Os seis meses seguintes foram transformadores em todos os sentidos. Justin e Gabriel se tornaram oficialmente namorados e passaram a ser raros os dias em que não se viam. Incontáveis também foram os finais de semana na casa do Pine Hill, ainda que tenham decidido preservar a relação dos olhos da família Thompson. Ficaram sabendo de sua existência e se mostravam ansiosos por conhecer o brasileiro. A Justiça de Massachusetts, após pareceres positivos da assistência social e da Embaixada da Bélgica nos Estados Unidos, concedeu ao médico a guarda provisória de Matthew. Continuaram morando no segundo pavimento da casa da velha Gertrude, na Sherbrook Avenue, em Worcester. Apesar dos traumas físicos e, principalmente, emocionais, Matt estava se adaptando à convivência com Gabriel e o namorado. Passou com eles diversos finais de semana na casa do lago. Instintivamente, já havia ali uma relação de pais e filho. Nicole, apesar dos dezoito anos já completos e de várias objeções, acabou cedendo aos pedidos de Christian para que a relação fosse mantida em sigilo. Avaliando todas as possíveis variáveis, concluiu que o professor tinha razões suficientes. Além de Justin e Gabriel, apenas sua amiga Hannah sabia do namoro. Mas todos os demais perceberam que algo estava acontecendo, ainda que as suspeitas recaíssem sobre Thomas Marshall. Catherine não conseguia mais ser a mesma. Havia um vácuo entre aquilo que sabia, aquilo que desconfiava e tudo que poderia estar soterrado nos esconderijos de seu casamento. Edward, por sua vez, parecia bastante satisfeito com os progressos administrativos na ETS. Apesar de a crise financeira mundial ter se agigantado em 2009, tinham conseguido melhorar os índices da empresa e provavelmente conseguiriam sair ilesos do derrame planetário. Também tinha conseguido acalmar os ânimos das relações entre seus filhos. Na presidência e agora feliz, Justin parecia mais aberto à atuação de Ethan, sem que isso se tornasse uma batalha. Ethan e Helen, aparentemente, tinham desistido dos tratamentos de fertilidade e já começavam a cogitar a adoção como uma alternativa viável. Muito além de um filho, também estariam livres da pressão familiar, especialmente da tia Mildred, que não perdia uma oportunidade de destilar seu veneno. Ela deu uma pequena trégua em meados de julho, já que tio John foi internado após fortes dores abdominais. No fim, tudo ficou bem e à Mildred restava apenas reclamar da comida do hospital e dos dias em que se viu obrigada a ficar longe de casa. Quando as águas estão calmas, ainda que turvas, é mais fácil admirá-las e até mesmo criar uma estratégia de mergulho. Uma família é assim: está sempre transitando entre o pior dos tempos e o melhor dos tempos. — Ei, Gabe! Acabei de chegar à ETS. Você já está no UMass? — perguntou Justin, ao telefone. — Justin, você já está na ETS? Você está correndo muito na estrada. — Gabriel estava na sala reservada aos médicos. — Eu estava saindo de casa quando você ligou de Holden... e mal cheguei aqui e você já está na empresa?! — Eu não consigo ficar longe de você! — Justin tentava colar uma desculpa. — Só de pensar que eu estou lá em Holden sozinho e você aqui em Worcester, já fico desesperado. Quero chegar logo! Pelo menos aqui eu estou mais perto! — Não quero você correndo desse jeito! — Fique tranquilo. Eu sou ótimo motorista. — Justin queria mudar de assunto e falar sobre o que mais lhe afligia naquele momento. — Gabe, você está preparado pra essa noite? — Justin, se eu disser que estou tranquilo, certamente estarei mentindo! Até agora eu não entendi por que esse jantar tão repentino. — Ah! Eles já querem conhecer você há um bom tempo... Você sabe disso. E eu concordei com a mamãe quando ela disse que estava mais que na hora de levá-lo à nossa casa oficialmente. Preparado para os Thompson? — Eu não sei. Estou com um pouco de medo. — Não fique. Estão todos ansiosos pra saber quem é o homem de quem eu tanto falo! — Justin apontou outra questão. — Matthew vai conosco? — Não. Acho melhor uma coisa de cada vez — Gabriel argumentou. — E, além do mais, ele próprio já disse que não quer ir. Adivinhe por quê? — Posso imaginar... — Hoje