Partir ao desconhecido

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O telemóvel começa a vibrar estridentemente na cama da minha mãe. Eu aflijo-me por um segundo: tinha-me esquecido que ainda há mundo lá fora. É Nitrogénio. Porque raio? Eu apresso-me a agarrar naquele objeto antes que a bateria morra. Arsénio desvia o olhar. Como é que Nitrogénio tem o número da minha mãe?

- Está? Níquel? - oiço a outra parte falar, uma voz afastada, com algumas falhas. Deve ser da rede, provavelmente.

- Nitrogénio? Está tudo bem? Porque estás a ligar para aqui? Passa-se alguma coisa? - mal posso conter o entusiasmo que tenho em voltar a falar com ela.

- Não sei se já te apanharam ou não, mas por favor, se consegues ouvir isto, só quero dizer que tem cuidado. TU deves ser o próximo - ela continua a falar mas torna-se inaudível a certo momento, devido à rede instável dela. Eu começo a gritar pelo nome dela, mas penso que ela já não me ouve há muito, tendo feito apenas um monólogo para me avisar. Que querida, penso eu, sorrindo. A preocupação que ela tem por mim é calorosa e faz-me sentir amado. A ligação entretanto cai de vez e eu pouso o telemóvel aos poucos na cama, olhando para Arsénio.

- Eu tenho de ir... ela precisa de ajuda. Eles não vão magoá-la. - eu afirmo, quando o telemóvel fica finalmente sem bateria. Arsénio olha para mim, e eu viro-me, preparando algumas coisas dentro da mochila antes de sair à aventura. Ele vê-me afastar, sem dizer nada, com um sorriso magoado.

- Não queres vir? - questiono-lhe, curioso, ao abrir a porta de entrada, onde o meu sangue permanece visível, derramado pelo chão. A minha cabeça ainda está levemente dorida, e sinto-me levemente estonteado, mas tenho de prosseguir para ajudar Nitrogénio.

Arsénio corre na minha direção, feliz que nem um cachorrinho que acabou de encontrar o dono passado dias, e eu sorrio, deixando-o sair primeiramente, fechando depois a porta com a chave. Espero que Arsénio tenha trancado a janela do meu quarto, senão isto é em vão.

Eu começo a correr Não quero que aconteça o mesmo a Nitrogénio que aconteceu a Cobalto. Arsénio então para-me, e eu viro-me para ele. Ele estala os dedos e aparece meio que um skate voador, colorido como um flash. Eu surpreendo-me, desviando a cara para ver se alguém está a nos observar, o que felizmente não é o caso. 

- Uau, isso é realmente incrível, mas ouve, não tens medo dos outros verem? Podemos ser apanhados, estamos em pleno dia. - eu digo, aflito, mas entusiasmado. 

- Não te preocupes, é tão rápido que a visão elementar como a nossa não tem a capacidade de o captar e reconhecer, ou seja, o cérebro não consegue processar algo que viu em meros milésimos de segundo, e mesmo que alguém o consiga fazer, iria se esquecer em pouco tempo.

Eu apresso-me a subir para aquela viatura desconhecida, mas perfeita para a situação. É fantástico, como é que alguém de idade tão próxima a mim consiga controlar tão bem os seus poderes e fazer coisas tão espetaculares. Espero me tornar assim um dia também.

Arsénio sobe então, por fim, atrás de mim, colocando as suas firmes, seguras e grandes mãos à volta da minha cintura, dando-me arrepios mas transmitindo uma sensação calorosa de segurança. Ele é o único que consegue controlar esta "coisa", visto que foi ele que a criou. Por esse mesmo motivo, ele conduz-nos até ao local pretendido. É uma sensação incrível de adrenalina, é tão rápido que nem mesmo eu consigo acompanhar o movimento, e passado poucos segundos chegamos ao sítio. «Podes sair» - ele afirma suavemente ao meu ouvido.

Eu salto dali, meio zonzo por não estar habituado, e ele salta logo a seguir de mim, mais ágil do que nunca. Ele faz com que aquela prancha altamente radical desapareça e eu suspiro antes de poder falar.

- Isto foi a melhor viagem que tive na minha vida! Fogo, não acredito que não me mostraste estas coisas antes...- eu digo, expectante, com vontade de repetir aquilo novamente. Ele sorri para mim, genuinamente, enquanto me faz festinhas no cabelo, despenteando-me um bocado.

