Prólogo
O Farol— Orion — o nome saiu em um gemido.
Não como nas noites inesquecíveis em que tiveram de acomodar suas asas no closet, quando precisavam de feitiços para selar os barulhos que não conseguiam não fazer. Não, aquele era um gemido de dor. Espremido, acompanhado de sobrancelhas louras contorcidas.
— Não diga meu nome, Adelaide — grunhiu, tanta dor em sua voz, quanto na dela. — Ou não conseguirei partir.
Ela entendia. Algo em si tremia toda vez que ouvia o próprio sair daqueles lábios que tanto amava beijar, e que nunca mais ouviria palavra alguma saindo deles.
Não conseguia se levantar da cama. Suas pernas já tremiam sentada, suas mãos e seu coração, que batia cada vez mais devagar. Poderia morrer ali mesmo. Por que continuaria viva, afinal?
Tinha uma guerra fodida para enfrentar, uma derrota iminente e sabe-se-lá o que a aguardava no fim de tudo aquilo. Mas nada, nenhuma tortura ou escravidão ou qualquer sofrimento era pior do que dizer adeus ao homem que amava. O único em toda a sua eternidade.Estava tentada a repetir aquele nome quantas vezes fosse necessária para que ficasse.
— Não precisamos continuar com isso. Só seja meu amigo. Sabe que não me importo. — a dor fora substituída por desespero. — Meu amor por você não depende de foder, ou beijar, ou qualquer outra coisa.
— E seu amor continuará existindo mesmo com a distância. — voltou os passos que lutou para dar para longe, se abaixando para segurar o rosto molhado de sua amada. — Assim como o meu. Isso te digo com certeza.
Quando tocaram as testas, Adelaide repousando suas mãos sobre as que acolhiam suas bochechas, todo o mundo pareceu desaparecer. Fechar os olhos era difícil; sentia que ele desaparecia apenas ao piscar, e a tornava mais alheia à chuva e trovão que soavam fora da taverna, silenciando toda a bebedeira no andar de baixo. Por Cthona, adoraria estar lá. Derramando cerveja sobre seu vestido azulado, e ter um Athalar lambendo toda a espuma em seu peito.
Daria tudo por um momento assim.— E essa é a única certeza na minha vida, Adelaide. — sussurrou, sua voz tão fraca quanto a respiração da mulher a sua frente. — O meu amor por você. É isso o que me fortalece a ir. E a não voltar.
— Mentira. — relâmpago crepitou no quarto, mas a umidez no ar mostrava que aquilo jamais seria uma ameaça às águas e ventos que Adelaide poderia convocar. — Se me amasse...
— Eu te amo, Adelaide.
— Ficaria. — olhos verdes encararam castanhos, e nestes sombras ondulavam. Aquele era um impasse muito discutido, e nunca chegavam a um ponto final. — Pode estar apaixonado, Orion. Mas você não me ama.
Ele a segurou por segundos. Segundos incontáveis e insensíveis, em uma troca de olhares revestida em tristeza e raiva e paixão. Então, a soltou. E se afastou. Seus passos não eram tão pesados quanto antes; não era mais tão difícil saber que a mulher que chamou de amor estava à suas costas.
Talvez soubesse que ela estava certa. Ou só era uma birra conveniente.— Eu ficaria se isso tudo não fosse um risco para nós, e eu jamais te colocarei em perigo por... Nada. Shahar não pode suspeitar. Ninguém pode. — um segredo, um mero erro que morreria ali. Era isso o que eram. E todas as flechas e balas e chamas no mundo doeriam menos que aquilo.
Adelaide não iria responder. Não, não diria mais nada. Não o impediria.
Uma mão grande tocou a maçaneta. Asas cinzentas farfalharam, e ele a olhou sobre o ombro.
Estava esperando.
Mas a Tempestade da Resistência não mais iria chover por ele.
Reuniu toda a frieza que pôde, agarrou os lençóis sob si como se pudesse agarrar seu coração. E apenas olhou.— Me perdoe, Adelaide.
Que aquele sussurro fosse ao Inferno. Que todos os demônios do Fosso levassem Orion Athalar para nunca mais devolver.
Os trovões chacoalharam as janelas. As gotas grossas da chuva eram barulhentas e caóticas. O vento, entortava as pobres e inocentes árvores.
Luz iluminou o rosto obscuro de Athalar que, Solas Flamejante, tinha uma lágrima solitária caindo. Por segundos, tornou Adelaide um farol para qualquer um em toda aquela guerra. E quando o clarão desvaneceu junto ao som do raio, tudo aquilo se foi.Adelaide encarava a porta de madeira. Sua mente estava vazia; o coração, uma tempestade como a que ocorria lá fora. Nada em sua alma estaria intacto depois daquilo.
Que sua tristeza durasse até o Sol raiar novamente. E que com seu calor, ódio queimasse todo o seu ser por Orion Athalar.
E nada mais além disso.
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Casa de Memórias e Dor (CCity)
FanfictionA pequena felicidade que Athalar conquistara com a recém-Estrelada Bryce era como andar sobre ovos. Ambos sabiam que seus dias estavam contados; que assim como lhes fora dada, poderia ser tomada. Os Seis, outro Kristallos, ou até mesmo uma briguinh...