é quinta-feira, dia da aula de violão! — Eu sabia! — Justin deu uma gargalhada ao telefone. — Será que vamos ter um filho músico em casa? — Como essas aulas estão fazendo um bem enorme, acho que ele pode ficar aqui. Não vão faltar oportunidades para que sua família o conheça. Acho que será até melhor... Assim ninguém se assusta num primeiro momento! — Bom, como vocês acharem melhor... — Ele vai ficar com a Nancy essa noite. Já combinamos. — Perfeito! — Justin, mesmo ao telefone, ouviu o som do hospital chamando pelo namorado: "Dr. Gabriel Campos... Dr. Gabriel Campos, por favor, compareça à sala de cirurgia cardíaca". — Meu amor, estão me chamando na cirurgia. — Tudo bem, eu ouvi. Te pego às seis, então? — O.k. Vou ficar esperando. — Mamãe está preparando o famoso cordeiro assado. — Antes de subirmos, vou querer passar na Bloomer's. — Tudo bem. Te pego às seis em casa. — O.k. — Gabriel respirou fundo. — Justin, eu te amo! — Eu também te amo... muito! Catherine estava ansiosa pela chegada do filho com o namorado. Sabia que tudo naquela noite deveria ser perfeito. Era a primeira vez que Justin levava alguém para conhecê-los pessoalmente. Tinha certeza de que se tratava de um homem especial, que estava mudando a vida de seu filho, mais alegre e vivo nos últimos meses. Sabia também que Justin era um homem pragmático e só havia aceitado a proposta do jantar por ter certeza de que aquela era uma relação pela qual estaria disposto a apostar o futuro. Mais que qualquer outra pessoa, Cathy torcia pela felicidade do filho. À exceção de Nicole, que ainda não tinha chegado da WRHS, e de Mildred e John, que não foram convidados por razões óbvias, os demais já estavam na sala, aguardando o novo casal. Cathy e Helen conversavam sobre a notícia de que uma grande loja de departamentos pretendia abrir uma filial em Holden. Ed e Ethan estavam entretidos discutindo sobre corridas de automóvel. Ouviram quando o Hummer de Justin roncou na subida até a garagem. — Chegaram! — Cathy anunciou, feliz. Justin e Gabriel entraram pela cozinha, onde o perfume do cordeiro assado era inspirador à fome. O médico ficou ainda mais tenso ao passar pela sala de jantar e observar a extraordinária mesa preparada. Suou frio naqueles segundos que antecederam a apresentação à família Thompson. Sentia-se jogado aos leões. — Você deve ser o Gabriel... — Edward veio ao encontro dos rapazes, estendendo a mão em cumprimento ao médico. — Seja muito bem-vindo à nossa casa. — Boa noite, Sr. Thompson! — Gabriel sentiu a força daquele homem em seu aperto de mão. — É uma honra conhecê-lo. Gabriel Campos — apresentou-se. — Por favor, me chame de Ed. — O.k., Edward — o médico sorriu e olhou para Justin, que se mantinha calado, falseando a tensão que o acometia. — Essa é minha esposa, Catherine — Edward estendeu a mão à mulher, trazendo-a ao núcleo das apresentações. — Ah! Cathy, por favor — ela tratou de abraçar aquele que, a partir daquele momento, passaria a ser oficialmente seu genro. — Seja bem-vindo! Estou muito feliz com a sua presença aqui e espero que fique à vontade. — Muito obrigado, Catherine! — Gabriel retribuiu com um sorriso franco. Ofereceu à sogra um buquê de íris azuis entremeados por rosas amarelas, com um levíssimo toque de lavanda, numa mistura brilhante que fazia lembrar um céu ensolarado. — São pra você — entregou as flores à Cathy. — Oh! Meu Deus! — Cathy ficou visivelmente emocionada. Tratava-se de uma delicadeza perfeita. "Há quanto tempo não recebo flores", pensou. — Muito obrigada. Que delicadeza! Muito gentil de sua parte. Obrigada. — Esses são... Ethan, meu filho mais velho, e Helen, sua esposa. — Ed seguiu o ritual das apresentações, agora incluindo o filho e a nora, que se aproximaram. — É um prazer conhecê-lo, cunhado! — Ethan parecia simpático, mas acabou soando uma afinidade burlesca. — Igualmente — Gabriel ruborizou. — Vejam só o que eu trouxe para o jantar — Justin assumiu a palavra, antecipando-se a qualquer constrangimento que aquele cumprimento de Ethan pudesse provocar. Mostrou as duas garrafas de vinho que tinha nas mãos. — Cabernet Sauvignon, 1993. — Vamos, sentem-se! — Ed apontou os