ღ꧁ღ╭⊱ꕥ Os meses passaram rápido. Já tinha feito minha inscrição; estava tudo pronto para o embarque. No fim das contas, não precisei do dinheiro. O governo brasileiro havia me concedido uma passagem de terceira classe, um alívio considerável, dado os muitos gastos dos últimos meses.
Conforme previ, em 16 de novembro de 1868, embarquei rumo à minha nova terra, um recomeço promissor!
Deixava para trás tudo que conhecia. Lá não haveria Humberto, nem fome, nem a dor que tanto me afligia. Seria um novo começo: teria minhas terras, as cultivaria. Nutria essa esperança de renovação.
A bordo do navio, os dias arrastavam-se. Vivíamos em condições precárias nos porões — escuros, úmidos e frios, tão lotados que mal dava para deitar. Mas ao final do dia, algo me alegrava: os sanfoneiros subiam ao convés e suas músicas alegres, seus bandolins tocando melodias italianas me distraíam, me fazendo esquecer os enjoos e a tristeza que me consumia. Seis meses se passaram desde que me separei de Humberto, e embora os primeiros dias tenham sido marcados por raiva e decepção, agora, olhando para o imenso oceano, só conseguia agradecer por tê-lo conhecido.
Ele me deixou um presente inestimável: Clara. Sim, esse seria o nome de minha filha.
Eu estava grávida de sete meses. Logo após minha chegada ao porto, ao saber da gravidez, não senti medo nem preocupação. Decidi que nós duas, eu e minha futura filha, iríamos para o Brasil iniciar uma nova vida. Optei por não contar para Angélica, pois ela talvez me impedisse de vir se soubesse. Pretendo escrever-lhe assim que chegar no Brasil, contando sobre a Clara, nossa viagem e como é nossa nova terra, nosso novo lar.
― De quantos meses? ― perguntou uma senhora ao meu lado, usando um lenço na cabeça. Eu a reconheci do nosso porão, sempre amigável e alegre.
― Sete meses! ― respondi, acariciando minha barriga.
― Meus parabéns! Me chamo Maria! ― ela disse, estendendo a mão em cumprimento.
― Luna! ― respondi, apertando sua mão.
― Sua barriga está bem redonda, deve ser menina.
Sorri. ― Clara! Esse será o seu nome.
― Clara, que nome lindo! Então é uma menina?
― Sim, acho que sim. ― sorri, um pouco envergonhada. ― Não há certeza, mas meu coração diz que sim.
― Se você acha que é, então é! ― ela sorriu de volta. ― Mãe nunca se engana. E seu marido? Está no navio?
― Não! ― desviei o olhar, a tristeza brevemente visível. ― Ele morreu. Somos só nós duas agora, eu e Clara.
― Sinto muito! Se precisar de algo, me avise! Estamos em quatro aqui, mas sempre tem espaço para mais um, ou neste caso, mais dois. ― Ela sorriu carinhosamente.
Agradeci e retribuí o sorriso.
― Já sabe onde vão ficar? ― perguntei, movida pela curiosidade.
Ela apenas encolheu os ombros.
― O agente do porto não nos disse nada. Só saberemos quando chegarmos ao Porto de Santos.
Assenti respirando fundo.
∞∞∞
Os dias se arrastavam interminavelmente, e os enjoos se intensificavam a cada momento. Ao meu redor, algumas pessoas adoeciam, sucumbindo principalmente à cólera. Com apenas quinze dias de viagem completos, e outros quinze ainda pela frente, minha preocupação crescia; eu me sentia cada vez mais debilitada.
Naquela manhã, acordei me sentindo particularmente mal. Maria, sempre solícita, buscou um canto um pouco mais confortável para que eu pudesse descansar. Era um local abafado, sem ventilação. A falta de ar apertava meu peito, e um frio implacável me envolvia. Maria olhava para mim, seus olhos refletindo uma preocupação evidente — ela sabia que algo não estava bem. Eu, por minha vez, tentava me agarrar à esperança.
Mentalmente, eu me repetia: "Só mais quinze dias, apenas mais quinze dias até o Brasil."
― Só mais quinze dias, Clara — murmurei, acariciando suavemente minha barriga. — Aguenta, minha filha. Nosso novo mundo está quase ao nosso alcance.
∞∞∞
No meio da noite, uma cólica terrível me despertou. Era tão intensa que me deixou sem fôlego e incapaz de falar. Com um esforço hercúleo, consegui pedir ajuda ao menino que dormia ao meu lado.
Eu estava tonta e angustiada; minha boca, seca. A dor crescia, minha visão às vezes escurecia e tudo ao redor parecia girar. O frio cortante não cessava e meus músculos tremiam sem controle.
― Ela está queimando em febre! ― ouvi Maria exclamar.
Alguém ao seu lado mencionou que precisavam fazer o parto imediatamente.
Não! Meu coração se encheu de angústia. Sabia que não era o momento, mas a dor insuportável me impedia de protestar. Sentia como se agulhas afiadas perfurassem minha pele de todos os lados. Eu estava zonza e fraca.
― Preciso que faça força, Luna; precisamos que Clara nasça agora.
― Não, Maria! Ainda não é hora.
― Luna, você precisa ser forte, é necessário.
Uma nova voz interveio suavemente ao meu lado. ― Sou uma doula. Você precisa confiar em mim. Luna, você tem que fazer força agora, ou podemos perder a criança.
Empurrei com toda a força que pude reunir, apesar da visão turva e da dor avassaladora. Perdi a consciência por momentos e, quando despertei, minha pequena Clara já estava em meus braços.
Ela era tão pequena, tão frágil. Minha menina, minha Clara. Ela era linda, mas algo estava terrivelmente errado. Ela não se mexia.
― Clara! ― sussurrei, desesperada.
Ela não respirava.
NÃO!
― Não, não, minha menina, não!
Tentaram tirá-la de meus braços, mas eu resisti.
Ao meu lado, Maria chorava.
― Não! Não! ― Consegui gritar, exaurindo as últimas reservas de força que me restavam. Sentia que a dor logo terminaria; minha vida estava se esvaindo. Eu só queria mantê-la segura em meus braços, preservar aquele último contato. A escuridão me envolvia, tentando me arrastar para longe, e embora eu resistisse, minhas forças estavam se esgotando. Fraca demais para lutar, percebi que nada mais importava. Tudo terminaria em breve, e eu só desejava manter minha filha comigo um pouco mais. A certeza de que logo estaríamos juntas aquecia meu coração.
― Clara! ― foi meu último suspiro, enquanto meus olhos se fechavam pesadamente. Tudo se apagou, a dor se dissipou, o frio desapareceu, e com ele, tudo mais.
Minha vida terminava ali.
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𝙰𝙺𝙰𝙸 𝙸𝚃𝙾 - 𝙵𝚒𝚘 𝚟𝚎𝚛𝚖𝚎𝚕𝚑𝚘 𝚍𝚘 𝚍𝚎𝚜𝚝𝚒𝚗𝚘
RomancePor que Liana teme entregar seu coração? Por que Vera teve seu filho retirado de seus braços ainda recém-nascido? Será que sonhos têm a ver com vidas passadas? A existência de almas gêmeas é real? Akai Ito - Fio vermelho do destino descreve a busca...