obsolescência planejada

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O final de 2009 determinou alguns caminhos importantes na vida da família Thompson. Enquanto as folhas amareladas davam lugar à fina camada de neve, a chegada de Gabriel parecia aquecer as almas e acalmar os ânimos. Uma pessoa pode transformar a vida de todo um grupo. Na maioria das vezes, basta uma ponte para que muitos atravessem com tranquilidade as águas turvas. Consagrava-se a real sensação de que um novo tempo se descortinava aos Thompson. Tudo parecia diferente. No entanto, muitas vezes corremos o risco de estar diante de uma espécie de obsolescência planejada. No universo capitalista, esse é o comportamento adotado por algumas empresas ao projetar, deliberadamente, produtos que em tese deveriam ser duráveis, mas que são criados para deixar de funcionar em um período de tempo calculado. Suas origens remontam à época da Grande Depressão, quando alguns perceberam nesse truque uma forma eficaz de movimentar a economia, pressionando consumidores a compras sucessivas de produtos com validade limitada. A chegada de 2010 acabou colocando em xeque muitas certezas e revolvendo as águas aparentemente calmas desse lago familiar. O primeiro problema era evidente: apresentar Matthew aos Thompson. — Gabe, eu ainda não me conformo! — dizia Catherine ao telefone. — Você não ter passado o Natal conosco foi imperdoável! — Cathy, eu não tinha como sair do UMass naqueles dias. Meus plantões caíram justamente no Natal e no Réveillon. Eu não tinha como ir... — Gabriel já contara essa história diversas vezes, mas sua sogra parecia não cansar de cobrar-lhe. — Há algo errado entre você e o Justin? Você pode me dizer. Se eu puder ajudar... — Não. Claro que não! — ele sabia que havia sim uma questão em curso, mas tinha razões suficientes para não dividi-la com os Thompson. — Fique tranquila, Cathy! O Justin ficou um pouco chateado com a minha escala nas festas de fim de ano, mas já está tudo bem! — E quando vamos nos ver novamente? Que tal outro final de semana em Pine Hill? — Eu adoraria! Mas aquilo lá deve estar congelando! — É justamente por isso que eu adoro o inverno lá! Obriga-nos a ficar aconchegados dentro de casa! — Cathy ria de suas próprias teorias. — Bom, hoje ainda é quarta-feira. Podemos tentar no sábado, o que você acha? — antes que Gabriel tivesse uma resposta, o bip da chamada em espera anunciava que Justin estava ligando. — Cathy, podemos nos falar mais tarde? Justin está me ligando. — Claro, meu querido! Vamos combinar o final de semana! Tchau! Gabriel passou a falar com o namorado. — Oi, meu amor! Bom dia! Adivinhe com quem eu estava falando agora? — Mamãe! — Justin tinha certeza disso. — Ela mesma! Até hoje me cobrando a ausência no final do ano. — Mas eu também não me conformo com isso, Gabe. Quando é que vamos resolver essa questão? Não vamos poder esconder isso da minha família por muito tempo. — Você sabe o que eu penso... — Eu sei, mas você não acha que isso está indo longe demais? — Não sei se é a hora certa de contar aos seus pais sobre o Matthew. Imagine só: nós não fizemos um ano de namoro e já temos, indiretamente, um filho?! O que Ed e Cathy vão pensar disso?! — Gabe, eu já disse... nós devemos contar toda a história. Tenho certeza de que eles vão compreender. — Justin também não compreendia bem o porquê daquelas insistentes negativas do namorado. Argumentou: — E quer saber mais? Acho que eles vão adorar! O Matthew é um garoto extraordinário. — Eu não teria tanta certeza assim. — O que está acontecendo, hein?! Acho que precisamos conversar. — O que você acha de almoçarmos juntos no D'Angelo? Realmente chegou a hora de conversar algumas coisas com você. — Helen, onde está aquela minha gravata verde? — Ethan se arrumava, já atrasado para uma reunião. Ainda teria que descer de Holden para Worcester. — Querida, você não está me ouvindo? — Eu não sei, Ethan. Não sei onde está... — aproximou-se do quarto, considerando de pouca importância a demanda do marido e falando ao telefone com o United States Post Service. — Querido, coloque outra. Há tantas no closet. — Eu não quero outra! Quero minha gravata verde! — Então procure! Eu agora não posso... Helen vinha enfrentando essa batalha com o USPS desde o ano anterior, quando uma de suas encomendas extraviou e ninguém lhe deu quaisquer explicações plausíveis. Ora afirmavam