O Barqueiro do Mar de Nuvens - parte 1

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A Brisa refrescante era um alento nas noites solitárias. A vara de pescar estava encaixada no pequeno bote. Era apenas uma mera distração que fracassava em espantar o tédio. Bem que sua mãe lhe disse que ser um barqueiro de Urano não saciaria sua sede de aventuras.

Mas ali estava ele, parado sobre as nuvens na esperança de que algo anormal acontecesse. Foi quando uma anomalia mágica girou rapidamente em sua frente e cuspiu a dracma no bote, para sumir em seguida. 

Enfim, uma missão.

Primeiro suas sobrancelhas se ergueram e o coração disparou. Afinal, faziam cem anos desde o último chamado. Depois sua expressão se fechou enquanto se curvava para analisar a moeda. A pegou na mão e a desconfiança de seus olhos foi substituída por curiosidade. A dracma exibia a face de seu primo distante, o rei olimpiano. E do outro lado lado via-se um palácio construído sobre um monte. Um rei de ouro. Aquilo valia pelo menos cem príncipes de prata.

O barqueiro fez questão de morder a moeda mas hesitou quando a aproximou da boca. O cheiro era inconfundível, ouro puro do Lago Pontos. Era genuína.

Vários sentimentos o tomaram. Primeiro saudades de casa. Em seguida ódio. Ódio de seu irmão e do Conselho Olimpiano, que ficaram do lado de Caronte e de suas artimanhas. A tristeza veio em seguida, acompanhada de perto pela solidão. Afinal, haviam se passado alguns milênios desde que fora expulso de casa.

A pergunta que agora martelava em sua mente era se deveria ou não aceitar o pagamento. Graças à Noite ele não era obrigado a fazer tudo de acordo com as regras de seu tio. Que o Abismo o livrasse disso.

Ele pensou por alguns momentos e decidiu recusar. Mordeu o lábio inferior e coçou a cabeça. Olhou de um lado para o outro. Analisou a paisagem interminável do Mar de Nuvens. Nem os peixes voadores passeavam por ali. Nenhum cavaleiro de dragão com a ambição de desbravar os céus, ou um celestial vagando preguiçosamente. Por quilômetros e quilômetros ele estava como ficava na maioria das décadas. Completamente sozinho. 

Mas não foi apenas o tédio e a solidão que o corroía. Sua curiosidade chegava a causar coceira em seus braços. O barqueiro suspirou e sorriu. Depois alisou a roupa e limpou a garganta. Guardando a dracma de ouro no bolso, ele recitou as palavras do ritual:

— Aceito o seu pagamento.

Passou a mão pelo rosto e suspirou. Não pela primeira vez ele pensou que aquela frase tirava toda a graça de ser um barqueiro dos céus. Criatividade não era o forte de quem criou aquele feitiço. Nada de Linguagem Primitiva, conjuramento arcano, língua celestial, demótico, runas ou hieróglifos. Apenas uma frase sem sentido.

Alguns momentos depois um pequeno círculo dourado começou a rodar na frente do bote. Era igual ao primeiro que trouxe a moeda. O círculo foi aumentando de tamanho. Logo o seu tamanho era duas vezes maior que o barqueiro e seu transporte. O interior do círculo, ainda transparente, piscou e uma nova paisagem se abriu. 

Através da passagem o Olho de Jade brilhava em uma paisagem de montanhas florestadas com os picos cobertos de neve. “Não é o Olho de Jade”, ele pensou. Os raios que vinham daquela estrela eram totalmente amarelos, ao contrário dos amarelo esverdeados da estrela que iluminava sua dimensão. Não, aquele era o sol de Midgard. Era o reino dos homens. Águias voavam preguiçosas e bodes pulavam de um lado para o outro na montanha sem se preocupar com a altitude (ou com a gravidade).

Bem em frente ao círculo um garoto o esperava. Uma das sobrancelhas do barqueiro se ergueu. Ele posicionou o barco rente ao círculo. O garoto acenou com a cabeça e pulou do monte onde estava para o barco. O barqueiro se surpreendeu que o recém chegado não olhou para trás nenhuma vez enquanto guiava a condução para longe do vórtice que se fechava.

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