A banheira estava repleta de pétalas transparentes de magnólia, seu cheiro tóxico e doce perfumando o banheiro. A névoa fria entrava pela janela aberta, chocando-se com o calor da água, na qual Chris se banhava. Ficaria assim para sempre, mas sabia que precisaria sair para dormir na cama. Só precisava relaxar um pouco antes de se deitar depois de dias tão exaustivos. Uma taça de vinho a acompanhava e ela recostou a cabeça na beirada da banheira, fechando os olhos por alguns instantes.
Foi despertada por um piado agudo que, assustando-a, a fez derramar o vinho na banheira, manchando a água de flores de um rastro cor de sangue.
Um corvo a encarava na beirada da janela, seus olhos ametistas como os dela. Ela se ergueu e caminhou devagar até ele, sua pele se arrepiando com o vento gelado que entrava. Os olhos do pássaro, espertos e insistentes, percorreram seu corpo como uma ave jamais faria, lembrando-a de que usava apenas a gargantilha de veludo preto que adornava seu pescoço.
Chris sentiu outras partes do seu corpo ficarem úmidas e uma lágrima manchou seu rosto.
- Estive tão preocupada... – sussurrou.
O corvo abriu a asa esquerda e ela viu um bilhete pregado. Pegou o papel com as mãos trêmulas. Mirou os olhos da ave por apenas mais um segundo antes que esta abrisse as duas asas e desaparecesse no nevoeiro.
Seus dedos molhados mancharam o papel, enquanto ela o desdobrava com pressa. O alívio percorreu suas pernas quando ela reconheceu a letra que tanto amava, os garranchos finos que quase ninguém compreenderia, mas que ela sabia ler muito bem.
Olhei no espelho e vi o que eu sempre sonhei. Voltarei para você.
***
- Acho que agora não podemos mais fingir que não está tarde – murmurou Hannah.
Noa observou os primeiros raios da manhã que ameaçavam espantar o breu. Olhando para baixo, apertou os lábios contra a cabeça de Hannah, recostada em seu peito na cadeira alongada do quarto. Noa ainda tinha muitas perguntas e queria continuar conversando, mas via o quanto Hannah estava fraca. Não queria cansá-la. Mesmo assim, era a primeira vez que tinha a oportunidade de conversar com ela de modo franco, de saber mais sobre a sua vida, sem disfarces, sem mentiras.
Eles falaram sobre os anos que se seguiram à sua separação em Palacianos. Hannah contou, novamente, como fora encontrada por Luc e levada até a Ilha. Depois, falou sobre seus anos na Ilha e explicou como tudo funcionava: o Qayid, o Conselho, os ghayas, os hayas, os mestres. Nenhum dos dois queria estragar a noite, então o Conselho daquela manhã havia sido evitado. Em nenhum momento, Noa a confrontara sobre as suas ações no Conselho e ela se esquivara do assunto. Tampouco falaram sobre o desejo de Hannah de proteger Luc.
No entanto, Noa estava satisfeito. Agora, ele sabia o que Hannah mais amava fazer, quem eram seus amigos e aliados, como era a sua rotina na Ilha. Sabia que ela o amava, que não o culpava por ter se esquecido dos momentos vividos com os Maël em Palacianos, muito menos pelas ações de Ür.
- Leila vai me repreender por mantê-la acordada até tão tarde, mas não consigo soltar você.
- Eu proíbo você de me soltar – respondeu Hannah. Mas Noa sentiu que o corpo dela estremecia de exaustão.
- Bem que me alertaram que era autoritária – riu Noa. - Vamos, precisa dormir. Para a cama.
Ela virou o rosto, encarando-o sobre o ombro. Os olhos cor de mel estavam bêbados de sono, mas ela sussurrou: - Quero ir para a cama, mas não quero dormir...
Noa riu, então ela disse: - Ao menos, durma comigo.
Incapaz de se conter, Noa depositou um beijo rápido nos lábios de Hannah. Tê-la ali, nos seus braços, ainda parecia tão irreal, um sonho distante e impossível. Aquelas palavras mexeram com ele mais do que esperava. O modo como ela implorava sem pudor para que a tomasse estava acabando com qualquer resquício de autocontrole que possuía, mas bastava um olhar para a sua rani para saber que Leila estava certa. Estava exausta e, a seu próprio modo, frágil. A cada minuto daquela noite, Noa sentia seu coração inflar, como se, pouco a pouco, ela preenchesse cada espaço seco e murcho. Não sabia que era possível amar tanto uma pessoa, não sabia que era possível sentir um aperto tão forte no peito simplesmente porque ela respirava, porque sorria.
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O Portal III | Livro 3 - Degustação
FantasiEla aceitou o seu Destino, mas ele vai lutar para não perdê-la. Entre o sacrifício e a guerra, um povo sofre, um tirano age e um inimigo se prepara. ✨ Terceiro livro da série 'O Portal' ✨ 🖤 Como sobreviver a uma profecia de morte? 🖤 Como desfaze...