que o produto havia sido entregue, ora diziam apenas que não conseguiam localizá-lo no sistema. Ameaçou processá-los, mas tinha convicção de que não poderia fazer isso de fato, nem chamar a atenção para sua compra. Da mesma forma, temia pelo destino que foi dado à encomenda. Nicole tinha acabado de chegar à Wachusett Regional High School para o curso de inverno, quando foi interpelada pelo amigo Thomas Marshall, ainda no estacionamento. — Quanto tempo você pretende continuar enganando as pessoas? — questionou Thomas, sem rodeios. — O quê? Do que você está falando? — respondeu Nicky, antevendo o caminho que seu amigo pretendia seguir. — Você sabe muito bem do que eu estou falando... — Não. Não sei! E se você não se incomoda, eu estou atrasada pra aula do curso. — Nicole tentou desconversar e ir embora, mas foi segurada pelo braço. — Não faça isso com você, Nicky — apesar da situação, Thomas tinha uma voz doce, quase protetora. — Quantos anos ele tem? Quarenta? Quarenta e cinco? Você ainda não tem vinte anos. — Isso não é da sua conta, Thom! — É, sim. Eu sou seu amigo, gosto de você... — ele percebeu que conseguira alguma atenção da garota. — Nicky, você me conhece há quanto tempo? Desde que éramos bebês, certo?! — Não estou entendendo aonde você quer chegar. — Nós somos amigos desde que éramos crianças. Dividíamos o berçário enquanto nossas mães trabalhavam na Gale Library... Corríamos juntos pelos corredores do supermercado... Desde o primeiro dia de aula, você e Hannah sentavam juntas no ônibus escolar e guardavam o lugar atrás pra mim. Lembra quando você teve catapora? — Eu fiquei parecendo a superfície da Lua! — Nicole parecia estar cedendo. — No dia seguinte, quando Hannah disse que você estava doente, eu saí da aula e fui correndo pra sua casa. Eu precisava vê-la. Precisava saber como você estava — Thomas estava apelando a sentimentos e saudosismos que nunca tinha dividido com outra pessoa. — Quando cheguei lá, sua mãe disse que você estava bem, mas que eu não poderia vê-la, porque aquilo que tinha era contagioso. Fiquei desesperado. Achei que você fosse morrer. Fingi que tinha ido embora e fiquei escondido atrás da antiga garagem da sua casa, de onde eu conseguia avistar seu quarto. Eu precisava vê-la de qualquer forma! — Eu me lembro disso — Nicky abriu um leve sorriso com aquela recordação. — Você jogou pedras dentro do meu quarto. — Fiquei horas escondido ali e você não aparecia. Eu precisava chamar a sua atenção! Assim que me viu, você veio correndo. Usava um vestidinho azul-claro, com flores brancas e amarelas e estava com o corpo cheio de pintinhas vermelhas. — Eu me lembro disso. Estava horrorosa! — Pra mim você continuava linda! — Thomas, que ainda segurava o braço da amiga, escorregou sua mão até encontrar a dela. Olharam-se fixamente. — Você chegou correndo, não falou nada, apenas me abraçou e me deu um beijo na boca. — Por que você está lembrando isso agora? — Porque eu nunca consegui esquecer! — Claro! Alguns dias depois, você acabou adoecendo. Ficou engraçado, cheio de pintas vermelhas também. — Não importa! — Thomas baixou um tom na voz, incorporando definitivamente o ar romântico. — Eu já estava contaminado havia muito tempo. Aquele beijo apenas acendeu todas as minhas luzes, tudo que eu já sentia por você e não sabia bem o que era. — Thom, eu sei aonde você quer chegar e não acho razoável... — Nicole não conseguiu terminar a frase. — Eu amo você, Nicky! Sempre amei. Thomas puxou a garota e deu-lhe o beijo na boca que esperava repetir desde os tempos de criança. No início Nicole até ofereceu alguma resistência, mas sentiu seu corpo ceder e as pernas e braços titubearem. Escondido atrás dos carros, no estacionamento da WRHS, Christian ouvia toda a conversa e acompanhava a cena. Não sabia como reagir. — Você perdeu a cabeça? — Nicole afastou o garoto e deu-lhe um tapa na cara. No fundo, tinha gostado do beijo e não pretendia repreender Thomas. Mas ela estava namorando. A hipocrisia social ordenava uma reação clichê. Após a bofetada impulsiva, seus lábios tremiam em receio, e tinham o sabor das boas memórias. Ainda assim, prosseguiu. — Você não tinha o direito de fazer isso, Thom! — Ele é um velho, Nicky! — gritou o garoto, em alto e bom som. — Você não o ama! — Cale sua boca! — ela respondeu à altura, mesmo trêmula. — Você não tem o direito de achar que sabe o que as pessoas