Retrato da Queixa

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Acordei-lho de certo muito cedo, que meu espírito com isso respondeu-me um tom grosseiro nas suas impressões, visões e sombras, bastou o ar de consciência que acordara, sem que Deus lhe atendesse sua súplica do contrário, para que o passo do dia, como todos os outros fosse essa mesma e corriqueira mágoa. E era aterrador, como um milagre virado do avesso.

Sobressaltado do sono, muito e amiúde obriguei-me, ambicioso e avarento a abandonar o leito em prol dos ofícios, os quais aprendera costumeiramente a desprezar.
Amanhecendo, com o céu ainda em profunda hemorragia, servi-me de uma bebida quente e a rigor, me pus a escrever, de modo a ser tão odioso cada linha, traço a traço, sem Beatrice, que me inspira-se um verso, da cortesia e letra ao silêncio de tristeza envenenado, tornara tudo tão monstruosamente semelhante.

Há muito a vida dói-me sempre assim, e como amargo e fiel ingrato, recolho-me sempre na queixa, por que trazer-me ao mundo, para fiar-me tão negro destino? Por que meu Pai?
Lembrança triste, e ao mesmo tempo doce, a sete palmos abaixo do peito, mortal Beatrice, que a morte me tomara por ciúme, bem sei meu paraíso, que Deus te vela, mas o que sou, quem cuida?

Não me poupeis a vida, que ela é verão e eu sou inverno,que eu cuide num salto em também morrer, que como vinho é o remorso meu, mais forte fica se envelheceu.
Transpasso o dia a muito contragosto, já noite, volto ao leito, confiante que seja o último sono, esperançoso por ti minha bela. Quando busquei-lha, tal como um sonho, trazia a felicidade pulsando no peito, e na mesma medida meu anjo, quando me vi forçado a deixar-te de novo, acordado para vida, afoguei-me a fronte e o riso, em choro e saudade.

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⏰ Última atualização: Apr 11, 2022 ⏰

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