Renato
As mudanças que o obreiro havia feito eram ótimas, ainda que eu não tivesse ficado no mesmo grupo que Vitor, e que agora éramos adversários nas gincanas, conseguíamos nos aproximar ainda mais, porque agora tínhamos o mesmo objetivo em comum, através daquela gincana, ganhar almas.
Eu entendia que tudo que fazíamos era para que outros jovens pudessem se aproximar e através daquelas atividades conhecerem o Senhor Jesus.
Aquilo me motivava, porque eu sabia o valor que tinha quando conhecíamos a Deus, como era incrível a transformação que ele fazia.
Olhei para o espelho enquanto me arrumava para poder ir buscar alguns jovens que eu havia convidado para a reunião naquele dia.
Eu já não descoloria mais o meu cabelo, ele estava da cor que sempre havia sido e eu não senti mais raiva ao me parecer com o meu pai, pelo contrário, quanto mais eu me reaproximava dele, eu sentia admiração de me parecer com aquele homem, que passou por cima de tudo, para ter o tudo de Deus.
Peguei as lentes de contato coloridas que eu usava, os potinhos já estavam secos porque não as colocava mais. Joguei no lixo do banheiro.
Eu gostava de quem eu era, porque Deus estava trazendo a melhor versão de mim.
Meu guarda-roupa ainda tinha muitas peças de roupas pretas, mas aos poucos eu me desafiava, havia comprado algumas camisetas de outras cores e ainda que eu não gostasse muito eu era louco por desafios.
Ainda mais desafios que me faziam mudar para melhor.
Arrumei o cabelo, eu sabia que algumas marcas no meu corpo não voltariam ao que eram antes, como as tatuagens, ou os furos dos piercings, mas aquilo era para lembrar do lugar que eu não queria mais voltar.
Peguei as minhas coisas e sai, o sol quente nas costas e andei por quase duas horas, quando olhei já era hora de estar na igreja.
Eu não havia conseguido passar em todos os jovens, estava difícil, como era somente eu no meu grupo que ia buscá-los, dificilmente dava tempo.
Assim que terminou o encontro de jovens, eu esperei para falar com o obreiro Henrique, eu precisava de ajuda.
Quando o obreiro terminou de falar com outro jovem, ele olhou para mim e sorriu:
-Obreiro, eu preciso falar com você! -Falei junto com Vitória que estava do meu lado.
Nós dois nos encaramos e eu revirei os olhos.
-Eita! -O obreiro continuou sorrindo. -Vitoria, você pode esperar um pouquinho? Vou conversar com o Renato primeiro e depois converso contigo?
Ela concordou e se sentou alguns bancos longe de nós dois.
-E aí, Renato? O que está acontecendo? Hoje sua tribo arrebentou, em?
Sorri para ele.
-Sim, obreiro, mas eu tenho consciência de que poderia ter dado muito mais! -Falei cansado. -Obreiro, eu sei que Deus conta comigo, e eu quero ajudar todos que eu puder, mas sozinho eu não estou conseguindo. -Expliquei. -O Vitor tem ajuda da Laura pelo menos, mas eu não tenho a ajuda de ninguém, e está difícil, porque são muitos jovens, mas é só eu...
-Entendo, realmente você precisa de ajuda... -Ele respirou fundo e olhou através de mim, segui o seu olhar que pousava em Vitória.
Olhei assustado entendendo o que iria acontecer ali.
-O senhor não está pensando...
-Vitoria, vem aqui. -Ele nem me escutou, Vitória se levantou e veio rapidamente para perto de nós.
-Sim, senhor? -Ela nos analisou com aqueles enormes olhos castanhos.
-Eu tenho visto o quanto você tem se esforçado e pela primeira vez eu vejo uma mudança em você. -Ele falou sério. -A obreira Jacqueline tem te acompanhado e também comentou sobre isso.
-Sim, senhor. Tem sido difícil, mas eu cansei de ficar em cima do muro, eu precisava decidir. -Ela admitiu.
-Sim, e tenho uma pergunta para você, tem fé de ser auxiliar de tribo?
