Deuses do Povo Perdido

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Raisin abriu os olhos com dificuldade. Viu um teto rudimentar, pelo qual raios de sol entravam aqui e ali pelas várias frestas. Suas guelras se abriram, buscando por água. Como não encontrou, teve que recorrer ao seu nariz para sugar ar desesperadamente.

Ele demorou para sentar. Cada parte de seu corpo doía. Seu rabo ainda não tinha se transformado em pernas, como deveria acontecer quando estivesse no domínio dos respiradores de ar. O que significava que sua magia estava exaurida.

Aos poucos as lembranças foram voltando. Os brados de guerra; o cheiro de sangue; a sensação dos poderes mágicos cruzando céus, terra e mar. A Grande Guerra dos Homens.

Olhando em volta ele viu que estava em uma habitação simples. A cama em que estava deitado não passava de um amontoado de folhas secas. Havia uma mesinha com uma vasilha de água. E uma janela que dava para o oceano.

O cheiro do mar o fortaleceu. O cansado foi sumindo aos poucos. Raisin concentrou sua aura na mão fechada e ela brilhou levemente, azulada.

— Então você é um mago, Yarenin.

Estava tão concentrado na magia que não percebeu a mulher que entrou pelos cipós da porta. Era jovem, talvez uns vinte anos. Os cabelos escuros destacavam seus olhos azuis. Ela passaria por uma humana, não fossem as garras no lugar das mãos e pés; e as asas, com penas acinzentadas.

Com o pouco de magia que o mar lhe concedia, Raisin transmutou sua cauda em pernas. Ele tentou levantar para ficar em posição de combate, mas suas pernas não aguentaram. A mulher correu em sua direção, e ele achou que seria o fim.

Qual não foi sua surpresa quando ela o ajudou a ficar de pé.

— Eu queria ter uma fotovirtual para retratar sua cara — falou a mulher, com um tom divertido.

Raisin sentou na cama com dificuldade. Olhou para as garras afiadas que o ajudavam tão delicadamente.

— Nunca imaginei que uma Aquila me ajudaria — ele disse, respirando com dificuldade.

A Aquila lhe deu um meio sorriso e sentou na cama ao seu lado.

— A guerra faz coisas estranhas com a gente — ela disse mais para si mesma do que para ele.

Raisin olhou para sua inimiga mortal. Não sabia bem o que fazer. A guerra roubou-lhe tudo. Sua família, seus amigos, sua cidadela... tudo foi perdido quando a última Mãe do Oceano se ergueu de seu sono imortal, em resposta ao brado dos Yanerins.

Ele olhou ao redor. O pouco que usou a magia, sentia que era cobrado do seu corpo. Não iria a lugar nenhum por um bom tempo. Tudo bem, ele pensou, não tinha mesmo para onde ir.

— Como vim parar aqui? — perguntou enfim para a Aquila.

A mulher olhou para ele com o canto do olho.

— Qual seu nome, Yarenin?

— Rasin do Rio Submerso. General dos Yanerins.

A Aquila concordou com a cabeça.

— Eu sou Lyria dos Montes Vulcânicos. Comandante dos Aquila. E como você veio parar aqui, só os deuses podem dizer. Deve ter sido como eu, através do Rio Estige.

O Rio Estige. Raisin se lembrava daquele rio. A Batalha dos Três Exércitos tinha se alastrado pelos montes de Lemuria, passado pelos vales de Enoque e os desertos africanos, para se concentrarem no Vale do Éden, cortado por esse rio.

Foi lá que a explosão aconteceu.

Raisin engoliu em seco e se voltou para Lyria.

— Os nativos dessa vila...

Contos Etherianos de AFROFANTASIAOnde histórias criam vida. Descubra agora