capítulo único.

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SE ARREPENDIMENTO matasse, nesse momento Paula estaria morta e enterrada a sete palmos abaixo da terra. Ela estava se odiando por ser tão competitiva, se julgava de idiota desde quando perdera aquela aposta igualmente idiota. Ela resmungou por uma semana inteira, só ia de casa pro trabalho e do trabalho pra casa. Tudo isso porque teria um “encontro” com Carmem no fim da semana.

Desde que sofreu o acidente, trocou e destrocou de corpos, Paula achava que nada que passasse seria pior que aquilo. Depois daquele um ano, depois de descobrir que era tudo um jogo e ninguém morreria – não naquele prazo que lhes foi dado – ela achava que estava pronta pra qualquer coisa. Depois de descobrir que sua filha ainda estava viva, que era avó agora e de aceitar que Neném não iria ficar com ela, Paula realmente achava que nada mais poderia abala-la.

Mas estava errada.

Todos sabiam que Carmem estava completamente apaixonada por Paula, e faria de tudo para conquista-la, mas Paula (apesar de no fundo já saber que gostava igualmente da Wollinger) resistiria o quanto pudesse.

E aí surgiu a aposta.

"Se eu conseguir te beijar ainda essa semana, você sai comigo no final da outra." Carmem sugeriu, sabendo o quão competitiva Paula era.

"Eu vou aceitar só pra te ver perder. E se eu vencer?"

"Se você vencer eu nunca mais vou insistir em você. Nunquinha."

"Fácil demais. Aceito."

Não era fácil. Foi mais difícil ainda quando Carmem tirou-a para dançar na festa de lançamento da nova linha de cosméticos desenvolvidos por ambas. Ela estava tão perto, tão linda... e foi ali que Paula perdeu. Perdeu não só a aposta, como também a certeza de que não gostava nem um pouco da Wollinger. Derrotada, Paula foi para casa e passou a semana toda a beira de ter um treco. Ingrid e Flávia se divertiram com a crise existencial da mãe, é que na verdade, elas estavam torcendo muito pra que Paula perdesse mesmo.

Agora já pronta, ela se encarava no espelho com uma melancolia dramática no olhar. Flávia estava na cama amamentando a pequena Tigrinha, como fora apelidada, e Ingrid ajudou a mãe a se maquiar.

— Tá linda demais, mãe. — Flávia comentou.

Por um segundo, Paula esqueceu-se da sua atual situação e sorriu. Ela ainda não havia se acostumado a ser chamada de mãe por sua primogênita, mesmo estando a sete meses vivendo isso. Depois ela caiu na realidade de novo, bufou e se levantou. Por sugestão de Flávia, estava vestida com um vestido branco com flores cor de lavanda estampadas nele, combinando com o lugar que seria o encontro: no parque. Ela não gostava muito desse tipo de roupa, não era extravagante e não combinava com suas pulseiras e correntes douradas, nem com seus sapatos caros ou o tipo de maquiagem que gostava de usar. Seu cabelo estava parcialmente presso, outra coisa que não era muito agradável para a Terrare mais velha, só que se não fosse isso, eram suas filhas enchendo o saco até o dia seguinte.

— Queria ser uma pedra agora. — Resmungou.

— Queria nada, mãe. Você e a Carmem se amam, só falta você aceitar isso e ser feliz com ela, dona Paula. — Flávia protestou e se levantou ainda com a filha em seu colo, mas agora ela não estava mais sendo amamentada.

— A Flávia tem razão mãe. Você devia deixar seu orgulho de lado e ir ser feliz, poxa. Ela te ama muito e ia te fazer tão bem... — Colocou as mãos nos ombros da mãe e ficou parada atrás dela.

— Vocês duas são malucas, isso sim. Não sei de onde vocês tiraram que eu gosto daquela cobra. — Se desvencilhou do toque da filha mais nova e pegou sua bolsa. — Eu quero é acabar com isso logo e esquecer isso.

aposta | carrareOnde histórias criam vida. Descubra agora