Eu viro-me então para enfrentar o destino, que é aquele lugar horrível. Já estive aqui antes, mas não esperava regressar assim tão cedo. Às vezes a vida tem cada reviravolta... a minha tem estado cheia delas ultimamente. É inacreditável, quando paro para pensar nisso... 

Fecho os olhos e cerro os punhos. Tenho de salvá-la. 

- Eu acho melhor ficares aqui fora, não quero que arranjes problemas com os de Matemática por minha causa. De qualquer forma espero que fiques alerta, eu confio em ti minimamente. Não me desapontes. - eu declaro-lhe, antes de avançar.

- É a decisão que me parece mais lógica, não tem motivo para eu não concordar com o teu plano. Não te preocupes, vou estar de olho, não deixo que aqueles sacanas te façam mal, Níquel. -ele acena e eu sorrio, avançando sozinho.

O portão ferrugento abre-se, com um ranger enorme, apesar de eu ter sido o mais cuidadoso possível. Com sorte eles não ouviram. Já lá dentro, o ambiente é perturbante e de alguma forma, pior e mais sombrio do que eu me lembrava. Procuro pelas salas, por aquela em que eu já estive, pois assumo que é lá que meteram Nitrogénio. Há alguns percalços pelo caminho, como lutas contra alguns guardas, mas saí vitorioso. Acho que estou com sorte hoje. Tenho de me despachar antes que mandem reforços.

Finalmente aproximo-me de um quarto, onde o silêncio não é aquilo que predomina. Eu fico de escuta por uns segundos, até perceber que é Nitrogénio que está ali, em sofrimento. Eu não aguento mais e tento arrombar a porta, sem pensar. Claro que falho a primeira tentativa. Com o estrondo, o outro lado da sala fica em silêncio, mas eu não espero por uma reação deles. Os meus poderes ativam-se e a fúria que eu tenho devido àquela situação toma controle total sobre o meu corpo. Eu viro um verde totalmente cintilante e consigo ver o reflexo dos meus olhos luminosos naquela porta metálica. Eu flutuo e fortes lianas saem das minhas costas, arrebentando de vez com aquele obstáculo. 

Lá dentro encontram-se apenas três elementos, dois deles disfarçados: aquele que me torturou com Arsénio há dias (ou assumo que seja), e outro ajudante, que não pode ser Arsénio desta vez... quem será? Alguém de Física? Não vale a pena pensar nisso neste momento, os meus pensamentos estão completamente focados em salvar a minha amiga, que está acorrentada. Todos olham espantados para mim, e oiço o "ajudante" sussurrar à mestre "será que é ele?..."

Eu só solto um riso, não sabendo ao que ele se refere, mas também não me importando com isso neste momento. As minhas lianas dão cabo dele, com socos no rosto. Eu flutuo por aquela sala a dentro. Nunca me senti assim, e até que gosto. Nitrogénio reconhece-me, não sei como, gritando o meu nome, entusiasmada. As minhas lianas infiltram-se pelas correntes que a prendem, partindo-as, uma por uma. Ela pula de alegria e vem até mim para me abraçar, mas sinto que alguém está a nossa atrás, por isso viro-me. Deve ser a mestre de Matemática. Ela queria me apunhalar com o compasso de cerimónia. Ainda bem que os meus reflexos estão em alta hoje. Eu seguro-lhe pelo braço, empurrando-a para longe. Não achei que fosse tão fraca... O seu ajudante já se encontra de pé, a cortar-me as lianas, mas aquilo não me afeta pois crescem outras, e mais fortes. Estas então dirigem-se até ela, encurralando-a e prendendo-a. Ela ri-se, olhando para mim.

- Como te atreves? Sabes com quem é que estás a mexer? - ela diz e eu reconheço aquela voz, mas não é a mesma do outro dia. Parece-se com Cobalto... o meu núcleo fragiliza-se com aquele pensamento, e eu sinto o corpo enfraquecer. Eu grito para que Nitrogénio fuja, e é o que esta faz. 

Eu suspiro fortemente. - Tu não és a mestre... Cobalto? És tu? Eu sei que essa voz é tua. O que se passa? Fizeram-te uma lavagem cerebral, não foi? - eu questiono-lhe, esmurrando o ajudante pateta que continua a tentar me atacar. Ela olha para mim surpresa, talvez por a ter reconhecido.


A Ciência Aproximou-nos [2]Onde histórias criam vida. Descubra agora