sentem. — Quanto tempo faz desde aquele primeiro beijo, escondidos atrás da garagem da sua casa? Dez anos? Onze anos? — Thom parecia determinado a convencê-la. — O que mudou de lá pra cá? — Tudo! — Nicky foi rápida na resposta. — Nós mudamos. Nós crescemos! — Esse é o ponto... nós crescemos! E fizemos isso juntos. Vivemos de perto nossas mudanças. Dividimos dúvidas. Compartilhamos uma história! — ele voltou a segurar as mãos da garota. — E aqui estamos nós, muito diferentes do que éramos há uma década, mas num mesmo patamar de evolução, num mesmo degrau da vida! Pra nós, isso é possível ao longo de toda a escada. — Thomas, você... — Nicole foi novamente interrompida. — Você consegue imaginar a sua vida com esse cara daqui a vinte anos? — Não seja idiota! — Você é quem não deve ser idiota. Daqui a vinte anos, você ainda não terá chegado aos quarenta. Estará no auge da vida, provavelmente chegando ao topo da carreira. Ainda vai conseguir fazer muitos planos, desejar muitas coisas e com metade da vida pela frente. — Thomas fez uma pausa breve. — E ele? Quantos anos terá nessa época? Sessenta? Sessenta e cinco? Já estará muito mais perto do fim. Será que ele vai conseguir acompanhar você no auge? — Isso é um absurdo, Thomas! — Nicole parecia revoltada, mas aquela linha de raciocínio já tinha lhe passado pela cabeça e era temerária. — Não! Não é um absurdo. Essa é a lei da vida, Nicky. — Uma análise bastante preconceituosa, de sua parte, para a lei da vida. — Quero ver você falar em preconceitos quando estiver na idade da loba, sedenta, repleta de desejos. E pra ele tentar e só tentar chegar perto de saciá-la, vai ficar refém dos "comprimidinhos azuis", sem calor, sem paixão, sem prazer verdadeiro. Tudo artificial... — Você não sabe a besteira que está falando. — Eu até posso não saber tanto sobre a besteira que estou falando. Mas agora, olhando nos seus olhos, vejo que você sabe exatamente a besteira que está fazendo com a sua vida e com a dele. — Thomas, ao concluir, fez a saída perfeita. Aquela que deixa a outra parte sozinha, imersa à reflexão. Deu as costas para Nicole e seguiu caminhando para a porta central do prédio da WRHS. Sem quebrar o ritmo dos passos, virou-se apenas para colocar sua última pitada naquele caldeirão de dúvidas remexido: — Pense nisso, Nicky! Pense nisso. Justin estava na sala da presidência da ETS quando sua secretária anunciou que Emma Elmhirst, assessora de imprensa da empresa, precisava de uma reunião imediatamente. Pediu que ela entrasse. — Olá, Emma, bom dia! — recebeu-a com afeto, apesar de apreensivo. Justin conhecia bem o trabalho da jovem Emma. Assim que assumiu o comando da ETS, ele próprio tinha avaliado seu currículo e decidido por sua contratação após uma entrevista extremamente articulada e bem-sucedida. Sabia que Emma jamais solicitaria aquela reunião imediata se não fosse por um bom motivo, digno de sua rápida atenção. — Bom dia, presidente! — a assessora tinha o ar grave. — Me desculpe por interrompê-lo de forma tão brusca e sem avisá-lo com antecedência, mas nós temos um problema em curso. — Tudo bem. Eu estava apenas assinando algumas ordens de pagamento. — Justin assinou o último cheque, entregou os documentos à sua secretária, autorizando-a a deixar a sala e fez sinal para Emma sentar-se à sua frente. — Sente-se. Qual é o problema? — Há alguns meses venho observando eventos estranhos nas filiais da ETS. Estranhos e coincidentes. No início eu os vi isoladamente, mas, agora, estou percebendo que eles estão interligados. — O que está acontecendo, Emma? — Justin sentiu a tensão pairar. — Estou começando a ficar assustado. — Pode ser assustador, sim. — A assessora colocou sobre a mesa uma pasta escura, repleta de documentos impressos e clippings de jornais, revistas e portais regionais, de onde sacou uma folha com apontamentos. Pediu licença, levantou-se e foi até o grande mapa da região da Nova Inglaterra, pendurado na parede esquerda da sala da presidência. Nele estavam marcadas todas as duzentas e dezesseis filiais da ETS. Prosseguiu, utilizando alfinetes de cabeça alaranjada. — No final de 2008, a ouvidoria nos encaminhou algumas reclamações de clientes de Pittsfield. — Eu me recordo. — atravessou Justin. — Alguns carros que nós vendemos apresentaram panes e outros problemas eletrônicos. Na época, tio John foi até lá e constatou que aquela série de veículos