Divididos

36 9 12
                                    

_1954_

Coreia do Norte

Levara anos, que de tão intensos tinham parecido séculos, porém, finalmente, a ocupação japonesa tinha cessado, trazida ao povo coreano com o fim da Grande Guerra. A nação tinha sido dividida em duas, e a luta armada que se formou a partir da divisão, enfim, fora erradicada por meio de um acordo tácito entre as partes. A vida dos coreanos já tinha, de certa forma, entrado nos eixos — não de maneira ideal, porém, um pouco menos nociva do que era antes. Tudo parecia bem, exceto que, verdadeiramente, não estava.

O trabalho ali nunca cessava. Sempre havia algo a se fazer, desde o abrir dos olhos pela manhã, quando o sol se erguia no horizonte, até a hora marcada pelo toque de recolher, quando os cidadãos deveriam se retirar de circulação para descansarem e, no dia seguinte, servirem aos interesses de sua pátria. Todos os dias, por horas e horas seguidas, sem pausa, sem tempo para individualidades.

Não tinha sido para viver assim que lutara. Não foi para se sentir encarcerado pelo próprio país que ele tinha resistido e perdido tanto ao longo do tempo. Não foi por isso que ficou sem família, sem amigos, sem o homem que amava.

Durante a ocupação sanguinária, quando se rendeu às suas paixões e filosofias e decidiu que faria delas a sua arma de resistência e libertação, não foi para acabar ali, naquele cenário opressor, tendo suas particularidades enquanto pessoa ignoradas pela nação. No entanto, tinha sido o que conseguira. E isso o abatia de uma maneira que não podia, tanto por falta de palavras, quanto por falta de liberdade, expressar.

Esse era, sem dúvida, o pensamento que mais doía. Saber que tinha arriscado tudo por nada, literalmente nada, o machucava de morte por dentro. Ser forçado a usar aquele uniforme militar, passar o dia inteiro com armas a postos, pronto para atirar se preciso em quem ousasse tentar sair dali e escapar para o lado sul do país só fazia se sentir sujo, um traidor, um bandido tão ruim ou pior do que tinham sido os japoneses. Contudo, era isso ou morrer, porque, na parte em que ficara não havia chance de escolha, e ele não queria morrer. Enquanto vivesse, ainda teria esperança. Enquanto estivesse vivo, ainda podia sonhar, antes de cair no sono, com o dia em que seu país se reunificaria, e o povo já não precisasse mais ficar dividido.

Assim, Hoseok seguia em seu posto, no alto da colina, onde, apesar de estar sempre acompanhado, se sentia extremamente sozinho. Não podiam conversar durante o tempo de vigia, e nenhum dos quatro soldados tinham vontade de tentar quebrar as regras e descobrir o que aconteceria.

Seu único escape era olhar para longe, bem longe, além da fronteira estabelecida, no meio das árvores frondosas do outro lado, imaginando como era a vida no trecho sul de sua pátria. Durante os devaneios, gostava de pensar que, naquela área que seus olhos alcançavam, estava o seu lugar secreto, o bunker dele e de Taehyung, onde fizeram tantos planos e trocaram tantos carinhos e juras de amor. O bunker onde, nos momentos mais difíceis, tinha encontrado refúgio, acolhimento e paixão nos braços do homem que tão intensamente amara.

Nunca soube o que aconteceu com Taehyung. Não conseguira descobrir, jamais, o que tinha acontecido com ele, se tinha deixado de ir ao bunker por vontade própria, ou por força das circunstâncias. E pensava que, talvez, isso era pior do que ter descoberto, de repente, que Taehyung não mais vivia.

Não sabia como era a dor de ter perdido alguém, mas sabia, com toda a certeza, que a dor da ignorância era lacerante. E não passava com o tempo; pelo contrário, aumentava, se transformava numa ferida aberta, exposta e infeccionada, que em hipótese alguma sarava.

Não havia, entretanto, nada que Hoseok pudesse fazer. Enquanto era forçado a tirar a vida dos seus em nome de uma ideologia na qual não acreditava e pela qual não tinha feito opção, tinha que aprender a lidar com isso, fazendo das lembranças felizes um bálsamo que pudesse, ao menos em curtos espaços de tempo, amortecer o sofrimento de ser quem não queria ser, de agir contra si mesmo, e de se encontrar sozinho, sem amigos, sem família, sem pátria de verdade, e sem o amor da sua vida.

DividedOnde histórias criam vida. Descubra agora