Capítulo 1

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Era manhã de outono, 06 de abril de 2020. A temperatura amena, o ar fresco e o sol radiante marcavam a transição entre o verão chuvoso e o inverno seco no Planalto Central brasileiro. Mariana, no carona, enquanto Vinícius dirigia seu carro, levando-a ao trabalho, observava da janela as árvores perdendo suas folhas – típico daquela época do ano – e pensava na vida.

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Mariana Nogueira, pele clara, cabelos castanhos-escuros longos levemente ondulados, olhos castanhos-claros, nariz pequeno e lábios carnudos, não fazia o "tipo mulherão". Com seus 1,53 cm de altura, tinha consciência de ser baixinha. Exibia traços delicados, de uma beleza simples e natural. Ela, porém, se achava feia e pouco atraente.

De personalidade forte, sempre foi determinada e batalhadora, ostentando, aos 32 anos, uma carreira profissional bem estruturada. Trabalhava desde os 16 e sempre foi muito esforçada. Aos 19, cursou Administração de Empresas e, aos 21, já era gerente administrativa de um banco, onde comandava uma equipe de 25 pessoas.

Embora fosse forte e firme no campo profissional, no lado pessoal era o oposto. Tímida para questões do coração, se achava feia e sem graça. Namorou pouco, principalmente devido aos compromissos profissionais que não lhe davam tempo, mas pesava também o fato de achar que não tinha capacidade de conquistar alguém com a sua aparência. Em razão disso, chegou aos 32 envolvida há mais de 8 anos em um relacionamento não muito convencional, cujas consequências ela vinha sofrendo.

Vinícius Ferreira estava com 39 anos, tinha a pele clara, cabelos castanhos-claros, olhos verdes, nariz pontiagudo, lábios estreitos, estatura mediana, com 1,68cm de altura.

—*—

O trajeto de casa para o trabalho era relativamente curto, de aproximadamente 12km, mas os congestionamentos naquele horário, agravado pelas obras da prefeitura, alongavam demais o tempo do percurso. Infelizmente, não foram apenas os aborrecimentos normais de uma cidade grande que contribuíram para tornar o horário um dos piores momentos do dia para Mariana. Com o trânsito assim era fácil perder a hora, o que não seria nada bom, já que seus atrasos estavam se tornando cada vez mais frequentes nas últimas semanas. Era sempre assim quando Vinícius estava na cidade. Ficava com o carro dela e atrapalhava toda sua rotina.

Tornara-se servidora pública havia 8 anos. Antes, era bancária, mas o banco onde trabalhava faliu. Soube por um acaso do destino que haveria o concurso público para o Tribunal de Justiça. Decidida a participar da tratativa, empenhou-se de tal forma que o destino resolveu lhe presentear com a aprovação em uma boa colocação dentro do número restrito de 10 vagas.

Era um bom emprego, com um bom salário e ela ainda tinha a oportunidade de trabalhar numa área que gostava e que havia se especializado após a conclusão da universidade, como a área de Recursos Humanos. Seu conhecimento e experiência profissional a levaram a ser escolhida para ocupar uma função de confiança, que no serviço público significa um encargo de direção, chefia e assessoramento atribuído a servidor ocupante de cargo efetivo, dando-lhe a possibilidade de elaborar projetos de desenvolvimento profissional, saúde e qualidade de vida a milhares de servidores do Tribunal.

Ela tinha orgulho disso! Mas há alguns meses seu rendimento no trabalho havia caído significativamente. Andava triste, desanimada, desmotivada, tudo reflexo do que vinha vivendo em casa. A instabilidade de sua vida pessoal estava afetando sua relação de trabalho com seu rigoroso chefe que havia começado a cobrar resultados de forma cada vez mais incisiva. Além de resultados, Marco Aurélio, chefe da Superintendência de Recursos Humanos, começava a cobrar também um maior envolvimento de Mariana nos projetos, mais entrega e o rígido cumprimento de horário. Por isto ela tentava fazer tudo o possível para não chegar atrasada, uma vez que se entregar mais nos projetos ultimamente estava difícil.