tinha sido fabricada com um pequeno defeito. O relatório dele está nos arquivos. Nós comunicamos à montadora e foi feito recall gratuito aos clientes de Pittsfield. A ETS efetuou o reparo e as trocas necessárias sem cobrar dos consumidores e, depois, os fabricantes pagaram à ETS pelo serviço prestado. — Exatamente — assentiu Emma. — Nos dois meses seguintes, fizemos a mesma coisa para os clientes de Barre, em Vermont; de Dove, em New Hampshire; e de Rumford, no Maine. — E o fabricante assumiu todos os custos do recall que nós fizemos. — Isso mesmo — confirmou. — Parecia um fato isolado que afetou apenas um serial de veículos, de uma única montadora. — Emma, aonde você quer chegar? — Justin acompanhava atentamente a explanação da assessora de imprensa. — Não foram fatos isolados? — Receio que não, presidente. — Ela assumiu um tom quase didático. — Mas antes eu preciso colocar um ponto, um preâmbulo — fez uma breve pausa e prosseguiu, certa da atenção do chefe. — Há alguns anos, alguns bombeiros da Califórnia atentaram para uma lâmpada antiga que funcionava diuturnamente, sem nunca ter sido trocada. Ficaram curiosos e quando viram sua data de fabricação ficaram assustados. Ela datava de 1901! Foi feita para durar, assim como praticamente tudo o que a indústria produziu até a década de 1930. Em relação a esse caso específico, uma lâmpada hoje não dura muito. Ela queima automaticamente depois de um período relativamente curto. Daí, o consumidor é obrigado a comprar novas lâmpadas com frequência, o que garante um volume constante de produção na fábrica e, obviamente, um padrão linear nas vendas de mercado. A partir da década de 1930, logo após a Grande Depressão, essa passou a ser a estratégia da maior parte das indústrias. Um vício capitalista, digamos assim. Essa prática passou a ser chamada de Obsolescência Planejada: um bem durável é projetado para não ser tão durável assim. De forma antiética, ele é produzido com um prazo de validade calculado apenas para beneficiar o fluxo comercial. Uma lâmpada instalada na sua casa hoje, e sem precisar considerar as muitas interferências do meio externo, está programada para um colapso, para queimar, após mil horas de uso. E você vai ter que comprar outra! — O.k. Prossiga. — Justin estava completamente absorto às palavras de Emma. — Em muitos países, essa estratégia comercial é considerada uma violação de direitos do consumidor. Mas em praticamente todo o continente americano isso não é um crime em potencial. A indústria acabou adotando os prazos de validade oficiais e o famoso "período de garantia do fabricante". Em suma, encontraram uma forma tergiversa de legalizar a Obsolescência Planejada. — E então? — ele queria entender como isso poderia afetar a ETS. — Bom, no ano de 2009, nós recebemos reclamações sistemáticas de clientes com pane elétrica nesses lugares. — Emma levou algum tempo para colocar todos os alfinetes alaranjados para marcar as cidades a que se referia. — São cento e cinquenta e oito filiais, espalhadas pelos seis estados da Nova Inglaterra, com ocorrências maciças em Connecticut e Rhode Island. — Meu Deus! — Justin estava boquiaberto com o número de casos e com os indícios do relato. — Presidente, essa história não acaba aqui. — Ainda tem mais? — ele franziu o cenho. — Infelizmente. — Então prossiga, por favor. — Em Connecticut a situação parece ser mais grave: as reclamações sistemáticas de panes elétricas em veículos comprados na ETS, ou que passaram pelas revisões oferecidas pela nossa empresa, são, em sua maioria, de imigrantes. Especialmente consumidores hispânicos, italianos, latino-americanos e asiáticos. — Emma, você tem esses números? — Sim, senhor — a assessora sentou-se novamente à mesa, alcançou sua pasta e retirou um relatório com cerca de duzentas páginas. Folheou o volume e afirmou: — Só em Connecticut, as reclamações de imigrantes somam sessenta e três por cento do total. — Isso é assustador, Emma. — Justin parecia não acreditar que fosse possível tudo aquilo. — Como os ouvidores não informaram sobre isso? — Eles informaram, sim, presidente! Tanto que eu consegui reunir esses dados para lhe apresentar esse relatório. Eles informaram aos setores responsáveis, ou seja, o Comercial e o Financeiro. — Ao Ethan e ao tio John — concluiu Justin, respirando fundo. — Qual foi a medida adotada? Quero dizer... pelo menos na maioria