"O lobo de Yakutsk"

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ALEC

Ver o garoto rebolar em volta da sua cela era como observar um animal no zoológico, andando de um lado para o outro em uma trilha bem usada.

Ele nem mesmo precisava olhar para cima enquanto se movia, como se tivesse memorizado cada centímetro dela. Mas, novamente, não era difícil de fazer isso em um espaço tão pequeno. Eu fiz a mesma coisa quando estava na prisão.

Às vezes, ele fazia flexões ou agachamentos em vez de andar de um lado para o outro. Outras vezes, ele cantava enquanto suas mãos imitavam o movimento de tocar seus instrumentos. Tenho certeza de que ele sentia falta do violino, dado o quanto ele tocou nos dias que antecederam seu sequestro.

Ele tinha uma boa voz... algo que ele não demonstrou durante sua apresentação na universidade, mas fez em casa. Ao contrário dos outros instrumentos, o canto não parecia corresponder a um clima, então eu não sabia como interpretar isso enquanto ele estava aqui.

Já haviam se passado dois dias e Valentim ainda não tinha decidido o que fazer com ele. A essa altura, alguém que não fosse seu pai deveria ter percebido que ele estava desaparecido, mas nenhum boletim de ocorrência foi feito.

Hodge enviou outra demanda, mas, por qualquer motivo, Asmodeus Bane não respondeu. Este não era o pior sequestro da história, mas era definitivamente um dos mais confusos.

— Basta matá-lo! – Jonathan rosnou. – Se ele não pode nos dar o que precisamos, então ele é um risco. Precisamos cortar nossas perdas.

— Você é uma porra de um risco. – rebateu Jace. – Podemos matar você?

— Não chegue perto dele até ouvirmos de Valentim. – eu disse, apontando para Jonathan.

O idiota nem deveria estar aqui, mas aqui estava ele. Eu não confiava nele e estava cheio de vontade de derrubá-lo.

Desde que ele apareceu, eu fumei uma caixa de cigarros e bebi muito café, montando guarda nas sombras, garantindo que ninguém se aproximasse de Magnus, a menos que fosse para entregar comida ou água. Só me atrevi a dormir quando Jace estava por perto.

— Então você acha que está no comando agora? – Jonathan ficou me olhando.

— Depois que você fodeu com o assalto ao banco, sim. Não gostou? Ligue para o seu tio. – Tirei meu telefone do bolso e o joguei na mesa na frente dele. – Explique a ele por que você merece uma segunda chance. Ou esta é a sua terceira? Quarta? Quinta? Não consigo acompanhar.

— Quem vai cuidar do garoto? – Jace interrompeu. – Temos outros negócios esta semana. Não posso estar em dois lugares ao mesmo tempo. – A última parte foi dirigida para mim. Minha vigilância não passou despercebida por ele, mas pelo menos passou sem comentários.

Cruzei os braços sobre o peito e me posicionei.

— Eu mesmo cuidarei dele.

— Oh, é assim? O grande e mau Alexander Lightwood é babá agora? – Jonathan deu um passo à frente, erguendo o queixo. – Que belo Lobo de Yakutsk você me saiu.

— Cuidado com a porra da sua boca, Jonathan. – eu respondi com um olhar furioso.

— O que aconteceu? O lobo finalmente perdeu seus dentes? – Ele se inclinou para frente e mastigou o ar bem na minha frente.

Abaixei meu rosto para mais perto do dele, minha voz junto com ele.

— Se você não der o fora daqui, farei com você o que fiz com aquela família em Tomsk. Eu não me importo com quem é seu tio.

Jonathan parecia querer dizer algo, mas em vez disso bufou e foi embora. Ele fez questão de bater com o ombro no meu no caminho. Balancei com o movimento, mas mantive o equilíbrio.

Eu deveria tê-lo derrubado naquele momento por tal desrespeito, mas de alguma forma me contive. Provavelmente porque estava distraído pela memória de minha própria ameaça.

Tomsk.

Eu ainda podia sentir o cheiro de sangue e merda, mesmo depois de todo esse tempo.

A primeira verdadeira matança a ser associada ao meu nome. Eu estava apenas seguindo ordens, mas para todos os outros eu era um maldito animal.

Minhas mãos nunca estariam limpas e eu estava bem com isso. Eu estava até bem com o apelido estúpido – "O Lobo de Yakutsk", aquele que matava de forma tão selvagem que eles não podiam acreditar que um homem faria as coisas que eu fazia com outro ser humano.

O que eu não aceitava era pedaços de merda como Jonathan ficando no meu caminho ou usando o apelido como um insulto em vez de respeitar a brutalidade do que significava.

— Vou garantir que Imasu esteja por perto para ajudá-lo. – disse Jace ao sair.

— Não. Ele ainda é muito mole. O leve com você.

Jace acenou com a cabeça e desapareceu.

Assim que todos foram embora, peguei um pouco de comida e o carreguei para a cela do garoto.

Ele estava dormindo quando me aproximei, enrolado em uma bola de lado. Embora estivesse quente lá fora, era consideravelmente mais frio no armazém. Tenho certeza de que o concreto não ajudava.

Ele ainda estava usando as roupas com as quais o sequestramos, que não era nada mais do que uma camiseta azul e jeans preto. Eu considerei comprar para ele um moletom ou algo assim, mas esperava que ele não ficasse aqui por muito mais tempo.

Destrancando a porta silenciosamente, eu entrei e coloquei uma garrafa de água fresca e uma barra de proteína no chão perto dele.

Ele não parecia estar comendo muito, nem bebendo. Eu não sabia se era porque ele pensava que poderíamos envenená-lo ou de repente parar de dar comida pra ele. De qualquer maneira, ele estava errado. Era um péssimo negócio machucar seu refém mais do que o necessário.

Eu estava saindo quando sua voz me parou no meio do caminho.

— Obrigado. – Tão baixinho que quase não ouvi. Mas ele sempre dizia isso. Não importava quem era, ou o que trouxessem, ele dizia "obrigado" todas as vezes.

Apoiando a mão no batente da porta, me inclinei em direção a ele. Ele ainda estava deitado no cobertor, só que agora ele estava claramente acordado, me observando atentamente.

— Porque você faz isso? – A pergunta retumbou para fora de mim antes que eu pensasse em pará-la.

— Fazer o quê? – Suas sobrancelhas se curvaram.

— Porque você sempre diz 'obrigado'?

Piscando, ele se empurrou para uma posição sentada, sua sobrancelha ainda franzida.

— Eu não sei.

Eu semicerrei os olhos para ele, procurando por falta de sinceridade em seu rosto. Eu duvidava que ele tivesse um osso falso em seu corpo, mas por que diabos ele estava sendo tão cordial com as pessoas que o sequestraram?

— Porque você não precisa fazer isso... – ele respondeu finalmente, olhando para mim como se esperasse que fosse a resposta certa.

— Bem, pare. – Eu cruzei a soleira e bati a porta. 

De Joelhos (Malec)Onde histórias criam vida. Descubra agora