"Eu quero comer seu pâncreas", ela disse.
Essa frase bizarra de Sakura Yamauchi veio enquanto eu estava diligentemente organizando os livros das empoeiradas pilhas da biblioteca escolar, já que era minha responsabilidade como um auxiliar de bibliotecário.
Eu pensei em ignorá-la, mas éramos as únicas pessoas ali, e o comentário claramente tentava inspirar uma curiosidade mórbida. Isso significava que ela estava falando comigo.
Sem ter outra escolha, respondi sem me virar. Se ela estivesse fazendo seu serviço, ela ainda estaria de costas para mim.
"Como assim?", eu disse, "Você é uma canibal agora?".
Ela respirou fundo, tossiu um pouco por causa da poeira, e então explicou orgulhosa, "Eu vi essa história na televisão ontem à noite. Antigamente, quando algo estava errado com o corpo de alguém, eles comeriam essa parte do corpo de algum animal".
Eu continuei sem olhar para ela. "E?".
"Se o fígado estiver ruim, coma fígado; se o estômago estiver ruim, coma estômago. Acho que eles acreditavam que isso curava. Então, eu quero comer o seu pâncreas".
"Meu pâncreas?".
"Eu não vejo mais ninguém com um pâncreas aqui".
Ela riu. Eu ouvi o som de livros pesados sendo reorganizados numa prateleira; então ela ainda estava trabalhando e não tinha parado para olhar para mim.
Eu disse, "Prefiro que você não coloque toda a pressão de salvar a sua vida em pequeno órgãozinho do meu corpo".
"Você tá certo. Todo esse estresse pode acabar com seu estômago também".
"Jogue isso em outra pessoa, então".
"Tipo quem? Não posso dizer que gosto da ideia de devorar minha própria família".
Ela riu de novo. Eu não ri; estava levando meu trabalho a sério. Queria que ela aprendesse comigo.
Ela continuou, "É por isso que você é o único pra quem eu posso pedir, [Coleguinha Que Sabe Meu Segredo]."
"E nesse seu cenário imaginário, você não acha que eu vá precisar do meu pâncreas?".
"Você nem sabe o que um pâncreas faz", ela provocou.
"Claro que sei".
Eu realmente sabia. Eu nem sempre soube, é claro—eu precisei pesquisar. Eu não tinha outra razão para fazer isso além dela.
Isso a deixou feliz, e ela se virou na minha direção. Eu sabia dessas duas coisas por conta da sua respiração e os movimentos dos seus pés. Virando só minha cabeça, eu a olhei de relance. Ela tinha uma expressão contente, seu rosto vivaz com gotículas de suor. Era difícil acreditar que logo ela iria morrer.
Ela não era a única suando. Era julho, com o aquecimento global a todo vapor e o ar condicionado que mal chegava na sala de arquivo.
Alegremente ela disse, "Não me diga que você pesquisou".
Eu poderia tentar evitar responder, mas ela estava animada demais para deixar isso passar. Melhor só acabar logo com isso.
"O pâncreas regula a digestão e o metabolismo", eu disse. "Por exemplo, ele secreta insulina que converte açúcar em energia usável. Sem o pâncreas, as pessoas não produzem energia, e morrem. Sinto muito, mas não posso te oferecer o meu em uma bandeja".
Assim que eu tornei minha atenção ao trabalho, ela desabou na gargalhada. Eu pensei que a minha piadinha tivesse sido melhor do que eu esperava, mas não era por causa dela que ela estava rindo.
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Eu quero comer seu pâncreas
Roman pour AdolescentsUm dia, eu - um estudante do ensino médio - achei um livro no hospital. "Vivendo com a morte" era seu título. Era um diário que minha colega de classe, Sakura Yamauchi, havia escrito em segredo. Nele ela contava que, por causa de uma doença no pâncr...