Do fim nasce um começo

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            Sábado de sol, dia lindo para passear; sair com os amigos, com a família; se divertir; descansar. Dia abençoado, afinal. Acordar tarde depois de uma semana cansativa e exaustiva é sempre bom, saindo da prisão do mundo e entrando na liberdade provisória de um sonho. O relógio marca nove da manhã. "Hora de acordar." — Um chamado calmo e suave de uma mãe ao acordar; nada melhor para começar o dia. Levanto-me, retiro meu pijama, coloco outra roupa, olho pela janela. Todos os dias costumo fazer isso, traz-me uma sensação boa, uma certa alegria dada pelo sol ou a certa admiração dada pelo pingar da água em dias de chuva. Pássaros, livres, voam; alguns ensinam os seus filhos a voar, assim como as mães ensinam aos filhos como viver no mundo, e outros, velhos e fracos, preparam-se para partir, assim como um sábio ancião o faz.

               Chegando à cozinha, vejo um repentino clarão. O que poderia ser? Era um dia ensolarado, não podia ser um relâmpago; a energia estava desligada, não poderia ser um curto-circuito na lâmpada que ficava no teto da cozinha. Mas o mais estranho é que, no momento em que vi o clarão, senti algo muito forte no coração. Não era uma dor, era um sentimento. Comentei com minha mãe, e ela disse que eu estava com um parafuso a menos. Minha mãe era muito feliz e vivia brincando comigo, por isso disse aquilo. Tal sensação era tão forte e tamanha e, ao mesmo tempo, tão rápida, que não tive tempo nem para pensar direito no que havia acontecido.

               Embora fosse estranho, resolvi   deixar para lá. Sentei-me à mesa, tomei meu café da manhã. Era uma casa simples, mas sempre tinha uma mesa extremamente farta à espera de todos que nela resolvessem se sentar. Devo isso a meu pai, que sempre prezava pelo nosso bem e sempre queria que tivéssemos o melhor. Infelizmente, ele nunca estava conosco pela manhã, só pela tarde. Éramos pobres, porém sempre felizes e de bem com a vida. Enquanto muitas pessoas com boas condições reclamam da vida e são tristes, aquelas que não têm quase nada, na maioria das vezes, sempre têm uma felicidade enorme consigo mesmas. Do que adianta ter tudo se não tem mais a sua alma, a sua felicidade? O que traz a felicidade não são os benefícios do dinheiro, são o que a pessoas têm a oferecer de bom umas às outras. O dinheiro trata-se apenas de um complemento da felicidade.

               Levanto-me, vou ao quarto. Tento pensar em algo para fazer. De repente, uma ideia surge: vou fazer uma música. Já que não tinha um celular moderno ou um videogame para se divertir , faço do violão o meu melhor amigo. Mas, em que se pensar: falar sobre a vida, sobre as diversas faces do romance, ou sobre os problemas da sociedade? Difícil pergunta. Já que esse empasse mental não iria se resolver tão cedo, resolvo começar pela parte instrumental. Penso em vários acordes, mas, para essa música, escolho acordes mais graves, já que pretendia fazer uma música um pouco mais impactante. Já tenho o instrumental pronto, mas falta a letra. Sobre o quê escrever? Resolvo passear um pouco, pensar em algumas ideias.

               Chegando no portão, que surpresa: meu pai chega e abre um sorriso. Talvez tenha alguma surpresa para mim ou para minha mãe. Aproximando-se de mim, ele diz: "meu filho, hoje nós vamos nos divertir!". Ele entra, eu entro junto, curioso. Ele conta a minha mãe e a mim o motivo da felicidade: ele havia sido promovido no emprego e agora iria ganhar um salário bem melhor. E ele estava tão feliz. Parecia que o dinheiro, naquela hora, era um pouco mais do que só um complemento da felicidade. Obviamente, todos ficamos contentes com a notícia, afinal, teríamos melhores condições de vida.

             Voltando ao meu objetivo — procurar inspiração para fazer a música — saio para a rua e observo todas as pessoas que passam por mim. De um modo esquisito, elas me olham admirados. Com o quê eu não sei, só sei que era estranho para a minha pessoa ser olhada daquele jeito. Enfim, andando pelas ruas do pequeno vilarejo, ouço vários tipos de música (clássicas, por sinal), e chego à conclusão: farei uma música sobre amor. Mas, como falarei de amor sem nunca ter amado outra pessoa? Amor para mim ainda era uma experiência desconhecida. Eu era criança, tinha dez anos, não sabia o que era isso. Eu ainda era um projeto de poeta; que não sabia amar. Volto para casa, justo na hora do almoço. Quando entro na rua de minha casa, vejo alguém vestido de um branco reluzente. Parecia uma criança, uma menina, mais precisamente. Quando me viu, correu, mas não correu com medo; era uma forma muito graciosa de correr, não sei como descrever aquilo.

               Até hoje não sei como descrever aquilo. Era pequeno e ingênuo, provavelmente ninguém acreditaria no meu relato. Infelizmente, as pessoas se prendem muito ao que consideram certo e esquecem do real. No fim, elas são só instrumentos de felicidade dos outros. Tal acontecimento só o papel pode mediar, pois só os séculos fariam com que acreditassem nisso. Com que eles acreditassem nisso.

               Esse foi, digamos, o começo da minha vida: uma mistura de mistério com arte e coisas estranhas. O que em dez anos você pode captar? Cientistas dizem que só os momentos mais memoráveis, e aquele momento foi o mais memorável da minha vida. Mas temos que crescer e ignorar muita coisa importante que nos aconteceu, para seguir o padrão. Crescer é uma coisa abstrata, pois depende de cada um. Você pode crescer em estatura, mas crescer seu espírito é uma decisão que só você pode tomar. Eu escolhi ficar nos meus dez anos. Infelizmente, nem tudo o que queremos nós podemos.

                Mas aquela época também foi uma das mais sombrias de minha vida. Era tarde, por volta das onze horas da noite. Estava chovendo e a pista estava molhada. Era o cenário perfeito para o mal tentar contra. Meu pai estava dirigindo devagar, pois tinha receio que a vida pudesse ser frágil como uma gota de água da chuva, que sempre cai e escorre aos cantos. Era um carro bonito, grande, espaçoso; parecia um vã, mas não era. Faróis à toda potência, freios calibrados, pouca velocidade: todo o cuidado necessário era tomado, mas era pouco. Havia quatro vidas naquele carro, quatro mundos, quatro pessoas, quatro humanos maravilhosos: pai, mãe, filha e filho (eu).

                 

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⏰ Última atualização: Jun 15, 2015 ⏰

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