Capítulo XVIII

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Stay with me. You're all I see...

Just Breath, Pearl Jam

Meus olhos deviam estar abertos como pratos, porque era a única reação lógica ao que acabava de ouvir.
- O quê? – perguntei, com a certeza de ter ouvido mal.
- Vamos casar. Aqui e agora. – Ezra repetiu, com um brilho de divertimento em seu olhar.
- O quê? Mas por quê? Como?
Ele riu.
- Será que nunca ouve nada do que digo? – colocou a mão em minha face. – Contudo, hoje terei todo o gosto em repetir: por milagre do destino, ou, quem sabe, de alguma entidade divina, você apareceu em minha porta, com aquele ar assustado, depois de ter captado minha atenção, naquele dia, na rua. Então, deixou de ser tão assustada e eu deixei de ver você como uma humanazinha patética e passei a ver você como uma mulher que tinha tudo o necessário para me prender. E foi o que fez. Prendeu-me a você e eu me apaixonei. E, agora, estamos aqui e eu quero casar com você, e não aceito um não como resposta.
- Oh… Ezra! – com lágrimas nos olhos, me atirei em seus braços, que me rodearam, com força.
- Por favor, humanazinha, case comigo. – sussurrou.
Afastei-me apenas o suficiente para encará-lo.
- Sim. – declarei e houve um suspiro de alívio geral.
Com um sorriso enorme, Ezra me levou para a frente de Yeres, que também sorria.
- Estamos, aqui, hoje, reunidos para celebrar a união destes nossos irmãos…
Poderia descrever a cerimónia com exatidão. Sim, provavelmente, poderia, mas para quê me focar em pormenores, quando o que era preciso lembrar era apenas o “sim” de Ezra, o meu e o beijo que trocámos no final, ao som dos aplausos de nossos amigos?
Ezra arrancou o anel com seu símbolo de meu dedo, o substituindo por um em tudo igual, mas com duas alianças cruzadas na pega da chave.
- Já não considerava você minha escrava há muito tempo, humanazinha, mas, a partir de hoje, deixou, oficialmente, de o ser. – declarou. – É livre, como sempre desejou. Livre, mas, ao mesmo tempo, minha. Talvez, não seja assim tão diferente.
- Acho que a distinção está no mutualismo da pertença. – murmurei.
Ezra segurou minha cara em suas mãos e pousou os lábios nos meus, com uma suavidade enorme e contida, como se achasse que, se ultrapassasse aquela barreira, talvez não conseguisse parar.
Alguém aclarou a garganta, atrás de nós.
- Desculpem interromper, mas é só para avisar que vamos andando. – afirmou Lucas.
- Já? – inquiri.
O demônio da traição assentiu.
- Queremos deixar vocês a sós. – sorriu e piscou um olho, me fazendo corar.
- Mesmo que o apocalipse esteja quase acontecendo, não quero ser incomodado nos próximos dias. – informou Ezra, me enlaçando a cintura por trás.
- Com certeza, chefe!
- Vamos? – sussurrou o demônio da luxúria junto a meu ouvido.
- Espere. – me desembaracei dele e me aproximei de Daniel. – Meus pais?
Os cantos de sua boca se torceram em algo contrário a um sorriso e vi-o trocar um olhar com Ezra.
- Eles não quiseram vir. – anunciou.
Minhas sobrancelhas se enrugaram em incompreensão.
- Por quê? Por que é que não quiseram vir ao casamento de própria filha? – questionei, lutando para que minha expressão não se mascarasse em agonia.
Daniel engoliu em seco.
- Eles não quiseram vir, porque não aceitam que sua única filha esteja com um demônio. Especialmente, com ele. – acenou para Ezra.
Aguentei as lágrimas.
- Muito bem. Eles tomaram sua decisão. – voltei para junto de Ezra, determinada a não permitir que nada, mesmo nada, destruísse aquelas que seriam minhas primeiras e, talvez únicas, horas de casada.
Fizemos o caminho para a cabana em silêncio, com a mão de Ezra no fundo de minhas costas, de um modo reconfortante.
De fato, a cabana de cabana possuía muito pouco. Era mais um pequeno chalé com um ar acolhedor e uma lareira acesa, ainda que não estivesse muito frio.
Sem qualquer aviso, Ezra me abraçou, com força. Não com luxúria ou paixão, antes com ternura e pesar.
- Desculpe. – murmurou.
- Por quê?
- É por minha culpa que seus pais não estão aqui.
Afastei-me para o olhar e segurei suas faces em minhas mãos.
- É por seus preconceitos que eles não estão aqui. Não trocaria isto por nada.
Ele deu um sorriso fraco e me beijou.
Tudo estava começando.

Entre Anjos e DemôniosOnde histórias criam vida. Descubra agora