𝟶𝟼𝟶

15.2K 1K 960
                                    

Russo permaneceu em silêncio, ignorando a minha existência a partir dali. Notei que quem dirigia era o Perninha, e às vezes ele me encarava pelo retrovisor interno, mas sem o divertimento costumeiro em seu olhar.

O caminho estava sendo percorrido em silêncio, e eu só rezava baixinho para que no final de tudo, Lara e meu filho ficassem bem. Sabia que o que me aguardava era algo horrível, mas quando liguei para o Perninha e passei a localização do Russo, assinei minha sentença de morte.

Olhei pela janela através do vidro fumê, a paisagem passando como um borrão enquanto as lágrimas desciam pelo meu rosto. Queria tanto ter a oportunidade de ver meu bebê nascer, de tocar seu rostinho e dizer o quanto o amava.

Mas eu iria morrer, se não fosse hoje seria amanhã. Ou depois, não sei. Não existia perdão para traição, e eu agradecia apenas por ele não ter me fuzilado inteira assim que me encontrou. Era isso que os bandidos faziam, afinal. E a coitada da Amanda poderia até ter sido uma vítima disso.

— Guarda essas tuas lágrimas de crocodilo para mais tarde, sua vadia cagueta! — O homem do meu lado reclamou e me deu um soco forte no braço.

Mordi o lábio para não soltar um gemido de dor e levei a mão até o local onde ele tinha batido, massageando devagar o local dolorido.

Olhei para Russo discretamente, mas o mesmo não devolveu a minha encarada. Pelo contrário, continuava me ignorando com o olhar preso no lado de fora da janela.

A sua testa estava levemente franzida, parecendo estar com o pensamento longe dali. Aproveitei para reparar com um pouco mais de atenção o seu perfil, o quanto ele continuava bonito apesar do maxilar travado de raiva.

Se eu me inclinasse alguns centímetros para frente, ficaria tão perto dele... talvez o suficiente para sentir o cheiro de seu perfume mais uma vez.

Balancei a cabeça e foquei meus pensamentos em ficarem distantes daquele carro. E não voltei a levantar a cabeça novamente até chegarmos na divisa com o Rio, onde havia uma blitz policial parada no sentido contrário ao nosso, mas perto o bastante para me ouvirem gritar caso eu decidisse fazer aquilo.

— Sem gracinha. — O cara do meu lado murmurou e senti o cano frio da sua pistola encostando na pele da minha cintura. Engoli em seco e o fitei. — Está me olhando por que? Posso saber? — Encolhi no banco quando o seu tom de voz aumentou.

Ele queria acabar comigo o mais breve possível, era notório.

— Deixa ela, porra. — A voz do Perninha interrompeu, e eu me virei surpresa. Ele saiu em minha defesa, apesar de continuar com o semblante fechado o tempo todo.

— Coé, vai ficar defendendo 171 agora? Não estou entendendo legal essa sua conversa, pô. — O cara rebateu, fazendo Perninha lhe mostrar o dedo do meio.

— Não estou defendendo, Bola. — Perninha negou, bufando. — Só que ela está grávida, não está vendo? Deixa a mina em paz.

— Foda-se, vai morrer do mesmo jeito, não é? — Bola olhou indiferente para minha barriga e em seguida deu um tapa na cabeça do Perninha. — Papo de otário, pô. Esse monstrinho vai queimar no microondas junto com a vagabunda da mãe dele. — A risada maldosa dele me deixou completamente apavorada.

Tentei disfarçar o quão desesperada aquele comentário me deixou, mas foi impossível. O bebê não tinha nada a ver com aquilo, será que nem mesmo um serzinho inocente não seria poupado de tamanha perversidade?

— Você não pode deixar que machuquem esse bebê, Russo. — Sussurrei em voz alta, ignorando o tremor das minhas mãos. Pelo meu filho, eu passaria por cima de tudo, até mesmo do medo da rejeição. — É o seu filho... — Não me dei conta do peso que tinham aquelas palavras até elas saírem pela minha boca. Aquela criança era algo de nós dois. Minha e dele.

Sombras do Amor [M]Onde histórias criam vida. Descubra agora