Leônidas a observou sair apressada de casa. Não gostava de interferir nos assuntos da família. E definitivamente não pretendia ouvir a conversa de Heloísa e Violeta. Mas estava curioso com o humor de Heloísa naquele dia. Ela estava mais irritadiça, impaciente, respondona, mas algo nos olhos dela fazia com que Leônidas se preocupasse. Heloísa parecia triste e ele ainda não estava acostumado com aquilo.
Lembrava-se do momento em que a viu, dez anos antes. Ela desceu apressada da carroça parecendo visivelmente preocupada com Matias, e capturou sua atenção no mesmo instante. Leônidas nunca mais esqueceu dos olhos amendoados que olharam para ele com tanta gratidão. Muito menos da forma como a gratidão se transformou em desconfiança e impaciência.
Levou anos para que ele ousasse se aproximar de verdade. A admirava a distância, porque ela sempre estava por perto quanto ele precisava ajudar Matias. Quase sempre Heloísa permanecia apenas para criticar seus métodos e sugerir que Matias precisava ser internado, o que geralmente o fazia sorrir horas mais tarde. E em uma tarde que ele ainda lembrava com perfeição, havia elogiado sua beleza como se estivesse falando do tempo.
Poucas vezes a viu tão desconcertada, mas, como o habitual, uma emoção de fragilidade era sempre substituída por defesa. E agora todas as vezes em que ele a elogiava, Heloísa fazia questão de dizer que jamais ficariam juntos. Leônidas, porém, não conseguia evitar a vontade de estar perto. Especialmente porque ela agia diferente quando estavam a sós, o olhava com o que ele poderia jurar que era interesse.
Mas só há alguns meses Leônidas realmente compreendeu a dimensão do passado de Heloísa. Quando chegou à tecelagem ouviu boatos sobre a mais nova dos Camargo ter perdido uma filha. O que não sabia é que a menina havia sido arrancada dos braços de Heloísa pelo próprio pai e entregue para a adoção. E naquele dia, quando Matias pronunciou de forma completamente lucida aquelas palavras, Leônidas finalmente a entendeu por completo.
Não ousou abordar aquele assunto, é claro. Heloísa não dava abertura para aquele tipo de conversa, muito menos ele pretendia ser alguém que despertaria tantos sentimentos ruins. Mas sabia que ela não estava bem naquele dia, e por isso quando ouviu as vozes exaltadas não conseguiu evitar a curiosidade. E a bem verdade é que preferia não ter ouvido nada, porque agora todas as células de seu corpo exigiam que Leônidas fosse atrás de Heloísa.
E ele saiu noite afora, por sorte ainda a tempo de avistá-la sumindo na escuridão. Apressou-se para chegar mais perto, agradecendo por ser uma noite de lua cheia que permitia que ele ao menos avistasse alguns palmos a frente. Leônidas tentou manter distância para não assustar Heloísa, mas a verdade é que duvidava que ela estivesse prestando atenção.
Ela caminhava em passos decididos e ele a ouvia respirar ofegante a medida que acelerava a caminhada. Já conhecia aquele engenho o suficiente para saber o caminho que ela fazia, o que apenas o deixava mais preocupado. Talvez devesse interromper, mas ao mesmo tempo parecia um momento tão dela, tão solitário. E ele estava por perto caso algo acontecesse, caso ela estivesse a ponto de cometer alguma loucura.
Leônidas a observou percorrer o caminho até o rio, que refletia a lua. Se ela pulasse, ele estava a postos. Mas não foi o que ela fez. Ali, acreditando estar sozinha, Heloísa deixou a emoção falar mais alto, e Leônidas sentiu-se culpado por estar ali, mas não conseguia se afastar.
- Por que? – ela gritou em direção ao céu. – Por que? Por que a minha filha?
Ele sentiu o coração ficar pequeno.
- Por que eu? Eu não tive fé o suficiente? Eu não fui temente? – ela encarava o vazio. – Por que a minha filha?
Leônidas suspirou, sentindo a dor de Heloísa através das palavras.
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river
RomanceHeloísa abre o coração para Leônidas sobre os acontecimentos de seu passado