sofás. — Gabriel, quero que você se sinta completamente à vontade — Cathy tinha sinceridade viva e receptiva. — Você quer beber alguma coisa? — Obrigado, Catherine. Não se preocupe. — Eu tenho uma sugestão! — disse Edward, antes de se sentar. — Bourbon! — percebeu que todos assentiram. — A presença do dr. Gabriel em nossa casa merece ser festejada. Ethan e Helen não esperaram a indicação, correram à cozinha e trouxeram a bebida e as taças. Depois de todos serem servidos, Edward os convocou a ficar de pé para um brinde. Estava prestes a erguer a taça, quando escutaram o carro de Nicole chegar. — Perfeito! — alertou Catherine. — Nicky acabou de chegar! Vamos aguardá-la para o brinde. Nicole chegou apressada pelos fundos. — Perdoem meu atraso! — anunciou Nicky, passando por Justin, a quem destinou um beijo no rosto, e se dirigindo a Gabriel. — Olá, Gabe! — todos estranharam aquela intimidade. Mas Nicole adiantou-se às explicações, colocando-se entre o casal e os abraçando. — Vocês acham mesmo que meu irmãozinho encontraria o amor de sua vida e eu não iria conhecê-lo primeiro?! — brincou, automaticamente respondendo ao questionamento de todos. Justin apenas inclinou a cabeça, em confirmação. — Como vai, Nicky? — Gabriel vacilou. — E como está o Christian? — Quem é Christian? — disseram Ed e Cathy, simultaneamente. Só então o médico percebeu a gafe perigosa. — É um amigo... de Worcester... que temos em comum... — Justin tentou remendar. É claro que não convenceu ninguém. A desconfiança ficou patente nas expressões. Mas aquela não era uma noite para discussões. Helen foi à cozinha e trouxe mais uma taça para Nicole, servindo-a com o Bourbon. Edward tinha um tom discursivo: — Dr. Gabriel — Ed percebeu quando o médico fez um leve sinal de reprovação por aquele tratamento mais formal. — O.k. Gabriel. Sua presença esta noite em nossa casa, além de muito bem-vinda, reforça a certeza de que somos uma família cada vez mais feliz — fez uma pequena pausa, quase dramática. Entrelaçou seus dedos aos da esposa e prosseguiu. — As famílias, assim como as árvores, quando bem cuidadas, regadas e adubadas, tendem a crescer. Desenvolvem raízes profundas... — sorriu para Cathy, apertando sua mão — criam galhos frondosos e nos dão belos frutos... — percorreu com os olhos, carinhosamente, cada um dos filhos e, em seguida, fixou-se em Gabriel. — Com o tempo, o pássaro se aproxima em busca de alimento e abrigo. Presenteia-nos com seu pouso, sua lealdade e seu canto. E quando se sente seguro, constrói seu ninho e traz ao mundo seus filhotes — contemplou todos, percebendo a emoção coletiva. Voltou a Gabriel, incluindo Justin. — Ele sabe que a árvore sempre estará ali... Sabe que pode confiar nela. Que você seja o pássaro que pousou em nossa árvore e que construa aqui seu ninho. Seja muito bem-vindo à família Thompson! — Ed ergueu sua taça, conclamando o brinde: — Ao Gabriel! — Ao Gabriel! — repetiram todos, em uníssono, brindando. — Muito obrigado! — o médico também tinha se emocionado com aquela recepção. — Eu não sei como agradecer a... Gabriel foi interrompido pelo casal que chegou à sala. — Eu sabia que vocês estavam aprontando alguma coisa! — disse Mildred, sorrindo quase em deboche e escondendo sua revolta por ela e o marido terem sido excluídos daquele momento familiar. — Ed, Cathy — John Collins estava constrangido. — Perdoem nossa invasão. Eu não sabia que vocês estavam recebendo visitas e a porta dos fundos estava aberta... — Não se preocupe, John! — Edward estendeu-lhes a mão. — Juntem-se a nós! Estamos recebendo o dr. Gabriel Campos, namorado do Jus... — não conseguiu terminar. Mildred avançou ao cumprimento. — Oh! Meu Deus! Que bela notícia! — abraçou com força Gabriel, que lançou um olhar de estranheza para Justin. Mildred prosseguiu. — Que felicidade! Finalmente teremos um novo sobrinho, John! Meu nome é Mildred Thompson Collins. Eu sou irmã do Ed, tia do Justin e sua tia a partir de agora! Esse é meu marido, John Collins... Nicole segurava o riso enquanto dividia o olhar entre Cathy, Justin e Ethan. Estavam todos perplexos com aquela invasão da tia. No entanto, conheciam-na. Era completamente impossível