Personagens entram com um cartaz escrito "SERÁ?" e colam no mural de giz.
Capitu grávida.
Bentinho: O que fez hoje?
Capitu: Escobar veio ver-me, como todas as terças. Tomamos chá e olhamos o mar.
Bentinho olha pela janela
Bentinho: Depois da tempestade de ontem, o mar está de ressaca. Essa cor que assume, escuro. Lembra teus olhos, Capitu. Mas quando está calmo, com a cor mais plena, é a cor dos olhos de Escobar. Não me admira que gostem tanto de ver o mar. E Sancha, como está?
Capitu: Ainda doente, com a doença de não sair de casa. Não veio, como sempre.
Bentinho: Não me agrada as visitas de Escobar desacompanhado. O que os vizinhos dirão?
Capitu: Ora, dirão o que sempre viram. Ele vem nos ver há anos, Bentinho. Desde que nos casamos. Até desde antes, eu diria, quando você ainda estudava. Porque suas cartas sempre tinham alguma parte para ele e líamos juntos.
Bentinho: Mas agora não me agrada. Escobar anda distanciado e antes você não era a mãe do meu filho.
Capitu: Tudo bem, Bentinho. Vou dizer para que não venha mais desacompanhado. Mais alguma exigência para a mãe do seu filho?
Bentinho: Que não me olhe dessa forma. Faço isso porque ouvi boatos no mercado aos quais não me agradaram. Não é decente, Capitu.
Capitu: Não é decente que você tenha deixado de ir ver o Escobar. Não é decente que se deixe um amigo assim.
Bentinho: Não estou deixando. Eu vou vê-lo, já me programei para isso. Mas é meu amigo, Capitu, não há a necessidade que você seja tão próxima assim também. Quer minhas amizades para si agora?
Capitu: Bentinho, eu não quero nada. Se precisa tanto assim de seu amigo, pois que fique com ele. Achei que gostaria que eu não passasse tanto tempo sozinha em casa com alta gestação. Mas parece que quer o Escobar só para você, pois então, às favas com os dois!
Capitu sai. Escobar bate na porta.
Bentinho: Ah, recebeu meu recado! Que bom que veio.
Abraçam-se calorosamente.
Escobar: Vim assim que pude, não é sempre que o meu amigo ocupado tem tempo para esse velho.
Bentinho: Velho nada, parece que o tempo deixa você mais moço. Olhe para mim, tenho meus primeiros grisalhos já, e você aí, cada dia mais jovem.
Escobar: Bondade a sua, amigo, bondade a sua. Eu ando cansado, e com a doença de Sancha, me consumo ainda mais.
Bentinho: Como ela está?
Escobar: Piorando, tentei o chá que prescreveu mas parece água. E Capitu?
Bentinho: (alterado) Como se não soubesse.
Escobar: Como?
Bentinho: Digo, com o tanto de visitas que faz a ela, como não sabe como está?
Escobar: Perguntei bem por educação também, Bento.
Bentinho: Não se faça de rogado, nunca precisamos disso entre nós, não é agora que precisaremos, não é.
Escobar: É verdade, não é agora.
Bentinho ajoelha-se de frente a cadeira de Escobar.
Bentinho: Você sempre foi tão prestativo. E fazer companhia a ela é uma gentileza. Estamos brigados, mas não deixo de cuidar dela.
Escobar passa as mãos no cabelo de Bentinho, que deita a cabeça em seu colo.
Escobar: Essas brigas acontecem, Bentinho. Mulheres grávidas são muito sensíveis. Logo vocês se acertam. Foram feitos um para o outro.
Bentinho segura as mãos de Escobar.
Bentinho: Será?
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Escobar - Uma história sobre ciúme, olhos e mar
RomancePeça teatral livremente inspirada na obra de Machado de Assis, Dom Casmurro, de 1899. Nesta releitura em forma de roteiro para teatro, o ciúme, os embates familiares e a dúvida de Bento Santiago são embalados pelo mar para mostrar o quão destrutiva...