—*—

Naquela manhã, enquanto Mariana pensava em sua vida, Vinícius seguia dirigindo, concentrado no trânsito e irritado com o fluxo. Os carros mal começavam a andar, logo paravam de novo por causa de um ou outro motorista apressadinho que se enfiava na frente furando a fila de carros, aumentando o risco de uma batidinha, um arranhão ou engavetamento. Coisinhas bobas, mas que provocavam, além de pequenos prejuízos às partes envolvidas, a lentidão no trânsito e, consequentemente, seu atraso para um compromisso com um pretenso investidor.

Mariana seguia o caminho, perdida em seus pensamentos. Precisava encontrar uma forma de sair daquela situação, pois havia chegado ao seu limite. Ao se aproximarem do Parque Areião - um conhecido parque na região Sul de Goiânia - Mariana notou uma mulher que descia a alameda do parque carregando uma sacola de pães. Distraída, a mulher não percebeu que um grupo de 8 macacos se aproximavam dela. Esse parque era conhecido por possuir entre seus ilustres moradores famílias de macacos-prego que, acostumados a serem alimentados pelos visitantes do parque, passaram a "roubar" dos transeuntes qualquer pacote com "cara" de alimento.

Observando a cena, Mariana viu quando os macacos cercaram a senhora e sorrateiramente a atacaram. A mulher, surpresa, gritou quando um dos macacos puxou a sacola. Ela tentou resistir, mas a sacola rompeu-se, voando pão para todos os lados. Rapidamente os macacos avançaram sobre os pães, pegaram todos e partiram em retirada, enquanto a mulher gritava revoltada.

Mariana não aguentou e disparou a rir ao assistir aquela cena inusitada. Era difícil não rir! Riu bastante e também desejou ser livre como aqueles macacos. Imediatamente lembrou-se de seus planos de fuga, que levaria a cabo tal qual havia sonhado. Só precisava que Vinícius fosse novamente para o interior do Pará. Seus pensamentos foram bruscamente interrompidos pela voz forte de Vinícius que, por não ter visto o que havia sucedido com os macacos, perguntou irritado:

— Rindo de quê, bebê? Qual o motivo dessa felicidade? Posso saber?

"Bebê", era assim que ele a chamava. Parecia ser carinhoso. Qualquer pessoa de fora que visse pensaria que ele era carinhoso. Era comum as pessoas terem essa visão de Vinícius, pois ele fazia bem o teatro, mas ela sabia que não era assim. Estava farta daquela forma de tratamento, farta de ouvir aquela voz, farta de viver aquela mentira por 8 longos anos.

— Nada importante, só estava rindo dos macacos que roubaram os pães daquela senhora. — Respondeu Mariana apontando a vítima do roubo dos meliantes primatas.

Vinícius olhou e viu a senhora, nervosa, do outro lado da rua, com o que restou da sacola e indagou:

— Hum, é só isso??? — Falou aparentemente irritado. —Você parecia estar longe. Em que estava pensando, Bebê? — Ele parecia desconfiado.

— Sim, é só isso. — respondeu chateada. — Apenas achei engraçada a cena dos macacos. Nada mais.

Encerrou o assunto, virou-se para o lado, fechou os olhos fingindo que estava dormindo e concentrou-se em lembrar em detalhes o sonho de fuga que havia tido na noite passada. No sonho, ela se aproveitaria da ida do companheiro para o Pará, colocaria suas malas no porta-malas do carro e seguiria viagem para algum lugar bem longe, onde ele não pudesse encontrá-la. Seria perfeito! Desejou que aquele sonho se tornasse realidade.

Viajando em seus pensamentos, deu por si ao ouvir a voz grossa e autoritária de Vinícius anunciado que haviam chegado, percebeu então que o carro estava parado em frente ao seu trabalho. Ao abrir a porta para descer, sentiu a mão firme de Vinícius segurar seu braço com força e tentar beijá-la, tentou se desvencilhar, pois já não suportava seus beijos, mas resistir seria ainda mais complicado. Só daria a ele mais motivos para atormentá-la, naquele momento e durante todo o dia, ligando sem parar e enviando mensagens. À noite, quando chegasse em casa, com certeza ainda haveria uma bela discussão, com direito a gritos e objetos sendo atirados ao chão. Não havendo melhor alternativa, despediu-se de Vinícius com um selinho frio, desceu do carro e entrou no seu local de trabalho.

—*—

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