Estavamos na última semana de aulas, o baile de finalistas estava à porta e mesmo assim sentia que não tinha feito nada o ano inteiro.
- A-M-I-G-O! - uma rapariga baixinha lançou-se ao meu pescoço. Desde que saí do armário que a Sónia tinha apanhado o hábito de me tratar como se fosse uma drag queen. - O que é que se passa contigo, Nuno? Tens estado tão nada slay...
Tirei os braços dela de cima de mim e abanei a cabeça. Ela tinha razão, mas eu não sabia porquê e não queria dizer-lhe isso. Ouvi-a a falar sobre um rapaz qualquer da faculdade de Letras, mas não prestei atenção nenhuma. Estava a passar o meu crushzão, José Garcia... Meu Deus! Aquele menino fazia-me mal, mesmo a sério.
- Alô???? - Ela abanou as mãos à minha frente. - Alguém em casa?
- Desculpa Nia, estou mesmo distraído. - continuava a olhar para o José e ela seguiu-me o olhar.
- OH!! Então é por isso que assim. Estás apaixonado!
Revirei os olhos e fui para a sala. José Garcia era um rapaz do meu ano, tinhamos algumas aulas juntos mas nunca falámos, não só por eu ser um nerd aos olhos de todo o seu grupo, mas também porque ele era muito (muito) homofóbico. Apesar de tudo eu ainda sonhava alto. Tinha cabelo e olhos castanhos, um corpo bem definido (que não gostava de manter vestido) e uma voz que fazia qualquer um tremer os joelhos. Sentei-me com a Nia no fundo da sala e fiquei a observar o resto da turma. Não havia ninguém interessante, alguns alternos, alguns gunas, o ocasional betinho... Mas claro, o José estava na minha turma. Como se Deus não me castigasse o suficiente tive que passar o ano todo com ele.
A aula começou e acabou tão depressa que quando tocou fiquei triste. Estar dentro da sala era a única coisa que me salvava do José e da sua gangzinha homofóbica. Como sempre a Nia conseguiu arrastar-me para fora da escola, nas palavras dela tinhamos que "ser populares enquanto podemos". Não é que não seja conhecido na escola, mas é por más razões. Fomos parar a um grupo com quem já tinhamos passado algum tempo antes.
- O Nuno quer ir para teatro! Ele até se safa em palco. - ela riu-se e bateu-me de leve no braço - Faz aí uma performance, amigo.
Ri-me nervoso e inventei que tinha que ir ao quarto de banho, ouvi toda a gente resmungar nas minhas costas mas não me importei. Queria ir para a porta da sala o mais depressa possível e antes que mais alguém se lembrasse de mim.
Quando estava a entrar no corredor ouvi gritos de um homem bem mais velho que os alunos. Espreitei e, para minha surpresa, era o José e o diretor da escola.
- Estás tão próximo de chumbar tens sorte que sou teu pai! - o quê?? Como assim... - Vou-te arranjar um explicador para as matérias que precisas e tens que me apresentar 5 desenhos em todos os fins de semana das férias. Vieste para artes para trabalhar e eu dei-te demasiado tempo à espera que melhorasses. Vais entrar na faculdade só porque eu a consigo pagar, és um inútil e não mereces nada do que tens.
Tocou e o diretor foi-se embora. Não sabia que eles eram pai e filho e mesmo a Nia, que sabe tudo sobre toda a gente, nunca me disse nada. O José olhou para mim e eu arregalei os olhos, assustado. Corri para o quarto de banho mais próximo e escondi-me numa cabine, onde me pus em cima da sanita para ele não ver os meus pés por debaixo da porta. Ouvi alguém entrar com a respiração pesada e a abrir todas as cabines. Senti os joelhos a tremer e fechei os olhos, a rezar para que fosse tudo um pesadelo. Ele tentou abrir a porta trancada com força.
- Abre já esta porta. - Dava para ouvir a raiva na voz dele. - Nuno.
Ele nunca me tinha chamado pelo meu nome, era sempre algum insulto ou o meu segundo nome, Lisboa. Com os olhos já abertos respirei fundo e pus a mão no trinco. Era agora, o meu fim. Adeus, escola de teatro. Adeus, futuro. Olá, José Garcia.
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O Nerd e o Popular
FanfictionNo verão, tudo parece possível. Mas, quando o outono chega, não há nada a fazer senão dizer adeus à liberdade e abrir os braços às responsabilidades.