Capítulo Único

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Traído.

Era a única palavra suficiente para justificar a sensação agoniante que inundava seu peito, impossibilitando-o de afastar de sua mente, nas últimas horas, o cruel e injusto questionamento do que fizera de errado.

Ele não era o bastante?

Desde o momento em que atendera a ligação no celular do noivo àquela manhã, seu mundo pareceu sucumbir naquele mesmo instante.

Aquilo realmente estava acontecendo? Parecia surreal demais. Os belos momentos que passaram juntos, agora eram apenas lembranças. Dolorosas e torturantes lembranças.

Cinco anos de relacionamento não pareceram pesar o suficiente na balança, sendo resumidos e substituídos por um simples momento, em uma noite infiel de volúpia.

Bebericou do copo de uísque, que o barman havia lhe servido momentos antes, sentindo um amargor descer pela garganta seca. Não sabia ao certo se pelo bolo em sua garganta, enquanto tentava segurar o choro diante daqueles estranhos ao seu redor, ou pela familiar sensação da bebida amarga percorrendo a goela, pelo que parecia ser a milésima vez, apenas naquela noite.

Encarou o copo de vidro, enxergando com a visão turva, e constatou que o mesmo já se encontrava vazio. Perdera as contas de quantas doses já havia tomado.

Ao encarar os arredores da boate e ter a sensação de ouvir as conversas e a música alta como se estivesse imerso no fundo do oceano, oriundas de uma realidade distante em sua mente conturbada pelo choque e incerteza, constatou que, provavelmente, já havia bebido o bastante. Entretanto, nenhuma quantidade de álcool seria suficiente para sufocar a dor que subia por seu peito e causava um aperto em sua garganta.

Cambaleantemente, levantou-se da cadeira, não dando a mínima atenção à bela dama ao lado que, em outros momentos, teria se dedicado a bajulá-la.

Por um milagre, conseguiu alcançar o lado de fora, após se chocar com alguns corpos pelo caminho. Apoiando-se na parede externa, de modo a manter o mínimo de equilíbrio, pescou do bolso o isqueiro e, com as mãos trêmulas, e a cabeça rodando, tentou, inutilmente, acender um de seus cigarros. Entretanto, no seu estado de embriaguês, suas mãos não possuíam coordenação suficiente para tal feito.

Do céu noturno, gotas de chuva perdidas escapavam e colidiam contra o asfalto empoeirado. Mesmo de fora, o som alto da boate repercutia audivelmente.

Logo a intensidade aumentou e uma chuva pesada se instalou na cidade de Londres. A umidade no terno, anteriormente imaculado, do homem, agora completamente encharcado, pareceu trazê-lo de volta à fria e cruel realidade. O céu chorava por ele as lágrimas que havia se proibido de derramar.

Caminhando alguns passos sob o aguaceiro, avistou um táxi e acenou para que o mesmo parasse. Seu carro estava fora de cogitação, diante do seu estado de embriaguez.

Embora seu desejo naquele instante fosse desaparecer, sua natureza covarde o impedia de pôr um fim a tudo aquilo.

Ele era assim, inseguro e covarde. Por baixo da postura orgulhosa e impecável que exibia aos demais, foi ao noivo que demonstrou suas fraquezas e desmanchou as barreiras tão perfeitamente erguidas com as quais se camuflava diariamente, escondendo seu verdadeiro eu. Apenas para ter o seu coração despedaçado e seu verdadeiro eu, esnobado. Talvez isso significasse que ninguém nunca o amaria de verdade.

Ignorou a saudação do motorista, ao adentrar pela porta do veículo, apenas dando instruções do único destino que confiava seguir naquele momento de angústia. A única pessoa que confiava demonstrar sua faceta de fraqueza naquele instante.

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