Capítulo Único: Vermelho

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 Jiang Cheng odiava o vermelho e suas malditas representações.

 Odiava a força inerente àquela detestável coloração. Essa mesma força brutal, certa vez, fora a responsável pela destruição de tudo o que ele um dia amou e prezou, desde seu benquisto lar até as vidas das pessoas que mais desejou desesperadamente proteger. Pessoas vestidas com trajes tingidos por aquela maldita cor tiraram-lhe, com sua força implacável e avassaladora, tudo o que lhe era precioso.

 Odiava a ardência tão odiosamente palpável nos tons escarlate. Essa mesma ardência fora sentida por sua pele vulnerável há anos atrás mediante a presença deles, fosse durante a aproximação das chamas que reduziram sua seita e os corpos de seus companheiros e familiares a cinzas, fosse durante suas sessões de tortura particulares, quando deixou-se capturar para evitar perder para aquele insuportável tom cromático uma das últimas pessoas importantes que lhe restava. Pessoas vestidas com trajes tingidos por aquela maldita cor lhe queimaram a alma e o corpo por inteiro durante seus dias mais tenebrosos.

 Odiava a íntima relação que a vibrante tintura nutria com a guerra. Essa mesma guerra tirou de si, mais de uma vez e durante muito tempo, qualquer possibilidade de paz ou felicidade. Como poderia, afinal, desfrutar de tais privilégios quando se sentia tão terrivelmente frágil, embora jamais demonstrasse assim se sentir, diante dos horrores que inimigos tão formidáveis eram capazes de proporcionar? Responsabilidades esmagadoras lhe pesavam os ombros, enquanto os números de cadáveres identificados como pertencentes à seita Jiang aumentavam com uma velocidade aterradora. Pessoas vestidas com trajes tingidos por aquela maldita cor continuavam a tirar, com suas guerras intermináveis mobilizadas por ganância e delírios odiosos de supremacia, cada resquício de esperança de seu tão precocemente ferido coração.

 Odiava a coloração vermelha presente no sangue humano. Esse mesmo sangue, mais rotineiramente do que jamais imaginou colorindo suas vestes e sendo visto de tão perto, lhe tirou o ar dos pulmões incontáveis vezes. Fosse o sangue de seus amigos, familiares, discípulos ou mesmo o seu próprio, aquele tom mesclado à textura viscosa sempre estava presente ao seu redor e esse mero fato era suficiente para provocar-lhe uma dor imensurável, sempre sufocada pela necessidade de manter-se firme e implacável, tal como era esperado outrora de um herdeiro e agora de um verdadeiro líder de seita. Pessoas vestidas com trajes tingidos por aquela maldita cor fizeram de sua vida um mar interminável de sangue, morte e dor.

 Odiava a representação de poder implícita à coloração vivaz e imponente. Esse mesmo poder conduziu à ganância insaciável que lhe custou sua juventude, suas esperanças e incontáveis vidas que jamais imaginou ter de vir a perder. Pessoas vestidas com trajes tingidos por aquela maldita cor fizeram, com sua sede desenfreada por poder e domínio, do inferno o seu mais novo e conhecido lar, ainda que não houvessem precisado tirar sua vida para conseguir o fazer.

 Odiava como aquela cor repulsiva simbolizava a ira. Essa mesma ira, cotidiana e incessantemente, tomava-lhe o coração quando estava só, abandonado às próprias lembranças e faltas. A raiva lhe queimava o peito e parecia lhe sufocar a cada vez que surgia; não gostava da falta de controle que tinha sobre esse sentimento, que tão intensamente detestava. Pessoas vestidas com trajes tingidos por aquela maldita cor potencializaram suas emoções de revolta ao extremo à cada nova coisa preciosa que arrancaram de si.

 Odiava como os ameaçadores tons de vermelho remetiam-lhe a ideias de perigo. Esse mesmo perigo, ao qual aquela cor o fizera se tornar tão familiarizado, lhe tirou o sono mais vezes do que era capaz de contar. Sequer lembrava-se de como era viver não estando em constante estado de alerta, à espera eminente de, mais uma vez, ter tudo o que amava arrancado de suas mãos enquanto, impotente, observava chorando. Pessoas vestidas com trajes tingidos por aquela maldita cor, com suas mãos de ferro, esmagaram sua segurança e estabilidade com sua representação feroz de perigo e ameaça.

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