I had a dream the other night about how we only get one life... And if we only live once, I wanna live with you.
Something I Need, Ben Haenow
- Quem é o Yeres, o demônio da heresia? – questionei, apertando o cinto, com força, antes de sair do armário das vassouras, com Ezra pela mão.
- Um demônio complicado. – ele respondeu. – Raios, nem sei se o posso chamar de demônio. Começou sendo um humano, um homem, um sacerdote ou algo assim. Celibatário. Dizem que morreu virgem, o pobre coitado. Dizem, também, que praticava milagres. Quando morreu e apareceu no paraíso, foi um grande escândalo. Foi a primeira e única vez em que um homem morreu e foi para junto dos anjos. Para ser sincero, nunca entendi porque veio conosco para o inferno.
- Ele me defendeu, em frente ao Benjamim. Aliás, todos os demônios o fizeram.
Ezra parou no lugar.
- O Benjamim está aqui? – começou se afastando, com uma expressão de fúria. Coloquei uma mão em seu braço para o impedir.
- Não é preciso. Ele não vale uma luta com os anjos, especialmente, se isso os levar embora.
- Tenho a certeza que o Daniel concordará comigo, assim que souber.
Cruzei os braços e lancei um olhar de censura.
Ele pareceu frustrado, por um momento, contudo, acabou por me puxar para si e me abraçou.
- Como é que é suposto eu conseguir dormir sabendo que aquele desgraçado está sob o mesmo teto que você? Envolvi sua cintura com os braços e pousei a face em seu peito.
- E aí tem mais uma desculpa para me manter bem trancada em seu quarto, a seu lado, onde poderei estar sob seu olhar atento.
Ezra segurou minha cara entre as mãos, sorrindo, antes de espetar um beijo suave em meus lábios.
- Ah, vocês estão aí.
Virei nos braços de Ezra para encarar um Lucas despenteado e ligeiramente ruborizado.
- Diz uma coisa, querido, já que você é o demônio da luxúria, o Lucas não está com o aspeto de quem acabou de se dar bem? – perguntei, tentando conter o sorriso.
- Eu diria mais, humanazinha. Está com o aspeto de quem se deu muito bem. – confirmou Ezra. – Ainda que não tão bem quanto eu.
- Okay, podem parar. – pediu Lucas, visivelmente envergonhado. – Pensam que só vocês é que podem se divertir e o resto de nós tem de se contentar em ouvir-vos e sonhar?
Senti minhas bochechas começarem aquecendo.
- Ouvir-nos?
- Sim, ouvir-vos. Deixe que lhe diga que tem um par de pulmões excelentes.
Com os olhos esbugalhados, me virei, novamente, para Ezra e escondi a cara em sua camisa.
- Lucas, isso não se diz a uma dama. – resmungou Ezra, apesar de eu conseguir ouvir uma certa diversão em sua voz rouca. Provavelmente, se sentia orgulhoso, ou algo assim.
Homens e seus egos do tamanho do universo.
- Declaro que esta conversa está oficialmente terminada. – afirmei, apesar de o som sair abafado pelo tecido da roupa do meu demônio.
Lucas expirou.
- Apoiado.
Não sei dizer quando ou como tudo começou. Da calmaria suave de um encontro no armário às gargalhadas contagiantes de uma conversa no corredor, eu acabara no quarto, sozinha. De repente, a meio do dia, a escuridão invadiu todos os pontos, expulsando o sol quente que fazia naquela época do ano. Contudo, foi o som estridente que deu o sinal. Em poucos segundos, toda a casa estava em polvorosa. Anjos corriam, demônios voavam, humanos rezavam. Todos lutavam, lutavam contra um inimigo invisível, ainda que todos soubéssemos quem ou o que eram.
Estava começando. Não queria acreditar que estava começando.
Tinha de fazer alguma coisa, o que quer que fosse. Tinha, acima de tudo, e demasiado egoísta de minha parte, de encontrar Ezra, porque aquele podia ser o fim, nosso fim demasiado precoce. Corri para a porta e agarrei a maçaneta. Estava quente. Muito quente. Estranhamente quente, tendo em conta que era feita de metal dourado frio ao toque. Respirando fundo, voltei a segurar a maçaneta em minhas mãos, com força, para não cair na tentação de largar. Não esperei para tentar virar, então, sua recusa criou um solavanco que percorreu meu braço todo. Larguei o metal apenas para puxar a manga da camisola para que cobrisse a mão e voltei a tentar. A maldita porta não abria.