excluí-la das reuniões familiares. Como sempre, ao menor sinal ou movimento, lá estava ela para provar sua sagacidade, ainda que inapropriada. — Vocês não vão acreditar como eu descobri que estavam planejando um jantar especial! — provocou Mildred. — Bárbara me disse que encontrou Leena no supermercado e que ela tinha ido buscar um cordeiro inteirinho para os Thompson. Daí eu pensei... eles estão planejando um jantar pra hoje e Cathy fará seu assado! — a tia parecia extasiada com seu espírito invasivo, considerando-se uma detetive de primeiro gabarito, tal qual a personagem Miss Marple de Agatha Christie. Mas não poderia perder a oportunidade de alfinetar, especialmente a cunhada. — Mas fiquem tranquilos! Na hora eu concluí... minha querida Cathy deve ter ligado várias vezes para nos convidar, mas ficamos fora de casa boa parte do dia. São tantos compromissos, não é mesmo?! Um jantar em família é sempre um perigo. Com nove pessoas sentadas à mesa dos Thompson, a ameaça era real e imediata. A qualquer momento aviões de dúvidas poderiam ser arremessados às torres de sentimento, ou centenas de camicases venenosos poderiam despencar sobre os navios ancorados em território supostamente neutro. Horas em uma mesa familiar, com convidados frente a frente, intimidam. É uma espécie de preâmbulo para uma nova Guerra do Vietnã, sem perímetros assegurados, sem as clássicas linhas de frente ou operações em zonas previamente delimitadas. A qualquer momento, um vietcongue pode sair do buraco de suas frustrações e abrir fogo contra os civis apaixonados. No entanto, e pela primeira vez em muitos anos, o jantar daquela noite foi de extrema pacificação. Talvez a presença de Gabriel tenha colaborado para equilibrar as forças ou atrair as atenções, atenuando passados hostis. Todos pareciam felizes, sorridentes, comemorativos. Uma noite agradabilíssima. Edward acabou descobrindo que, assim como Ethan, seu "recém-empossado" genro também dividia uma paixão por corridas de automóvel. E não apenas isso: tinham opiniões bastante simétricas sobre carros, motores, pilotos e afins. Chegaram ao ponto de fazer apostas sobre quem faria a pole position e quem seria o vencedor do Grande Prêmio de Cingapura, a próxima corrida. Da mesma forma, Ethan parecia estar gostando sinceramente do novo cunhado. Gabriel também conseguiu mimar uma atenciosa Catherine e agradar Mildred e John com sua elegância e distinção. A tia parecia disposta a dar uma trégua, num acordo velado, em que ao médico brasileiro caberia a missão de revelar-lhe verdades e conselhos a respeito de remédios e de doenças. Já Helen parecia bastante perdida e, como sempre, silenciosa. Ousou dois ou três diálogos e passou boa parte da noite indiferente. Como todos pareciam estar com suas bandeiras brancas hasteadas, Nicole também o fez. Ninguém se lembrava de quando tinham conseguido tê-la à mesa por tanto tempo e com tão bom humor. E Justin transpirava felicidade, plena e absoluta. "Quantos homens desejam que seus namorados sejam recebidos dessa forma pela própria família?", perguntava-se em pensamento, ao contemplar a mesa de jantar dos Thompson naquela noite e passar seus pés pela panturrilha do amado, sentado à sua frente. Ainda assim, ninguém mergulharia em ilusões. Não há espaço para estúpidos ou masoquistas. O único cordeiro presente estava assado sobre a mesa e servia de alimento aos nove leões famintos, porém em momento pacífico. Ao final da ceia, quando todos já estavam acomodados na sala de estar e assuntos frugais começavam a adentrar a roda da conversa, Justin raptou Gabriel para um passeio, no qual pretendia apresentar-lhe a casa e os famosos jardins de sua mãe. Enquanto passeavam de mãos dadas pelo gramado adornado por azaleias, conversavam sem reservas. — O que você está achando dos Thompson? — questionou Justin. — Sua família é adorável, Justin! — Minha família? Nossa família, Gabe. Você já faz parte dela. — Eu realmente me senti acolhido. — Ótimo! Nem eu esperava que pudesse ser tão perfeito! — Justin parecia ainda não acreditar. — Até o Ethan foi simpático com você. — O que tem ele?! Parece ser um homem inteligente, bem articulado, muito educado. — Gabe, você não viu nada! — Justin sorriu. — Meu irmão sempre foi muito ranzinza, um chato. Mas você parece ter conquistado todos, até tia Mildred! — gargalhou. — Sua tia tem problemas, Justin! — Muitos! Os rapazes sentaram numa das laterais do imenso jardim, em um dos bancos de madeira iluminados por pequenos postes de luz. Gabriel lembrou-se de desculpar-se pela gafe relacionada a Nicole e Christian: — Me perdoe por ter exposto sua irmã. Eu me esqueci completamente de que o namoro dela ainda é mantido em sigilo absoluto. — Não se preocupe. Ninguém parece ter desconfiado. — Eu não sei. Acho que seus pais perceberam. — Ainda que o tenham percebido, o máximo que farão é chamar Nicole para uma conversa, o que não vai ser ruim. Já está na hora de ela acabar com isso e revelar a verdade à nossa família. — Justin, ao mesmo tempo que tentava tranquilizar o namorado, também sabia que aquela relação não poderia ficar mais tempo encoberta. — Depois eu me desculpo com a Nicky — insistiu Gabriel. — Não se preocupe, Gabe. Fique tranquilo. — Tudo bem, então. — E quer saber a verdade? Não acredito que Nicole esteja realmente apaixonada pelo Christian — previu Justin, conhecedor do temperamento da irmã. — Ela não gosta de Holden. Nicky é o contrário de todos nós: é cosmopolita, gosta das metrópoles. Não tem paciência para os assuntos e para todo esse ar provinciano. E mais: é uma sonhadora incorrigível! — Vocês não se dão o direito de sonhar? — questionou o médico, tentando compreender seu namorado. — É isso?! — Claro que sonhamos! Mas sonhamos com aquilo que podemos conquistar. — Então não são sonhos. São só desejos — afirmou Gabriel, categórico. — O desejo me parece algo mais próximo à realidade ou à conquista, como você se referiu. Já os sonhos estão um andar acima, na quase intocabilidade. São eles que nos fazem subir o tempo todo. E os desejos são os degraus dessa subida! — filosofou, prosseguindo. — Quando conquistamos um desejo, subimos um degrau a mais em busca dos nossos sonhos. — É possível — concordou Justin, lançando uma questão. — Então quando não conseguimos realizar um desejo, também significa que estamos descendo um degrau? — Nem sempre — respondeu Gabriel, prontamente. — Algumas vezes descemos muitos degraus. Algumas vezes ficamos apenas onde já estávamos, com algum vazio à frente. Mas daí surgem novos desejos, novas conquistas e seguimos o percurso — o médico procurou um sentido mais positivo. — Percebe que, mesmo quando nos frustramos com algum desejo não realizado ou perdido, os sonhos sempre resistem, sempre permanecem? — tentou concluir. — Se Nicky é uma sonhadora, que seja ela mais uma caçadora! — Mas ninguém pode viver de sonhos, Gabe! — Eu não disse isso! Não disse que se deve viver de sonhos! Falei que é saudável e legítimo tê-los. — Eu não sei... — Justin tergiversou. — Qual é o seu medo, Justin? Que Nicole conquiste seus desejos e acabe realizando seus sonhos? Medo de ela sair do campo de visão da família e ganhar o mundo? Ela já nos provou que isso é possível. — Tenho medo de que Nicole sofra, só isso. — Justin, nem você, nem eu, nem seus pais podemos controlar isso. Seja aqui ou em Boston, seja na Inglaterra ou em Tombuctu, o que tiver que acontecer com sua irmã, acontecerá. Não cabe a nenhum de nós decidir isso ou tentar protegê-la de tudo. — Gabe, eu concordo em partes — Justin era, de fato, um homem protetor. — Eu acredito que nós somos aquilo que defendemos. — Então a defenda, Justin. Mas sem aprisioná-la. O casal trocou um profundo olhar. Após um breve silêncio reflexivo, Justin provocou. — Gabe, quais são seus desejos e seus sonhos? — Bom, eu tinha três grandes desejos... ser médico, morar nos Estados Unidos; e construir uma família. — Gabriel fez uma pequena pausa e prosseguiu. — Sou médico, já estou morando aqui e uma família se materializou hoje à minha frente. — Esses são os seus desejos — Justin se aproximou de Gabriel. — Como você disse, os degraus para um sonho maior. Já que você subiu essa escadaria, será que eu mereço saber qual é esse sonho? — Viver o grande amor da minha vida — respondeu Gabriel. O beijo, longo e apaixonado, foi inevitável