dos casos? — Em todos os casos foram adotadas as mesmas medidas de 2008, porém, agora, em larga escala. — Só pra que deixemos as coisas bem claras... você está desconfiando que a ETS esteja praticando, deliberadamente, uma espécie de Obsolescência Planejada nos carros que vendemos ou que revisamos? — Por enquanto é só uma desconfiança, baseada em números oficiais. — Emma estava tensa por falar aquilo, mas via-se obrigada a fazê-lo. — Além desses percentuais, há alguma outra coisa que corrobore sua tese? — Justin questionou, certo de que sua assessora era competente e não estaria presa a suposições e achismos. — Há sim, presidente. Em algumas filiais, nos últimos meses, a ETS está cobrando em duplicidade pelos reparos nos veículos: aos clientes e às montadoras. — Mas isso, sim, é crime! — Justin quase saltou da cadeira. — Exatamente. Na semana passada um portal de notícias de Danbury fez uma matéria e deixou, nas entrelinhas, a suspeita de que a ETS estaria vendendo carros com defeitos programados, obrigando os clientes aos reparos em curto espaço de tempo. Mas não citou nominalmente a empresa. Apenas deu a entender — Emma engoliu em seco. — Três clientes já entraram na Justiça contra a ETS e uma montadora enviou um ofício pedindo explicações mais detalhadas. — Nós vamos precisar do Ethan e do tio John aqui! — Presidente, infelizmente nenhum dos dois ainda está na empresa. Eu verifiquei antes de vir falar com você — Emma baixou a cabeça. — Quero me desculpar por não o ter informado das minhas suspeitas antes. Eu ainda não tinha todos os dados disponíveis. E eram só suspeitas. Lamento muito por isso. — Não lamente — ele a interrompeu. — Eu quero que você me mostre esse relatório detalhadamente. Quero saber tudo o que está acontecendo... E, pensando bem, é melhor mantermos esse assunto apenas entre nós dois por enquanto. Vamos avaliar a situação. — Perfeitamente. Vou começar então pelos... — Emma, antes que você comece a me mostrar os documentos, eu vou fazer uma ligação importante — Justin a interrompeu, alcançando o celular e discando para Gabriel. Caixa Postal. "Ele deve estar ocupado", concluiu. Optou, então, por enviar um SMS: "Gabe, me perdoe, mas surgiu um problema grave aqui na ETS e preciso resolvê-lo. Vamos ter que desmarcar nosso almoço. O que você acha de jantarmos juntos hoje? Eu te amo! Bjs. Justin". Olhou para Emma e disse: — Vamos lá, me mostre tudo o que você tem nessa pasta. Pelo visto teremos um dia cheio! Depois daquela conversa com Thomas Marshall, Nicole sentiu que não teria cabeça para acompanhar qualquer uma das aulas de seu último curso de inverno na WRHS. Precisava conversar com o melhor amigo, seu irmão Justin. Havia tantas dúvidas pairando que seria bom ouvi-lo e também desabafar. Entrou em seu Peugeot 308 CC vermelho, desceu a capota retrátil e partiu em direção à sede da ETS em Worcester. O frio intenso daquele janeiro parecia lhe cortar a pele, mas sentiu que precisava daquela tortura. "Na dúvida, a dor é uma aliada", pensou. Inseriu seu pen drive na entrada USB Do painel do veículo e aumentou o volume do som. Descendo a Reservoir Street, já na altura dos reservatórios de Holden, diminuiu a marcha para contemplar a vista em verde e branco da floresta, margeando o lago brilhante e com as águas absolutamente paradas. No som, Adele começava a cantar "Hometown Glory". Estacionou o carro e chorou. Conhecia o caminho. Compreendia tudo. "I'aint lost, just wondering", cantou Adele. Os olhos de Helen vertiam lágrimas sem cessar. Estava terminando de picar a cebola que usaria no preparo do almoço, quando ouviu a campainha soar. Foi até a porta e quase perdeu os sentidos. Lá estava sua sogra, Catherine. Nas mãos, a encomenda extraviada pelo USPS. Percebeu imediatamente que a caixa estava aberta. Não disse qualquer palavra. Ficou olhando para o lado de fora, enquanto Cathy passou por ela. O olhar era de decepção e raiva. — Helen, feche a porta e olhe pra mim! — ordenou Catherine, atendida lentamente pela nora. — Demorou algum tempo pra que eu decifrasse o que significavam os caracteres japoneses das embalagens. Deu trabalho, mas a internet me ajudou. — Você não tinha o direito de abrir uma correspondência minha! — disse Helen, visivelmente nervosa. — Cale a boca! — gritou Cathy, como nunca tinha agido antes. — Eu sei muito bem que fiz o que legalmente não poderia fazer. Mas não me