Praguejei e me censurei mentalmente, enquanto atravessava o closet até ao outro quarto. Esta tinha de dar. Com mais cautela, encostei um dedo à maçaneta e agradeci a Deus pelo frio metálico característico. Sem pensar duas vezes, virei a maçaneta, com alívio ao senti-la ceder. Puxei-a para mim, mas minha mão escorregou e caí no chão, tendo se mantido a porta firmemente fixada. Me coloquei de pé, num salto, para uma nova tentativa. A maçaneta, de fato, girava, mas a porta não mostrava quaisquer sinais de desejar abrir.
Mas quem é que me tinha trancado ali? E por quê?
Um barulho exterior me recordou da existência de janelas. Sabia que nunca conseguiria sair por ali, mesmo que aquele não fosse o arranha-céus de Daniel, mas, talvez, conseguisse que alguém me resgatasse, ou apenas ver o que acontecia. Debruçada no parapeito, descobri que era noite cerrada, sem estrelas ou lua, ou qualquer iluminação que me deixasse ver o que se passava do lado de fora.
Como por magia, uma única estrela, muitíssimo grande de fato, apareceu no céu, iluminando um ponto específico da luta que se desenrolava lá em baixo. Não me foi difícil distinguir o que acontecia. Há bem pouco tempo, presenciara algo idêntico.
Ezra e Daniel numa dança mortal e sangrenta que eu não conseguia compreender, porque era suposto estarem ambos do mesmo lado.
- Ezra! Daniel! Parem! – gritei, mas nenhum deles pareceu me ouvir. – Parem! Por favor! Ezra, não!
Nenhum olhou para cima, ambos continuaram embrulhados numa batalha que, supostamente, não deveria acontecer.
- Por favor, parem! Ouçam! – o horror me trespassou ao mesmo tempo que o braço esquerdo de Daniel lhe era arrancado do corpo, com uma facilidade tremenda, e Ezra o erguia, vitorioso. Meu estômago se revolveu, enquanto as lágrimas escorriam, livremente, por minha cara, não tanto pela tristeza, mas pelo susto. – Não! – não conseguia identificar o momento em que minha respiração parara, mas sabia que fora, mais ou menos, na altura em que a casa começou tremendo, como se fosse um terremoto, e, logo depois deDaniel utilizar seu braço restante para entrar no tórax desprotegido de Ezra como se fosse gelatina e sair de lá com duas bonitas ovais brilhantes, uma dourada e uma vermelha.
Ezra caiu, de joelhos, no chão, com uma expressão de surpresa estampada no rosto, e minha respiração voltou apenas para libertar um grito horrível numa voz que eu não reconhecia como minha. Vi-o cair para trás, de olhos bem abertos, ainda com tanta vida.
- Ezra! Não… Não…
Ele pareceu olhar para mim e fazer uma tentativa de sorriso. Como é que podia sorrir naquele momento? Como? O que ia ser de mim sem ele?
E o tremor de terra aumentava cada vez mais.
Por que é que Daniel haveria de fazer uma coisa daquelas? Por quê? Já não estava tudo bem?
- Humanazinha. – dizia a voz de meu demônio, ainda que seus lábios não se movessem. Talvez fosse imaginação minha. – Hannah!
Mas era tão alto!
- Hannah, acorda!
Acordei num sobressalto, sentada na cama, com as faces molhadas pelas lágrimas e o coração disparado, mas com um Ezra assustado a meu lado.
- Foi só um sonho, humanazinha. Só um sonho... – ele disse, acariciando e limpando minhas bochechas.
Respirei fundo e me atirei para seus braços me embalarem.
- Ainda bem que você está aqui! – exclamei. – Obrigada, Meu Deus! Obrigada! – apertei-o com força, dando graças pelo calor que seu corpo despido emanava e pelo bater de seu coração que conseguia ouvir. Ele se limitou a me abraçar de volta, passando os dedos por meu cabelo de um modo consolador.
- Quer falar sobre isso? – o escutei dizer junto a meu ouvido.
Primeiro, abanei a cabeça, contudo, as lágrimas voltaram a cair e me afastei para o encarar.
- Sonhei que… Você morria. – minha voz tremeu.
Um qualquer sentimento passou por seus olhos, mas foi tão hábil a esconde-lo que não o consegui identificar. Voltou a me abraçar, desta vez com mais força.
- Foi só um sonho, humanazinha. Só um sonho.
Podia ter sido só um sonho, como ele dizia, mas quase que conseguia ver uma ampulheta pairando acima de nós. E a areia caía...
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Entre Anjos e Demônios
RomantikNum futuro pós-apocaliptico, anjos e demônios batalham entre si pelo controle do universo, utilizando os humanos como escravos naquele jogo mortal. Serva de um anjo durante toda a sua vida, Hannah, uma humana, é repentinamente atirada para o mundo d...