HOSPITAL

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A ambulância andava pela cidade, o som estridente dava a urgência da situação. Liz estava deitada, pensava em que segundo havia errado e no que tinha acontecido para que tudo mudasse em um piscar de olhos. Olhos. Lembrava do olhar do Thiago que a esperava ali em pé, uma moto, seria isso? Ou outro carro? Tudo girou, o cheiro de asfalto. A lembrança a deixava enjoada. O cheiro do piche enquanto um rapaz de olhar sutil falava com ela, pedia calma, pedia paciência, que não se mexesse e conversava de modo manso, quase hipnótico.

O sono a invadia, mas sentia que não podia, não devia dormir e uma moça garantia isso já dentro da ambulância. Conversava com ela e pedia que ela se mantivesse acordada, só mais um pouquinho, dizia. Queria ver de lado, sabia que havia mais alguém ali, mas não conseguia. Nunca tinha estado em uma ambulância antes e tentava, na luta para não dormir, observar tudo ao redor. Algumas luzes piscando, apitos baixos, aparelhos que ela nem sabia a função, a organização meticulosa de suprimentos, as etiquetas grudadas nas pequenas gavetinhas indicavam o que teria ali. Lembrou do artigo sobre vida cotidiana, será que escrever sobre sua experiência seria cotidiano o suficiente, quis rir, mas ao tomar ar sentiu o corpo cansado, dolorido e sem espaços para risos.

- Ai – tentou se ajeitar na maca.

- Fica quietinha, já estamos chegando – a moça de cabelos cacheados e olhos claros dizia – Só mais um pouquinho – ela repetia e Liz podia observar pelo uniforme azul que ela não era da mesma equipe do rapaz anterior.

Liz ainda não sabia, não naquele momento, mas ao seu lado estava uma Dora quieta, analítica. Olhava para Liz como quem via alguém há muito desconhecido, percebia as alterações pequenas, os cabelos cortados de uma forma nova, a roupa que não conhecia, os anéis nas mãos, vários, todos novos, pelo menos até onde conseguia lembrar. Analisava as possibilidades, calculava mentalmente o que poderia estar ocorrendo com o corpo de Liz, o estresse, a adrenalina, os hematomas, hemorragia interna talvez fosse uma possibilidade, ponderava sozinha. O ferimento na testa, as manchas de sangue na roupa, Dora sabia que não se tratando de Liz, aquele seria só mais um acidente de trânsito com vítimas que ela poderia encontrar em qualquer plantão.

A médica socorrista conversava com Liz, tentava acalmá-la, mas não o suficiente para que ela dormisse. Dora estava imóvel, acompanhava os batimentos acelerados e a pressão levemente alterada, nada grave demais, concluiu.

- Ela não pode dormir de forma alguma – a socorrista falava sozinha, mas o tom era de convite para que Dora a ajudasse nessa missão.

- Ei, Liz... – Dora tentou falar e mais uma vez sua voz vacilou.

Se aproximou da maca de modo a ficar no campo de visão de Liz e a viu franzir as sobrancelhas em clara confusão. Dora estava de máscara, tinha uma bolsa nos ombros, cabelo preso, como sempre fazia ao ter que agir como médica.

- Do... – Liz tentou dizer, ela reconhecia o olhar, o cabelo, a postura. Sabia que não deveria ser, podia ser uma alucinação, pensava. Tinha certeza que era uma alucinação. Os fatos corriam sem qualquer controle e não era possível que a vida lhe pregasse esse tipo de peça.

- Ei, fica tranquila – Dora tentou acalmá-la sob o olhar curioso da médica socorrista.

Liz tentava entender o que estava acontecendo e tudo que ela sabia até aquele momento já nem parecia mais realidade. Dora estava ali e isso era praticamente impossível de ocorrer em sua vida, mas um acidente também não era lá muito comum, pensou sozinha. Um turbilhão a invadia. Tudo doía tanto, sua cabeça pesava, os olhos lutavam enormemente para se manterem abertos e, apesar de tudo isso, tudo que ela conseguia pensar era: Dora estava ali. Como? Por quê? Não conseguia decifrar esse enigma e isso a deixava impaciente.

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