arrependo! — Isso é um abs... — Já disse pra você ficar quieta! Eu estou falando e não quero ser interrompida. Sente-se aí e só fale quando eu perguntar. — Cathy apontou o sofá. Se antes a cebola tinha levado Helen às lágrimas, agora elas vinham por puro desespero. A sogra continuou o discurso repreensivo: — No início de dezembro, fui colocar alguns cartões de Natal no correio e Irving Shane me entregou essa encomenda. Coitado, nem sabia o que estava fazendo. Pediu pra que eu a entregasse a você e disse que se tratava de uma remessa até então extraviada, pela qual você estava brigando desde março do ano passado. — Catherine olhou para a embalagem em mãos. — Até aqui, tudo bem. Holden é uma cidade pequena. Você é minha nora. Essas coisas acontecem. Mas eu fiquei intrigada... o que você estaria comprando no Japão? O conteúdo não era pesado. Não parecia qualquer equipamento eletrônico ou algo do gênero. A princípio, confesso que fui curiosa e invasiva. — Cathy ruborizou. — Decidi abrir cuidadosamente a embalagem para descobrir seu conteúdo. Ainda bem que o fiz! Três caixas de medicamentos aparentemente diferentes. Aquilo só aumentou a minha curiosidade. Algo estava errado. Boa coisa não poderia ser. Catherine passou os minutos seguintes expondo como conseguira descobrir que aqueles medicamentos eram, na realidade, substâncias fabricadas por laboratórios japoneses, cuja interação triangular tinha efeito abortivo. Simulavam um aborto espontâneo, além de ter como reação adversa a queda vertiginosa das taxas de fertilidade feminina. — Helen, só tenho duas perguntas a lhe fazer... Os abortos que você sofreu foram provocados? E por que isso? Catherine só teve como resposta o choro quase convulsivo da nora, despencada no sofá e no derretimento de si mesma e de suas mentiras. Cathy tentou novamente. — Eu só quero tentar entendê-la. Tentar compreender seus motivos. Se você não quer ter filhos, por que então você deu prosseguimento aos tratamentos de fertilidade, sabendo que estava, também, ingerindo medicamentos contra ela? Isso é de uma incoerência doentia. Uma psicopatia. Não havia respostas por parte de Helen. Mas, apesar do silêncio, ficava cada vez mais claro a Cathy que sua nora era vítima de graves distúrbios e que aquela sua descoberta poderia ter resultados ainda mais apavorantes. — E mais, Helen. Se você não queria aquelas crianças, poderia ter conversado com Ethan, falado com todos nós. Jamais aceitaríamos um aborto, mas em última instância, você poderia fazê-lo de forma menos danosa à sua saúde, em qualquer hospital ou clínica especializada dos Estados Unidos. Você tinha obrigação de falar, de conversar sobre isso conosco. — E ouvir de vocês as mesmas coisas de sempre? Pra quê? — Helen decidiu falar, ainda que entre soluços. — De que adiantaria eu dizer ao Ethan ou a vocês que eu não quero ter filhos? — É isso então... Você nunca quis ter filhos? — Cathy sentou na poltrona, postando-se à frente de Helen. — Só estou tentando entender tudo isso. — Entender o quê, Cathy? Será que não está bastante claro? Eu não quero ter filhos, nunca quis. Todo dia eu vejo essas mulheres, que como você, abriram mão da própria vida, do marido, de tudo, só pra cuidar dos filhos. — Helen alternava entre a fala rápida e algumas frases vagarosas. — O que uma mãe faz? Ela perde a vida! A vida passa a ser dos filhos. — Não seja tola, Helen! — combateu Cathy. — Tola? Tolice é pensar que tudo fica melhor depois de carregar uma criança nove meses na barriga. Isso, sim, é uma tolice! A mulher fica deformada, os hormônios entram em parafuso e nem o marido a quer mais! Você sabe por que o Ethan quer tanto ter um filho? Pra ter uma boa desculpa pra não me querer mais! Pra não ter que fazer amor comigo! — Você é louca! — Catherine estava nauseada. — Cathy, você acha mesmo que eu sou louca? — Helen mirou-a nos olhos, lágrimas saltando. — O que você acha que o Ethan foi fazer na Europa em 2008? Você acha mesmo que ele foi a uma feira de automóveis? Depois eu sou a tola... — Você não está mais dizendo coisa com coisa! — apesar dessa afirmação, a sogra finalmente tinha cedido na postura, ciente dos mistérios da questão. — Ethan foi à Europa para pagar o silêncio de uma vagabunda com quem ele teve um filho! — Helen elevou o tom de voz, diante da cara apreensiva de Cathy. — É isso mesmo! Você não queria tanto um netinho? Pois é, agora