-Sim! -Ela respondeu animada, mas firme em sua decisão.
-A partir de hoje, você vai ajudar o Renato no que ele precisar! -O obreiro falou e o sorriso do rosto de Vitória sumiu.
Eu sabia o que ela estava sentindo, porque eu estava sentindo a mesma coisa.
-Agora vocês dois podem montar as estratégias, e eu tenho certeza que vai arrebentar! -Ele falou e saiu.
Olhei para a cara de Vitória que me encarava e respirei fundo.
-Amanhã vamos ir evangelizar a tarde. -E sai andando.
E Vitória me surpreendeu, por mais que eu visse na cara dela que não concordava com a forma que eu falava ou com o que eu fazia, ela aceitava. Em nenhum momento ela reclamou.
Até aquela sexta-feira.
Naquele dia, minha ex-namorada passou por mim, ela estava triste, era notório em seu rosto.
Eu não sentia mais nada por ela, talvez nunca tivesse gostado de verdade dela, mas ao vê-la naquele estado, um aperto surgiu no meu peito.
Ela estava sofrendo, como um dia eu havia sofrido.
-Katia? -A chamei.
-Nato? -Ela olhou para mim, sua maquiagem estava borrada e ela tentou limpar, sem muito sucesso. -Você está diferente... -Ela sussurrou.
-E você parece estar triste. -Dei um passo a frente, mas Kátia recuou. -Katia...
-Não quero você perto de mim, Renato. Acha que é fácil esquecer o que você fez? -Ela vociferou.
Fechei a palma da mão e dei outro passo, mas Vitória segurou meu braço. Olhei para ela, já estava me esquecendo que ela estava ali presenciando tudo aquilo.
-Renato, é melhor não.
-Isso, é melhor não! -Katia gritou e saiu batendo os pés.
Me soltei do aperto de Vitória.
-Você está bem? -Ela me olhou preocupada.
-Estou! -Falei bravo. -Você não tinha nada do que se intrometer! -Deixei o calor do momento tomar conta de mim e acabei falando sem pensar.
-Renato! -Vitoria perdeu a paciência e empurrou os convites contra o meu peito. -CHEGA! Eu não sei qual é o seu problema contra mim, mas se você não quer que eu seja a sua auxiliar é só falar com o obreiro!
-Mas eu não estou dizendo isso!
-Não precisa dizer! Da pra perceber que você tem algum problema contra mim! Tudo o que eu faço você não gosta, você reclama e você nem escuta! Agora mesmo eu estava perguntando não porque quero saber da sua vida! Isso pouco me importa, mas fiquei preocupada! Porque deu para ver que isso mexeu com você! -Ela estava brava, suas bochechas começaram a ficar vermelhas, ela controlava a voz, mas dava para ver que estava a um ponto de gritar comigo. -Sério, eu te fiz alguma coisa? Por que você trata todo mundo bem e apenas eu você trata dessa forma? Me fala! Porque se foi algo que eu fiz, eu preciso saber para te pedir desculpas!
Fiquei em silêncio, porque nem eu sabia o que ela havia feito para mim. Eu não sabia porque agia como um estúpido perto dela e nem porque me afastava tanto.
Como não respondi, ela revirou os olhos e pegou sua bolsa.
-Eu vou para casa.
-Mas a gente ainda não terminou...
-E nem vamos terminar! Uma coisa que o obreiro sempre diz é que devemos estar em espírito para ajudar e convidar as pessoas e isso é uma coisa que nós não estamos! Fica com Deus! -E saiu como cabelo batendo em suas costas.
Passei a mão pelo rosto e respirei fundo.
Ótimo, agora a minha tribo estava dividida e o único culpado era eu mesmo.
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O CAMINHO
SpiritualA vida de Henrique virou de cabeça para baixo, quando sua mãe contraiu diversas dívidas para tentar tirar seu irmão, Heitor do mundo do crime e das drogas. Agora ele se depara em morar em uma comunidade do outro lado da Ponte do Silêncio em um barra...