- Você só precisa dizer que não quer, e eu te deixo em paz.
De alguma forma eu havia conseguido encurralar ele no corrimão. De costas para a escada rolante, ele me encarava com um misto de surpresa e vontade. Seus olhos castanho escuros brilhavam. De vontade? De medo? De raiva? Eu não sabia dizer.
Estava a dois palmos dele e a cada segundo de silêncio eu me aproximava um pouco mais. Fodam-se as pessoas passeando no shopping ao nosso redor. Foda-se que eu provavelmente criaria uma cena no meio do local. Foda-se, se eu precisasse recitar Shakespeare na frente daquele monte de estranhos eu faria. Não perderia essa oportunidade.
Sua testa, cor de canela, assim como o resto de seu corpo, estava enrugada, ele intercalava o olhar entre mim e o restante. Suas mãos estavam coladas no corrimão de vidro. De onde eu estava dava para ver a cabeças das pessoas desaparecendo escada rolante abaixo logo atrás dele. Todos pareciam virar a cabeça e encarar a cena.
- Se você não disser nada, eu vou te beijar, aqui e agora. - Disse diminuindo um palmo a nossa distância. Ele engoliu em seco e sorriu. Era isso que eu precisava, ESSE ERA O SINAL. Ele queria! - Você só tem que dizer que não quer e eu paro.
Levei, com muita calma, minha mão esquerda até sua cintura. Rocei os dedos na camiseta preta que ele usava, brinquei com o tecido até ter certeza de que ele não sairia correndo, então segurei sua cintura. Minha mão ardia com o contato, era maluquice. O que eu estava fazendo? Por que ele não falava nada? O pânico tomou conta de mim por um segundo e vomitei palavra atrás de palavra.
- Eu só vou te dar um beijo. Um só. Eu sei que você tá com ele, e que você gosta dele. Eu respeito isso, de verdade. Mas eu preciso te dar esse beijo. Eu não posso perder essa oportunidade. - Minha mão direita subiu até o rosto dele, raspando na barba por fazer. Ele estava quente, dava pra ver que o sangue havia subido para o rosto. Seus olhos se fecharam alguns milímetros quando o toque aconteceu, foi sutil, como se ele tivesse se deixado levar e do nada acordado para a realidade. Um estalo de lucidez. Mas seus olhos continuavam da mesma forma, brilhantes, imensos, como um oceano de sentimentos. - Mas eu quero que você me peça. Pede, e eu te beijo.
Ele encarou meus olhos. Eu já o estava encarando há minutos, não conseguia parar de fitar aqueles olhos. Acabei com o espaço de um vez, e nossas barrigas se uniram. Ele arfou de surpresa, mas manteve seus braços tensamente grudados ao lado do corpo. Eu estava me entregando, segurava sua cintura e se rosto. As pessoas ao nosso redor sumiram, desapareceram. Só existia ele ali para mim. Nada mais.
Cheguei meu rosto mais perto, ainda o encarando.
- Eu posso te beijar? - Perguntei. Segui com a boca até sua orelha, sem pressa. - Pede, e eu te beijo. Não vou fazer nada que você não queira. Eu preciso que você peça.
Uni nossas bochechas, barba com barba. Eu tenho certeza que ele fechou os olhos dessa vez. Mas ele não falava. Não falava nada, apenas encarava. Minha mão em sua cintura pegava fogo, a vontade de apertar sua cintura contra a minha era gigante, mas eu apenas a mania ali, apenas um aviso de que eu estava ali, a postos, pronto para segurá-lo e beijá-lo.
Desgrudei nossas bochechas e voltei a encará-lo, nossos lábios a centímetro um do outro. Tão próximo que se ele soluçasse, nós nos beijaríamos. E eu queria isso mais que tudo. Meu estômago ardia de nervoso, de vontade. Eu sentia o suor frio descendo minhas costas, eu queria tanto que ele me tocasse, que ele me beijasse, que colocasse suas mão em meus ombros e abraçasse meu pescoço. Eu queria tanta coisa que nunca teria.
- Se você não disser nada, eu vou embora. Minha amiga tá me esperando na praça de alimentação. - Podia sentir minha pupila aumentar, meus olhos brilharem mais do que nunca. Eu não ia chorar. - Pede, e eu te beijo e vou embora, eu juro. Só pede.
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Histórias desesperadamente apaixonadas e sem nexo algum
RomanceEssa é uma seleção de histórias curtas - bem, BEM curtas - que vieram até mim em sonho - ou em devaneios diários enquanto ouvia música no ônibus indo trabalhar. Nenhuma tem final. Nenhuma tem conclusão ou sentido. Os cenários não são os mesmo. E os...