você tem um bastardo pra amar. — Helen, é melhor parar de dizer essas loucuras. — Isso não é loucura! — gritou. — Você se lembra daquele dia, em outubro de 2008, quando caiu uma tempestade? Lembra-se da mulher que se acidentou com o filho, em frente ao Eagle Lake Hotel? — Claro que eu me lembro; aquilo foi terrível. — Catherine começou a sentir um calor sobre-humano. Lembrava-se perfeitamente daquela tarde chuvosa, quando falara com Sybille minutos antes de sua morte. — Pois é... Aquela era a vagabunda, cujo silêncio, meses antes, Ethan tentou comprar, oferecendo-lhe dinheiro de Edward. Os dois estão nessa! Eles planejaram tudo! Dariam dinheiro a ela pra nunca revelar a safadeza do Ethan, pra nunca revelar que há um Thompson bastardo por aí. — Helen, não fale sobre o que você não sabe — Catherine foi taxativa, mas já tinha baixado o tom de voz. — Você é quem não sabe de nada! — Helen estava visivelmente transtornada. Levantou do sofá e andava de um lado para o outro, ora chorando, ora sorrindo. — É isso que acontece com uma mãe... ela perde a noção, perde tudo! Enquanto você cuidava do seu precioso jardim, decorando a casa e assando seus cordeiros, seu marido e seu filho tramavam nas suas costas, sem dó ou piedade. — Você não está em condições de conversar, Helen! — Por que, então, você não me faz a pergunta? — Que pergunta? — Cathy parecia contaminada por aquela situação. — A grande pergunta! A maior de todas! — Helen gesticulava, grandiloquente. — A pergunta que todos esqueceram de fazer! — Que pergunta, Helen? — Pra onde foi o bastardo? Porque a piranha da mãe dele teve o destino que mereceu. Morreu ali mesmo, na hora! Mas e o garoto? Todos ficaram sabendo que o garoto sobreviveu. Onde está o garoto? Você sabe? Sabe, Cathy? — Helen — Catherine começou a sentir o ar lhe faltar. — Eu sei onde o Thompson bastardo foi parar! Eu sei... Eu fui ao Eagle Lake perguntar, falei com o Seamus e depois falei com o chefe Sullivan. — Helen fez uma pausa. — O bastardo foi socorrido por um médico brasileiro que estava chegando ao hotel. O nome dele é Dr. Gabriel Campos. Não é irônico? — O quê? — Cathy viu o mundo revirar. Tudo o que Helen tinha dito até então não eram surpresas e muitas coisas não tinham sido compreendidas corretamente. Mas o envolvimento de Gabriel na história causou-lhe tremedeira. — Tem mais, querida Cathy! — a voz da nora começou a lembrar a das pessoas quando começam a ficar bêbadas e a boca parece amolecida. — O chefe Sullivan me confirmou... o Dr. Gabriel salvou o bastardo e conseguiu sua custódia na justiça! Não é irônico?! — foi sarcástica. — O garoto tem tanta sorte, que nem saiu da família, foi adotado pelo seu genro veadinho! Catherine não resistiu. Enfiou a mão na cara de Helen, jogando-a sobre o sofá. Ajoelhou na almofada e continuou esbofeteando a nora. Descontrolou-se em definitivo. — Não fale assim dele! Isso não é verdade! — gritava Cathy, enquanto esmurrava Helen. — Você não sabe o que está dizendo! — Todos são mentirosos nessa família! — gritava Helen, em contraponto, mas sem revidar qualquer um dos muitos murros que recebia. — São todos doentes! Vocês são loucos! Mentirosos! — Cale a boca! — Catherine deu-lhe um soco no nariz, fazendo a nora jorrar sangue pela beirada do sofá e no tapete da sala. — Cale sua boca! Você não sabe o que está dizendo! — Você acha mesmo que eu estou mentindo? — o sangue escorria como cachoeira pelo rosto de Helen. — Naquela tarde do acidente, eu ouvi pela extensão do telefone quando Ed ligou para o Ethan e disse que a mulher estava em Holden. Eu ouvi seu marido falando do dinheiro que dariam a ela pra se calar. Por isso Ethan saiu correndo daqui naquela tarde. Ele foi se encontrar com aquela vagabunda no hotel! — Não é verdade, Helen. Ethan estava comigo, lá em casa! — revelou Cathy. — Quem foi se encontrar com a mulher no Eagle Lake foi o Edward! Fez-se um silêncio ensurdecedor naquela sala. Catherine saiu de cima da nora e desabou na poltrona, chorando. Helen, por sua vez, de tão assustada, sequer atentou-se para o sangue que ensopava a parte frontal da sua blusa de lã. Estava estupefata. Cathy também já sabia da história de Sybille. — Você sempre soube disso? — perguntou a nora. — Fiquei sabendo naquela tarde. A mulher ligou lá pra casa. Queria falar comigo. Disse que era da Bélgica e estava em Holden. — Catherine falava pausadamente, tentando