Charles Wood

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         O jovem Charles sempre fora o mais estranho dos irmãos Wood. Seus pais não sabiam ao certo o que motivava os estranhos gostos e hábitos do filho, que guardava um interesse e um apreço notáveis, sobretudo, às coisas antigas do mundo e aos mistérios do universo que ainda haviam de ser esclarecidos. O estudo da astronomia, em especial, causava-lhe grande fascínio, mas não foram poucas as vezes em que o rapaz fora pego envolvido em experimentos bizarros e idas e vindas a locais improváveis. Como na vez em que o jovem fora visto no cemitério público de Willowfield enquanto escavava um túmulo decrépito e abandonado cujo ocupante era desconhecido até mesmo dos mais antigos moradores da cidade; Charles insistiu que - por mais estranho que aquilo pudesse soar – as cinzas enterradas no local cumpriam um "papel fundamental" em sua pesquisa sobre um alinhamento planetário que estava por vir nos meses seguintes. Por sorte – e por influência da família de Charles – o episódio não teve maiores consequências, embora os pais do rapaz agora estivessem mais rígidos do que nunca quando se tratava de permitir os passeios do filho pela cidade.

         Charles Wood nunca fora muito sociável, de fato, e talvez isso explique a escolha do rapaz por iniciar e manter os estudos em casa. Os pais foram relutantes a princípio, mas logo atenderam ao desejo do filho. Se Charles fosse um jovem comum o resultado talvez tivesse sido outro, mas não restava qualquer dúvida a respeito da genialidade do rapaz a qual superava – e muito - a de qualquer outro sujeito que se tivesse notícia. Com o tempo, o quarto de Charles se tornou uma espécie de biblioteca, munida dos mais diversos conhecimentos acerca de praticamente todas as áreas do saber. Certos livros já eram conhecidos da família, mas havia um punhado de obras que Charles fazia questão de ocultar dos que o visitavam em seu quarto, como os livros escritos pelos astrônomos árabes de outrora e até mesmo tomos e páginas perdidas que continham os mais terríveis rituais de magia negra já escritos – que abordavam desde a prática hedionda da necromancia até mesmo estudos sobre as dimensões que existem além do nosso espaço-tempo, nas fronteiras da realidade com o absurdo.

         Foi durante o breve isolamento que sucedeu o incidente no cemitério que o jovem Wood mergulhou no conhecimento profano contido nas páginas ancestrais em sua posse. Os resultados de suas pesquisas ocultas podiam ser ouvidos pela casa durante a noite. O barulho de ventos violentos e de raios irrompia o silêncio da noite, acompanhados por um cheiro hediondo e por um odor acre que violavam a casa, quase como houvesse um corpo em decomposição atirado aos corredores da mansão. O quarto que ficava ao lado do de Charles era o de seus dois irmãos – que eram gêmeos e cerca de dois anos mais velhos - Brenda e Peter Wood, e ambos eram atormentados por pesadelos todas as noites em que o irmão caçula decidia pôr em prática suas experiências. Certa vez os pais invadiram o seu quarto quando um dos experimentos estava em curso e não encontraram nada além de papéis espalhados pelo chão e um Charles Wood exausto debruçado sobre os estudos e conjecturas desenvolvidos pelo próprio; e foram os incidentes noturnos bizarros que o envolviam que fizeram com que o isolamento forçado do rapaz fosse revogado.

         Apesar disso, o patriarca da família, Francis Wood, insistiu para que as atividades do rapaz – que nunca fora muito de sair de casa, mas que agora parecia ter adquirido um estranho interesse nisso – fossem monitoradas de perto pelos esforços de Antonio Venicci, um detetive contratado pela família que ficaria a cargo de acompanhar Charles Wood e evitar que novos "incidentes" ocorressem – obviamente, sem que o rapaz tivesse qualquer suspeita de que suas idas e vindas pela cidade estivessem sendo vigiadas – e, com sorte, desvendar os métodos utilizados pelo rapaz em suas pesquisas sinistras. A princípio, os passeios de Charles se mostraram banais, apesar dos locais – cemitérios, bibliotecas e casarões velhos – visitados pelo jovem; e Charles pareceu ter retornado à normalidade nos meses que se sucederam. As experiências noturnas bizarras cessaram, e não se ouviu falar de nenhum episódio que contasse com o envolvimento do rapaz. No entanto, foi por volta de setembro que as coisas começaram a ficar sinistras.

         Não foram poucas as vezes em que Venicci percebeu os encontros de Charles com um grupo de estrangeiros composto por três homens cobertos dos pés à cabeça por roupas escuras e densas e chapéus o qual nunca havia sido visto em Willowfield. Os encontros se davam por volta do fim da tarde e do começo da noite, no que se pode chamar de "hora dourada", sempre nas proximidades do Monte Stern, o pico mais alto da cidade. Curiosamente, Francis percebeu durante o mês de setembro que o filho entrava num estado quase catatônico durante o período da noite, e não respondia adequadamente a estímulos externos; Charles também se mostrava impassível diante das perguntas do pai a respeito dos encontros que vinha tendo com os estrangeiros – os quais chegaram ao seu conhecimento através de Venicci. Durante esse estado, Charles Wood se trancava no quarto e prosseguia com suas experiências – e os efeitos aterrorizantes advindos delas. Dessa vez, vozes estranhas partiam do cômodo, quase como se o rapaz estivesse discutindo com um punhado de pessoas – ou coisas - e tudo sem que ninguém entrasse ou saísse da mansão. Os pesadelos terríveis enfrentados pelos irmãos tornaram-se ainda mais intensos, e nem mesmo Francis e sua esposa Dahlia, foram capazes de se ocultar dos horrores pronunciados pelo filho caçula em seu quarto. Estranhamente, nas manhãs seguintes aos eventos noturnos, Charles Wood apresentava uma personalidade completamente distinta, portando-se como sua família sempre esteve acostumada a vê-lo.

         Francis Wood ordenou a Venicci que aumentasse seus esforços em rastrear o paradeiro dos estrangeiros que se encontravam com seu filho, pois de certo eles teriam alguma ligação com as súbitas mudanças de personalidade apresentadas por Charles. No entanto, por volta do dia 1 de outubro, Francis perdeu completamente o contato com o detetive Antonio. As hipóteses que pairavam sobre os pensamentos do patriarca da família Wood eram as mais diversas – e poucas envolviam um final onde Venicci retornasse a salvo. Francis acreditava que os estrangeiros haviam percebido a presença do detetive em seu encalço, e, portanto, trataram de eliminá-lo. A preocupação do pai de Charles Wood era genuína, uma vez que Venicci nunca permaneceu tanto tempo sem trazer notícias de si ou do filho caçula da família, que agora poderia conduzir suas atividades sem que ninguém tivesse conhecimento delas – e foi o que aconteceu. As idas e os passeios de Charles por Willowfield se tornaram mais frequentes do que nunca, e os frutos de suas experiências hediondas ainda eram ouvidos todas as noites nas formas de vozes e grunhidos ininteligíveis – sem que ninguém tivesse conhecimento do que de fato acontecia por trás da porta do quarto do rapaz. A loucura de Charles Wood atingiu o ápice no dia 31 de outubro, na véspera do Dia de Todos os Santos.

O Desaparecimento de Charles WoodOnde histórias criam vida. Descubra agora