O pudor do véu

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Apavorada é a palavra.
Acabo de chegar ao Brasil com meus pais para meu casamento daqui há uma semana. É o sonho de muitas mulheres noivar, casar... mas no meu caso sonharam para mim. Sim, meus pais sonharam tudo, é colocado na balança nossa religião, nome da família, nossa honra.
Vivi a vida inteira no Iran, filha de mãe brasileira que se converteu ao islamismo para se casar com meu pai iraniano. Ela o conheceu numa viagem de férias pelo mundo com amigas da faculdade aos vinte e seis anos de idade, meu pai a havia atendido como médico após um pequeno acidente no ônibus que conduzia os visitantes ao país, naquela época ele estava viúvo aos trinta e sete anos e com um filho já moço casado. Foi amor à primeira vista dizia ela, e seis meses depois minha mãe se converteu a religião e casou com meu pai como manda a tradição mulçumana.
Agora é minha vez de casar, fico me perguntando o porque eu não ter tido o direito de ter escolhido com quem me casaria ou sequer ter tido a oportunidade de ter me apaixonado por alguém à primeira vista.
O homem que escolheram pra mim nasceu no Brasil e morou com os pais no país por anos, ele é descendente de família iraniana muito respeitada na nossa cidade lá, me disseram que ele havia ido estudar na Europa e retornado ao Brasil para fixar residência enquanto os pais voltaram a viver no Iran. Meu pai também falou que esse será um ótimo marido para mim e que ele tem boas condições financeiras além do mais importante que ele não cansava de repetir várias e várias vezes: Hassan é de uma respeitável família mulçumana.
A profissão do meu futuro marido me assustou de certa forma, meus pais falaram que era concursado no Brasil, ocupava a função de delegado de Polícia no país já já alguns anos e que a família procurava uma noiva a altura para fechar o matrimônio. Me sentir uma coisa quando a mãe dele veio me avaliar, mas me comportei como sempre me ensinaram e passei na avaliação da senhora e nas palavras dela eu era recatada o suficiente e "perfeita" para o filho.

-A idade é perfeita, dezenove anos, é muito mais seguro casar com um homem mais velho, estabelecido e com um futuro promissor pela frente como meu filho Hassam.

Confesso que fiquei sem chão quando a mãe do meu noivo falou em "um homem mais velho", minha mente logo imaginou um idoso e minha mãe vendo meu desconforto cochichou no meu ouvido assim que dona Samira deu às costas para admirar nosso jardim pela janela.

-Aisha, o rapaz tem trinta e dois anos, mais jovem que seu pai quando me casei com ele. É um moço bom, bonito, é o melhor pra você.

Fiquei repetindo as palavras de minha mãe no pensamento "É o melhor pra você". Gostaria de perguntar se o melhor pra ela que foi meu pai também foi escolhido por terceiros, mas jamais me atreveria a tanto, minha criação foi muito rígida pra eu ter coragem de dizer algo contra ao que me foi imposto por meus pais. A mãe de Hassam me mostrou um retrato do filho nessa ocasião, a foto era do casamento da irmã, ele estava ao lado dela e dos pais. O rosto dava para perceber mesmo com a barba negra que estava carrancudo, estava vestido como o pai um típico mulçumano. Feio ele não era, mas era um desconhecido seria em pouco tempo meu marido, o homem que eu dividiria o resto dos meus dias, aquilo era assustador.

Meses após esse episódio aqui estamos para conhecer pessoalmente Hassam, isso mesmo, há uma semana do casamento. Hassam alugou uma casa há duas quadras da casa dele no condomínio fechado ao qual morava para meus pais e eu. Quando nos estabelecemos recebemos a visita dele no finalzinho da tarde do dia seguinte. Minha mãe me mandou inicialmente para o quarto e do apareci quando fui chamada.

Nervosa e de cabeça baixa como manda o recato de uma moça mulçumana e arrependida pela escolha da cor lisa do hijab, fiquei muda enquanto meus pais conversavam amenidades com Hassam. Só me propus a levantar os olhos quando meus pais com a desculpa de nos deixar trocar uma ou duas palavras foram à cozinha organizar o chá que seria servido.
Olhei para Hassam, ele não estava vestido como meu pai trajado com a vestimenta mulçumana, ele estava de terno e gravata, tão sério quanto na foto que dona Samira havia me mostrado. Minha espinha dorsal arrepiou de medo. Baixei os olhos novamente e sentada de frente pra ele com as mãos nervosamente no colo, Hassam sequer disse uma palavra aumentando ainda mais o constrangimento com todo aquele silêncio. Minutos depois que pareceram séculos estávamos todos na mesa da cozinha tomando chá com bolachas de aveia, eu mal me mexia e só conseguia engolir o chá que descia queimando da garganta ao estômago.
Quando aquela visita torturante terminou, eu me encontrava mais apavorada ainda se é que isso fosse possível.

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