos passariam a eternidade incrustados no subsolo apavorante que apenas Steve ousa explorar. A certeza de ser a razão pela qual pessoas vivem e morrem é uma característica que Steve e o Homem compartilham, criando leis impraticáveis dentro de suas próprias cabeças e reinando sobre súditos mortos. Se um CEO não pudesse mandar e desmandar no estagiário desavisado da empresa, qual seria o propósito de sua existência? Os lucros? Mas que tipo de graça eles teriam se não se assomassem ao fato de ditarem toda a vida dos empregados? Olhando de certo ângulo, profanar tumbas antigas como Steve e contentar-se com a oligarquia que nos rege atualmente são, em essência, a mesma coisa.
E não para por aí, ainda há muito o que falar. De onde e como estou, eu não me atrevo a atribuir a Minecraft natureza tão casual como fazem os jogadores da geração Z; nada que seja assim "casual" sobrevive à volatilidade do mercado por tempo suficiente para ser lembrado, alavancado por polêmicas ou não. Desde 2009, o jogo tem se agarrado à velha e boa competitividade, exilando os passivos para mundos pacatos e assassinando os saudosistas de códigos-fonte de anos atrás com frieza notável. O paralelo que podemos traçar aqui é o da competitividade como fomentadora da atemporalidade de certas práticas — neste caso, a perduração de Minecraft pelas mãos de jogadores obcecados por modificações e a renovação do que dá para vender a outrém no mundo real, como imagens produzidas em massa por protótipos de indústrias para lá de poluentes em cantos remotos do mundo (na abreviação, "NFT"). Ser cômodo nunca funcionou no jogo, tampouco funcionará na materialidade.Por fim, afirmo que não estou aqui para expor vulnerabilidades na estrutura vigente da sociedade e então apontar soluções milagrosas para estes. Longe de mim, inclusive. Na realidade, deixo-lhes um conselho: conservem a si mesmos em casulos à prova de ego e dediquem centenas, milhares de horas ao desenvolvimento pessoal; gravem a ferro e fogo na vossa mente que bilionários não são capazes de capitalizar sentimentos. Com sorte, serão melhores do que Steve, no mínimo. Boa jogatina!
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Como o Steve, de Minecraft, explica o esfarelamento moral do Homem
RandomMinecraft. Sim, Minecraft! É, é, M-i-n-e-c-r-a-f-t. Engula essa!