4. Espinhas, ocitocina e corações

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Bufei.

Lá estava mais uma espinha, bem em cima da minha sobrancelha, parecendo quase o piercing ponto de luz do Daniel se não fosse gigante e estivesse erupçando um monte de pus e sangue.

É... Eu podia até não fazer nada a respeito daquele monte de hormônios circulando pelo meu corpo como uma boa parte das pessoas da minha idade fazia dando uns beijinhos por aí, mas isso não impedia minha pele de sofrer os efeitos deles. Infelizmente era um fardo a se aturar. 

Enquanto espremia aquele treco (sim, eu sabia que não devia fazer isso), fiquei pensando como soava óbvio o motivo de adolescentes serem tão impulsivos com tudo. A gente não tinha autocontrole nem pra deixar de estourar uma espinha... Por que então teríamos pra não surtar quando o sangue se agitava demais nas nossas veias pela raiva ou, sei lá, quando batia vontade de ficar de saliva e dormir com um alguém aleatório? 

Não que eu nunca tivesse sentido nenhuma vontade, mas... Fala sério, por que eu ficaria beijando sapos esperando que eles de repente se tornassem príncipes? A verdade era que sapos humanos e sapos de verdade não eram lá muito diferentes: os dois eram asquerosos, não lavavam os pés (e olha que ainda exigiam que o nosso fosse de "princesa") e definitivamente transmitiam um monte de bactérias desnecessárias com aquela baba nojenta.

Terminei meu delineado (que, pasmem, era um belíssimo foxy eyes) e enfeitei meu lábios com meu clássico batom marrom. Mexi nas minhas ondinhas, que brilhavam por conta óleo de argan e sorri para o espelho, apreciando a pequena manchinha de coração no canto da minha bochecha: a única coisa boa que ter ficado espremendo espinhas havia me dado.

Vê me admirou como uma mãe orgulhosa e soltou uma risadinha, pensando meio longe.

— Fico imaginando a cara de trouxa que o Pedro faria se te visse hoje em dia... — comentou. 

— Trouxa ele sempre foi. — acrescentei rindo também. — Só de ter me chamado de "mendiga" um dia ele já estaria chorando e chupando o dedo em posição fetal. Como diria o Thiaguinho MT, "uma bebê dessa nunca mais ele vai ter". — Mexi de novo no meu cabelo fazendo um carão enquanto ela aplaudia a tudo dando uns assobios, enchendo o banheiro de risos.

Tristemente ainda não havia convencido ela a dar um chute no traseiro do Jonas, mas ao menos já tinha aceitado meu conselho de não ir àquela festa de aniversário dele que seria à noite (ou pelo menos de não beber nada de procedência duvidosa e não ficar sozinha com ele). Uns 40% do problema estava resolvido. Já era alguma coisa, né?

Horas mais tarde, antes mesmo daquela sirene cruel anunciar o intervalo, Daniel já estava caminhando até mim com a cartolina rosa numa mão e um papel crepom mais rosa ainda na outra.

— Como foi ontem, Palmitinha? —  Jogou a clássica saudação se apoiando com a mão sobre a minha carteira enquanto eu terminava de arrumar as coisinhas nela. — Conseguiu escrever os textos sem vomitar?

Levantei compartilhando da risadinha suave que ele havia soltado com a gracinha.

— Depois de tantas velas seguradas pra Verônica, digamos que eu meio que aprendi a fazer esse tipo de sacrifício quando necessário. — Descansei os ombros devolvendo outra risadinha enquanto andávamos até as escadas.

Fiquei indignada quando descobri que o cardápio do dia na escola era arroz e carne (isso mesmo: sem feijão, leguminho ou sequer saladinha — era realmente só arroz puro e umas almôndegas estranhas), mas, pra minha sorte, além de vegetariano, Daniel era, claro, muito gente fina. Comprou dois sanduíches naturais na cantina pra gente. Isso aí, de graça.

— Poisé... Eu ainda vendo pizzas pra clientes apaixonadas por palmito em domingos à noite. — explicou num riso meio folgado. — Não é lá como se eu fosse rico, mas, né... Dá aquele socorro em casa e uma graninha pra mim.

O Cadeado (quase) Inquebrável [Conto]Onde histórias criam vida. Descubra agora