Breve história da arqueologia no Brasil

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Breve história da arqueologia no Brasil
No Brasil, os primeiros estudos de vestígios arqueológicos se devem a P. Lund, um
pioneiro da paleontologia, que encontrou em 1843 ossadas humanas misturadas
com as de animais desaparecidos nas cavernas de Lagoa Santa, em Minas Gerais.
Naquela época, acreditava-se que os grandes animais tivessem desaparecido com o
dilúvio bíblico, e Lund foi o primeiro a pensar na existência de um homem
antediluviano nas Américas, mas nisso não foi seguido. Também descreveu para o
público europeu instrumentos de pedra polida encontrados pelos camponeses e
aɹrmou que os amontoamentos de conchas encontrados no litoral brasileiro (os
sambaquis) eram obra dos primeiros habitantes do lugar. Isso foi importante para o
reconhecimento da origem humana dos sítios parecidos que existem no norte da
Europa.
No ɹnal do século XIX, foram realizadas as primeiras escavações arqueológicas
nos sambaquis de Santa Catarina, por Von den Steinen, e em sítios do Amapá, por
Emílio Goeldi. Na perspectiva daquela época, tratava-se essencialmente de
encontrar objetos que permitissem saber qual era o “patamar evolutivo” atingido
pelos indígenas brasileiros em relação a uma escala estabelecida na Europa.
Considerava-se que os nativos do Brasil eram muito primitivos, e que seus
ancestrais seriam incapazes de elaborar as belas cerâmicas e esculturas de pedra
encontradas em vários sítios. Dessa forma, muitos atribuíram as cerâmicas
Marajoara a povos fenícios ou gregos – que teriam desembarcado aqui na
Antiguidade –, e as esculturas dos sambaquis a uma inɻuência das culturas
andinas.
Ao mesmo tempo, R. Kröne estudava os sambaquis do litoral de São Paulo e
correlacionava, de modo pioneiro, suas variações culturais às mudanças
ambientais, como as alterações do nível do mar. Infelizmente, quase não houve
outras pesquisas arqueológicas durante a primeira metade do século XX.
Foi preciso esperar até a segunda metade do século XX para que a arqueologia se
implantasse no Brasil, primeiramente sob orientação de pesquisadores franceses e
norte-americanos (durante os anos 1950 e 1960), e, a seguir, com programas
independentes realizados pelos pioneiros formados por esses mestres estrangeiros.
No ɹnal dos anos 1960, um projeto Nacional de Pesquisa Arqueológica
(Pronapa), orientado por Betty Meggers e Cliʃord Evans, procurou montar um
quadro preliminar da pré-história dos estados da fachada marítima, desde o RioGrande do Sul até o Rio Grande do Norte, a partir de prospecções e sondagens
rápidas. Desse trabalho nasceram as principais “Tradições” ceramistas até hoje
reconhecidas.
Os seguidores do Pronapa procuravam evidenciar, por meio da análise dos restos
de cerâmica pré-histórica, a dispersão ao longo dos eixos ɻuviais de grupos pré-
históricos caraterizados por sua cultura material. Trabalhavam dentro da linha do
determinismo ecológico norte-americano (a ideia de que o ambiente local
determina o grau de complexidade das sociedades que nele evoluíram).
Paralelamente, outros pesquisadores, quase sempre influenciados ou orientados por
W. Hurt ou Annette Laming-Emperaire, estudavam os vestígios de populações mais
antigas a partir de escavações amplas em sítios escolhidos – geralmente em
sambaquis ou abrigos sob a rocha –, e atenção especial foi dedicada à chamada
“arte rupestre”, muito comum no Brasil central e nordestino.
Com a análise mais aprofundada dos sítios de regiões limitadas, esses
pesquisadores passaram a se interessar mais por reconstituir a evolução do
ambiente local e a organização do espaço habitado.
O número de pesquisadores começou a crescer nos anos 1980, e hoje, embora
ainda haja muita carência de proɹssionais (existem vários estados sem ao menos
um arqueólogo residente), a maioria das pesquisas é realizada por equipes
nacionais. Com a criação da Sociedade de Arqueologia Brasileira (SAB), em 1980,
houve uma abertura para novas inɻuências, em particular as vindas da arqueologia
“processual” anglo-saxônica, que pretendia alcançar maior cientiɹcidade na
arqueologia procurando leis permanentes que regessem as sociedades e suas
relações com o meio.
A partir dos anos 1990, vários arqueólogos criticaram algumas pretensões
exageradas desse movimento (cujos princípios não chegaram a ser
sistematicamente aplicados ao Brasil), insistindo sobre o fato de que, tal como
ocorre entre historiadores, cada geração ou escola arqueológica tem sua própria
interpretação do passado, em função da qual os “fatos” arqueológicos são
escolhidos e interpretados. Dessa forma, os arqueólogos tornaram-se conscientes de
que a pesquisa cientíɹca não é neutra, mas ideologicamente orientada. Hoje é
preciso equilibrar essa consciência das limitações de nossa interpretação com o
esforço para se alcançar um mínimo de autocrítica, além de procedimentos de
trabalho que garantam o máximo de objetividade. Caso contrário, corremos o risco
de cair num ceticismo estéril ou numa “licenciosidade” interpretativa que
justificaria qualquer posição política e tiraria a credibilidade da pesquisa científica.
Um exemplo dos problemas que isso levanta é a exigência de indígenas de Minas
Gerais de participarem da “reconstrução” do seu passado. Em reuniões de trabalho
na Universidade Federal de Minas Gerais, em 2002, professores indígenas
cobraram a possibilidade de fazer sua própria arqueologia, guiada por seus próprios
princípios – obviamente muito diferentes dos que regem os acadêmicos formados
pela sociedade dominante.
De fato, será que pode haver uma arqueologia “branca” e uma arqueologia
“indígena”, da mesma forma como houve uma arqueologia “histórico-cultural” e
uma arqueologia “processual”? Trata-se apenas de um problema ideológico, do quala ciência teria de se manter afastada, ou seria a ciência “ocidental” também uma
ideologia como qualquer outra? Os partidos comunistas já falavam em “ciência
burguesa” oposta a uma “ciência proletária”, o que se provou catastróɹco para a
biologia soviética. Será que um arqueólogo indígena formado pela universidade
ocidental não absorveria as formas de pensar e os métodos de seus mestres? Será
que esses procedimentos não seriam inerentes à própria ciência? Por outro lado,
será o material arqueológico pré-histórico patrimônio do Estado brasileiro (que
representa a visão “ocidental”), ou dos indígenas (e, neste caso, de quais)?
Não pretendemos aprofundar aqui essa discussão, mas ela estará certamente no
cerne dos debates dos próximos anos, como já acontece em outros países de
colonização moderna – como a Austrália, os Estados Unidos e o Canadá.

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