Parte 2

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Maria e Pedro desceram a escada de madeira, com tanta pressa, que saltitavam sobre as tábuas frouxas. Quando a mãe de Maria estava em casa, nunca a deixava descer daquela forma, afirmando que assim poderia quebrar os degraus. Quebrar os degraus? Pensava Maria. Que loucura, existem coisas que nunca se quebram! A garota só foi descobrir o quanto estava enganada, depois de muitos anos, quando alguém quebrou-lhe o próprio coração.

— Pedro, seu pai sabe que você está aqui?

— Não. — negou com veemência. — Ninguém pode saber que estou aqui!

Maria sabia que Pedro não estava sendo dramático, ninguém poderia saber que ele estava em sua casa, ou pior, que os dois eram amigos... Uma amizade dessas poderia pôr de cabeça pra baixo toda a vizinhança, tudo por culpa de uma briga entre as famílias.

Sem pestanejar, as crianças foram em direção à cozinha, porém, ao cruzar a porta de entrada, os dois engoliram um grito. O nobre Bartolomeu estava sentado à mesa de jantar.

Através dos olhos fulminantes, de quem acaba de despertar, Bartolomeu os encarou. Sem desperdiçar o momento, passou a língua entre os bigodes, provando o pavor de pegar os dois juntos. Assustados, Maria e Pedro se olharam e, logo em seguida, não conseguiram segurar a gargalhada. Empertigado, Bartolomeu pulou da cadeira e disparou em direção aos fundos da casa, para brincar com a bolinha azul.

— Bartolomeu parece gente. — Pedro comentou ainda impactado com a audácia do cachorro.

— Pelo mau-humor, deve ter sido um capitão severo em outras vidas.

Maria correu até a panela de pressão que estava em cima do fogão, ao abrir a tampa franziu o nariz. Um líquido verde e espesso borbulhava dentro da panela.

— É sopa. — Maria revelou, segurando o estômago sobre o vestido de lã, os fios soltos já estavam todos maltratados, de tanto a garota esbarrar na parede áspera de tijolos.

— Sopa é pra quem está doente. — Pedro pegou um pão do cesto e começou a comer. — Se você toma sopa sem estar doente, acaba ficando doente.

— Exatamente, — Maria concordou — e os adultos adoram fazer sopa no frio...

— E depois falam que ficaram doentes por causa do vento... — Pedro completou.

— Mas é por causa da sopa! — a garota concluiu.

Maria fechou a panela e se afastou o máximo que pôde da sopa. Em seguida, começou a observar as prateleiras pensando no que poderia comer. Como um coelho, as narinas se mexiam à procura de algum faro delicioso, até que um sorriso brotou nos lábios e foi correndo à sala pegar um banquinho de madeira, enquanto Pedro a observava.

A garota colocou o banquinho na frente da geladeira e subiu, segurando o vestido branco para não atrapalhar na subida. Precisou esticar toda a coluna para alcançar a porta do refrigerador, quando abriu uma fumaça fria escapou do interior. Maria puxou um pote branco com uma mão e fechou a porta com a outra. Por fim, saltou do banquinho e, antes que os dedos grudassem no pote congelado, colocou o artefato em cima da mesa.

— Uau... — Pedro exclamou. — Bem melhor que sopa.

O Conto da Biblioteca - O Garoto Sem HistóriasOnde histórias criam vida. Descubra agora