Intimidade estranha

126 4 0
                                    

Mais do que hábito, já tinha virado regra: na primeira sexta-feira de cada mês, nossa turma, mais de 20 anos de amizade e parceria, se encontrava para um jantar que começava cedo e não tinha hora para terminar. Éramos cinco amigos de segundo grau, além de mim. Muito prazer, sou o Paco.

Cada um enveredou por um caminho profissional diferente, mas mantivemos contato, nossas namoradas, namorados, esposas e maridos também gostaram dos rolês e, enfim: a primeira sexta-feira de cada mês é sagrada. Além disso, Gabriel, o Gabi, é o meu melhor amigo, e minha esposa Cátia é a melhor amiga da Renata, namorada dele. Nos vemos sempre, conversamos sempre. Amigos de fé.

Tudo estava pronto para a janta na casa do Gabi. Uma baita casa: com pátio grande, piscina, um ambiente dos mais agradáveis mesmo naquele friozinho do início de abril. Mas teríamos dois desfalques: a Cátia tinha combinado algo com umas primas do interior e passaria o final de semana com elas. E o próprio Gabi, na sexta, precisou viajar para a Ásia a trabalho. Sem problema, a Renata faria as honras de anfitriã.

Foi uma noite agradável, mas o pessoal não parecia dos mais empolgados. Não sei: o que sei é que a Cátia me ligou para falar do encontro, pelas onze horas, e fui à varanda para falarmos com calma. Quando voltei, só estava a Renata. O pessoal tinha largado.

— Ué, achei que tu também tinha ido — ela disse.
— Não, só estava no telefone. Mas o pessoal não tava no clima hoje, pelo jeito.
— Pois é.

Comecei a recolher as garrafas e pratos da sala, para ajudar com a limpeza, ou parte disso, sem deixar a mina sozinha com todo o serviço. Ela perguntou se eu queria mais uma ceva, aceitei, e fomos pra fora para eu fumar um cigarro.

— Tem um? Eu nunca fumo, mas agora deu vontade.
— Claro.

Tomamos nossas cervejas, fumamos nossos cigarros e ficamos em silêncio. Em silêncio, percebi que minha relação com a Renata era totalmente baseada em conviver com ela junto de outras pessoas. Sabe aquela intimidade estranha, alguém que tu conhece bem, mas não CONHECE às ganhas? Pois é.
Fiz um comentário banal pra mudar o clima meio soturno, ela respondeu com uma risada e engatamos uma conversa amena. Até que o nome de uma conhecida em comum surgiu – uma conhecida com quem tive uns rolos em um passado recente. Foi algo discreto, ou assim eu achava... até ver a risada da Renata e o comentário, meio sem noção:

— Essa mulher já estragou muito casamento. Te liga.

Me surpreendi, ela respondeu "tu sabe que a Cátia me contaria tudo, né?". Realmente. Me liguei que Renata, provavelmente, sabia vários segredos meus, dos dois lados, pela Cátia e pelo Gabi. Certo que ela sabe de várias histórias, taras, vontades que, até ali, achava eu que só mais uma pessoa saberia.

Ela deve ter pensado o mesmo, a julgar pelo sorriso de canto da boca que deu. Mas logo ruborizou: foi a vez dela perceber que eu também sei tudo sobre ela. Se ela sabe que meu sonho é levar a esposa em um swing, eu sei que ela gosta de ser pega à força. Sei que ela é adepta do role play e que gosta de algo bem brutal. E ela sabe o que eu falei dela, quando a apresentei pro Gabi:

— Se tu não pegar essa gostosa, me fala porque eu vou. É um monumento.

A noite seria longa...

*****

Os limites da amizadeOnde histórias criam vida. Descubra agora