Capítulo Vinte

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As férias de carnaval foi um interlúdio na minha vida e posso resumir de um jeito bem simples: Saí da Katharine no carro do meu pai e antes que ele cantasse pneu eu vi que Vinci estava sorrindo para o pai, os dois pareciam prontos para saírem dali também. Arthur estava com a mãe, que era linda e tinha um jeito muito carinhoso com todo mundo. Ela parecia ter uma paciência admirável pelo modo como fala. Meus olhos capturaram os de Denis quando ele acenou. Acenei de volta, um pouco menos exagerado que ele. Meu pai notou.

— Amigo seu?

Fiquei feliz ao dizer que sim.

Pus os fones de ouvidos e peguei o celular — o meu celular de verdade — e fechei os olhos, esperando o momento em que pararíamos longe daquela escola.

Fomos para uma pousada distante de tudo. Meu pai não gosta de carnaval. Muito barulho, ele diz com desgosto. Mas sei que quando tinha a minha idade ele pulava carnaval até o dia amanhecer. Foi no carnaval que ele conheceu minha mãe. Não tenho plena certeza mas pode ter sido depois que ela morreu que meu pai perdeu afeição pela data. Não sou muito chegado também, mas foi bom ir para um lugar onde eu podia ficar sozinhos sem estar sendo vigiado — pelo menos não de modo tão deliberado.

Usei um pouco do meu tempo para pesquisar sobre Andrei. Nada. Nem noticias sobre o pai dele. Ao acordar, um dia depois que tudo aquilo aconteceu... não havia Andrei, nunca houve. Ou melhor, pareceu que nunca houve um Andrei, um aluno com boas notas em matemática, que arranjava brigas e que tinha um cartão — um quarto!

Ninguém, nem mesmo Arthur pareceu sentir o quanto tudo havia ficado diferente naquele corredor. Porque estava limpo. Porque ninguém estava falando no nome dele, ou no que fez. Não havia nada e isso pareceu pior do que uma homenagem fútil para ele. Eu quis gritar no meio do corredor, quis perguntar qual era o problema daquelas pessoas que fingiam que um aluno não tinha cometido suicídio. Meu grito foi para o fundo da garganta quando vi o pai de Andrei indo até a sala de Linda e ele só saiu de lá quando o terceiro sinal tocou. Uma conversa longa. E depois... normalidade. Ou quase isso. Porque eu quebrei uma regra.

Eu havia decorado como as Corujas do Corredor trabalhavam, naquele padrão de minutos. Só tive que fazer uma interferência e depois disso, suando e tremendo pelo nervosismo, consegui entrar no quarto de Andrei. Ele havia sido desligado. Ou seja, estava totalmente destrancado. Ele foi totalmente limpo, deixado apenas com os móveis que também têm em outros quartos. Eles só não tinham encontrado as cartas que Andrei guardava. Estavam debaixo do colchão. Achei quando olhei debaixo da cama. Foi pura sorte. Eu não sabia se os outros garotos guardavam cartas dos seus familiares, mas eu guardava no fundo da gaveta. Vinci disse que, se o pai mandasse cartas para ele, às guardaria atrás da cômoda. Arthur guarda as cartas dele em uma caixa cor carmesim que fica ao lado da cama.

Andrei tinha guardado três cartas. E eu as trouxe para cá.

Quando as Águias me olharam indo embora eu pude jurar que eles poderiam ver através da minha bolsa, para o conteúdo dentro dela. Ou seja, as cartas, o celular reserva, o carregador barato e roupas.

Trancado em um quarto com paredes marrons, uma janela me dando a visão de um pôr do sol laranja e o mar azul, e cortinas brancas que balança com a brisa. O quarto cheira a maresia. A porta está trancada e a cama está bem arrumada. Eu tiro as cartas da bolsa e as li.

No último dia na pousada, pela manhã, recebi uma ligação inesperada. Quando atendi, ainda com sono, me surpreendi quando notei ser a voz de Vinci do outro lado e ele estava bem contente.

— Como consegui seu número, você pergunta — consigo saber que ele está sorrindo do outro lado pelo modo como a risada foi abafada.

Eu consigo imaginá-lo agora e isso me desperta um pouco mais. Consigo pensar nos lábios dele se curvando em um sorriso, consigo pensar nos olhos dele, um pouco fechados, mas que dá para ver a cor deles.

Entrelinhas (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora