Capítulo Único

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Naquela tarde chuvosa, que já adormecia, dando assim, lugar à noite gélida, estava eu e mais alguns amigos no acampamento São Luís.

As folhas das árvores caiam quando o vento dava de encontro com cada um dos seus galhos. A grama verde mesclava-se com a terra molhada e deixava um cheiro de infância pairando.

Mesmo com a chuva, nossas barracas estavam bem armadas, então não nos deixamos levar.

As crianças corriam, enquanto gritavam aos quatro ventos, indo de encontro aos seus pais que, apressavam-nas para o carro; vamos para casa, querido, a chuva já está caindo, dizia algum pai desesperado.

Aproveitamos aquela deixa da natureza para juntarmo-nos todo em uma barraca e ler algumas histórias.

Ao fundo, o som dos portões do parque se fechando e as vozes distantes das famílias indo embora.

Entramos todos e começamos:

- Bora, o que vocês têm para me mostrar hoje? - perguntei confiante.

- Você é o escritor aqui, devia saber a história que será contada! - retrucou, Amanda, com um tom de raiva.

- Vamos, pegue logo o seu celular para ler a história que escreveu. Sim, você escreveu algo. - falou por fim, Pedro.

Com um riso no rosto, e com certo orgulho, decidi-me. Peguei meu celular e comecei a ler a primeira história que encontrei:

- Todos sabiam da lenda que regia aquela pequena floresta: a pobre garota encontrada morta no lago Maria das dores. Os investigadores não tiveram sucesso em suas buscas. Os moradores, que tanto fuxicavam sobre a vida da pobre menina morta, não sabiam de um burburinhos sequer. Aos arredores da região, nada era escutado nas noites de luar, além do doce canto da menina...

Fomos interrompidos pelo toque do celular da Amanda. Ela desligou, revirou os olhos, então demos continuidade:

- Meu sinal está fraco - dizia, Amanda, guardando o celular em sua bolsa - então como não tenho como pesquisar... me fala: essa história é real?

- Claro que não, Amanda - respondeu, Pedro - que pergunta mais idiota.
Abaixei a cabeça fazendo sinal de negação. Olhei para os dois fazendo leve suspense, então disse:

- Como duvidam? É óbvio, e comprovável, a veracidade dessa história. Nessa mesma noite, se todos aqui ficarem quietos, escutarão o cantar da menina morta. Com tamanha nitidez, que fará cada um de você pensar estar na presença do próprio anjo da guarda.

- Se a história e verdadeira -inquiriu, Pedro -, como se deu o fim das investigações e como era a tal da garota morta?

- Ah, ela era linda... alguns dizem se parecer com a própria Afrodite. Seus cabelos caiam pelos seus ombros, como o doce fardo de uma grande paixão não correspondida. Seus detalhes eram tão precisos, que mais pareciam esculpidos, do que reais. E seus olhos... ah, os seus olhos... Havia quem achasse que ambos fossem uma pedra de safira de tom rubra. Olhos de safira. E digo mais, todos que escutam o seu canto, acordam com uma pedrinha dessa dentro de seus bolsos.

- Por favor, agora virou idiotice - gritou, Amanda, revoltada - safiras no lugar dos olhos? Qual será a próxima história? Que ela está aqui também?

- Não seria uma grande mentira, cara miga! Sua investigação foi inconclusiva. A polícia disse ter sido uma morte acidental. Ela foi nadar e acabou se afogando. Mas todos nós sabemos o real motivo...

- E qual seria? - ambos perguntaram juntamente.
Fazendo expressão de espanto, com leve pausa dramática, dei continuidade:

- Ela buscava seu assassino! Sim, seu assassino. Cansada de sua vida chorosa, ela apenas queria alguém (que não fosse ela mesma) disposto a tirar esse sofrimento de sua alma. Ela encontrou. Agora sabemos que encontrou. Entretanto, quem seria esse ser piedoso...

- Piedoso? - ambos riam -, ele matou a garota! Não há nada de piedoso nisso.

- Bem, se preferem não acreditar... mas o que digo é verdade, e a história também é. Vai de vocês acreditarem ou não...
Fomos dormir com o som das gotas da chuva caindo sobre nossas barracas. O relógio marcava três da manhã quando tudo aconteceu. Um assobio soava pelos cantos do parque, se entrelaçavam entre as folhas que corriam com o vento. Todos acordamos de relance, assustados com certeza. Buscávamos de onde vinha aquele canto.

Passamos os olhos por fora da barraca, até que encontramos uma silhueta feminina nos rondando:

- Falei que era verdade! - sussurrei.

- SHHHH! - silenciaram-me os dois.

A silhueta andava calmamente. O canto era suave, parecia nos acariciar.

Começamos a ficar sonolentos até que caímos no sono.

Na manhã seguinte acordamos assustados. Nos olhávamos sem entender o que estava acontecendo.

Abrimos a barraca correndo e não se via nada além do belo Sol.

Paramos um pouco, e refletimos:

- OLHE OS BOLSOS! - gritei num estopim.

Todos nós colocamos as mãos, freneticamente, em todos os bolsos que tínhamos.

BINGO!

Todos tínhamos uma safira no bolso! Uma safira vermelha! Nos encarávamos sem reação:

- Como eu sempre digo - falei com certo deboche - sempre acredite nas histórias de um escritor, porque como há de se esperar, ele é um escritor...

- Gabriel Sanches

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