Capítulo Dois

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Gabriel

Forço para abrir minhas pálpebras ainda sonolentas, ouvindo vozes exaltadas vindas da sala. Meu avô parece possesso, enquanto minha mãe e minha avó Emília tentam o acalmar. A quarta voz também é conhecida, mas não aqui de casa. 

O que o Senhor Munhoz faz aqui tão cedo? 

Levanto-me de supetão da cama e enfio a primeira roupa que minhas mãos pegam antes de me dirigir ao encontro das vozes.

— Que seja a última vez que você se dirige a meu neto nesses modos! — Meu avô grita, com o dedo levantado apontando para quem eu imagino ser. — Ele é negro, sim, mas tem nome! 

— Me desculpe, Albuquerque, não queria ofender seu neto, mas ele destruiu os livros da minha filha, que são exemplares raríssimos. — O Senhor Munhoz levanta os livros no ar, para que os vejam.

— Senhor Munhoz, o nome do meu filho é Gabriel. Por favor, quando se dirigir a ele, que seja por seu nome! Eu não sei o que aconteceu com os livros, eu nem sabia que sua filha tinha voltado, mas nós pagaremos por isso. 

— O que está acontecendo aqui? — pergunto, como se não soubesse o motivo da briga, sem entender o porquê de ter vindo reclamar dos livros uma semana depois. 

— Meu filho, o Senhor Munhoz está dizendo que você destruiu os livros de Verônica. — Minha mãe me olha, esperançosa. 

— Eu me descuidei e derrubei eles sem querer. 

— Mentiroso! Minha filha me disse que você jogou os livros de propósito no chão! — A voz do Senhor Munhoz sai irritada. 

Pensei em acusá-la de ter me ofendido primeiro, daí toda essa confusão; mas isso só alimentaria o que ela pretende: me tirar do sério, tal como fazia quando éramos crianças. 

Na época, eu virava as costas e ia embora irritado, então ela vencia a dela; mas não sou mais o menino bobo que Verônica conheceu.  

Suspiro.

— Peço desculpa pela indelicadeza com sua filha. Arrumarei os livros em algumas semanas — digo, sem demonstrar minha revolta interna, pegando os livros e dando um olhar de perdão para a minha mãe.

— Tudo bem, desculpas aceites. Aguardaremos os livros o mais breve possível. Com licença. — Munhoz sai sem nem mesmo apertar a mão de meu avô. 

Respiro forte, com raiva.

— Gabriel, não me arrume mais sarilhos com essa família, senão, um dia eu perco a cabeça com esses Munhoz! — Meu avô sai irritado do cômodo, e minha avó o segue, pedindo para se acalmar. 

Olho novamente de soslaio para a minha mãe. Seus olhos escuros e doces encaram os meus. 

— Gabriel, você jogou os livros no chão de propósito, meu filho?

— Joguei, mãe. Ela tentou me ofender, e foi um ato impensado; mas não voltará a acontecer. 

— Como vai consertar os livros? 

— Eu pedirei para Guilherme. Tenho certeza que ele dará um jeito. 

— Tudo bem, filho. Seu pai já saiu para as fazendas, não quis te acordar tão cedo. 

— Só vou tomar café da manhã e também já vou. 

Minha mãe deposita um beijo numa das minhas bochechas e sai na direção dos quartos. 

Meu sangue ferve de nervosismo. Agora, sozinho, tento expelir o que guardo: esmurro a mesa, com raiva, fazendo uma pequena fissura na madeira gasta pelo tempo. 

Por que aquela garota só se lembrou uma semana depois de vir reclamar que eu estraguei seus livros? Provavelmente para se vingar de eu ter a deixado falando sozinha naquele dia. 

***

Deixo meu pai voltar sozinho das fazendas para casa e vou encontrar meu amigo. Se há alguém capaz de dar um jeito nos livros, é ele.

— Eles não estão assim em tão mau estado, Gabriel. — Guilherme examina os livros com cuidado.

— Então você consegue repará-los? 

— Sim. Em alguns dias eles estarão como novos. 

— Obrigado.

— Mas, vamos combinar: essa garota só quis te importunar. Reclamar por isso? — E mostra algumas folhas amarrotadas, que muito provavelmente ela mesma fez.

— Eu achei que ela pudesse ter mudado depois de todos esses anos, mas ela conseguiu me tirar do sério mais uma vez! — digo, revoltado.

— Falando na cobra... — Guilherme arqueia uma sobrancelha, em sinalizando algo atrás de mim. 

Não preciso virar para saber que é dela que ele fala. 

Não falta mesas vazias no salão de chá, mas a peste tem que sentar bem perto da nossa! Em nenhum momento olho na sua direção, continuando minha conversa com Guilherme; porém, sinto seus olhos em nós o tempo todo, embora ela também esteja com uma amiga. Provavelmente esteja só esperando uma nova oportunidade para me irritar, mas desta vez ela não conseguirá. 

Despeço-me de meu amigo uma hora depois, e levanto da cadeira, evitando qualquer contato visual com ela. Apesar disso, percebo de soslaio que Verônica e sua amiga se levantam ao mesmo momento. Eu, como cavalheiro, tenho que dar passagem a elas. 

Céus, se isso não é provocação, eu não sei o que é! O que ela pretende, afinal? 

Sua amiga, uma linda morena de olhos cor de mel a se destacarem em contraste com os cabelos escuros e cacheados, dá um sorriso em agradecimento. Seu olhar se prende no meu por mais tempo que o necessário e ela ruboriza ao passar por mim. 

— Obrigada! — Sua voz sai dócil. 

Desconfiado com a simpatia de alguém que possa ser amiga de Verônica, desvio o meu olhar do seu lindo rosto para encarar outro tão lindo quanto, mas esse eu sei que não sorrirá, muito menos agradecerá. Como era de se esperar, a nariz empinado me olha de forma desafiadora.

— Espero que não demore a devolver meus livros. — Ela soa arrogante, embora suas bochechas corem. 

— Se há algo que eu desejo é te entregar eles logo e não ter mais motivo algum que me obrigue a olhar para a sua cara novamente. Se me der licença... — Faço sinal para que saia da minha frente ou pelo menos me deixe passar. 

  Verônica tenta manter sua pose altiva, mas por algum motivo desconhecido, seu olhar vacila e ela engole em seco antes de passar por mim.

— Vamos, Ângela. Este local anda muito mal frequentado. 

Tento controlar minha respiração, pois não vou cair na provocação dela novamente. 

— Verônica, por que está agindo assim? — Sua amiga sussurra, mas não baixo o suficiente para que eu não ouça. 

Felizmente não ouço a resposta. Ao passar pela porta de saída, posso finalmente respirar levemente. O ar tornou-se pesado na presença dela.

Pego meu cavalo e sigo o caminho para casa.

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Essa Verônica 😏

Até o próximo 😘

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