recuperar o fôlego depois do acesso de violência contra Helen. — Ela disse que teve um filho com Edward. E que não sabia que ele era casado, até ele desaparecer e anos depois enviar o Ethan para lhe oferecer suborno em troca do silêncio. — O quê? — Helen parecia não acreditar. — O garoto é filho do Ed? Mas... — Você entendeu tudo errado, Helen! — Cathy chorava. — Meu Deus! Então o garoto... — a nora não concluiu o raciocínio. Foi tomada pela necessidade de uma nova pergunta. — Você sabia disso o tempo todo! Por que não contou? Por que não contou a todos? — Pelos mesmos motivos que você também não o fez — Catherine olhou Helen profundamente. — Você também sabia de tudo. Entendeu algumas coisas erradas, claro! Mas também sabia de tudo. E não contou nada a ninguém. — Ethan estava protegendo o pai. — Helen... Quem te contou essa história sobre o Gabriel? Isso não pode ser verdade. — Mas é verdade! Ele salvou a vida do garoto, cuidou dele e conseguiu a custódia na justiça. Eu conferi no inquérito sobre o acidente e depois fui ao Tribunal de Justiça de Worcester e vi a sentença da guarda provisória. — Isso é uma loucura! — Catherine levantou-se e seguiu em direção à saída. — Helen, vá se limpar. Tem sangue por todo lado — parecia ter retomado o controle. — Não vamos contar nada a ninguém por enquanto. Nem sobre a mulher, nem sobre o garoto, nem sobre seus abortos. Eu vou pensar numa forma de resolver tudo isso. — Mas, Cathy... — Não fale mais nada, por favor. Eu volto aqui amanhã e conversamos. Agora eu preciso sair. Preciso respirar. Catherine pegou seu carro e dirigiu, quase em estado de choque, até Pine Hill. Chegando à casa do lago, desceu e andou apressadamente pelo gramado, descendo as escadas entre as rochas sem o menor cuidado. Atravessou o deque até sua margem. Parou e ficou tentando encontrar ar, vendo a neve começar a cair sobre as águas. Seu coração parecia estar prestes a arrombar o tórax. A respiração não era suficiente. As lágrimas também não. Ajoelhou à margem do deque e gritou. Gritou alto. Um urro de dor. Uma dor na alma. Seu grito ecoou por todo o lago, agora gelado, e por toda a floresta ao redor, coberta de gelo branco. O relógio já se aproximava das oito da noite e Gabriel e Matthew aguardavam Justin, em uma mesa reservada, no Bocado Tapas Wine Bar, um restaurante simpático no número 82 da Winter Street, bem próximo à sede da ETS. Levar o garoto consigo foi uma estratégia. Era hora de contar tudo o que sabia daquela história e o pouco que vira naquele dia trágico em Holden. O médico ainda não sabia por onde começaria, nem mesmo se Justin o perdoaria por tantas coisas ocultas, mas daquela noite não passaria. Justin tinha marcado às sete com Gabriel, mas seu atraso de uma hora foi necessário. Depois de ler o relatório de Emma Elmhirst e estudar com ela as principais possibilidades e estratégias de ação, ainda se viu obrigado a conversar por algum tempo com a irmã, Nicole, consumida por dúvidas cruéis sobre seu relacionamento com o professor Christian Taylor. Sabia que Gabriel precisava lhe falar algo que estava fora do esquadro e temia pelo que poderia ouvir. Convidar Nicky para acompanhá-los também foi sua estratégia. Sem saber e sem contar, ambos tinham escalado uma espécie de guarda-costas para a conversa que viria. Passava das oito da noite quando todos se encontraram no Bocado. Gabriel ficou surpreso com a presença de Nicole, mas instantaneamente julgou que ela seria positiva. Nicky, por sua vez, custou a compreender quem era aquele garoto, apresentado inicialmente como o filho adotivo de Gabriel. A garota não escondeu a curiosidade em seu olhar. De alguma forma, reconhecia os traços físicos de Matthew. — Justin... — Gabriel precisava começar por algum lugar. — Nós precisamos conversar uma coisa muito séria e é ótimo que Nicole e Matthew estejam aqui nesse momento. Matt poderá me ajudar a contar uma história e Nicky tem o direito de ficar sabendo, já que está indiretamente envolvida. — O quê? Eu? Como? — Nicole não conseguia compreender as palavras do cunhado. — Gabe, algo me diz que essa história não é agradável. — Justin já conseguia antever a gravidade encravada na circunspecção do namorado e de Matthew. — Por favor, diga logo. Eu já estou ficando apavorado. Definitivamente, hoje não está sendo um dia fácil. — Justin, eu amo você, muito! — os olhos de Gabriel marejaram. — E espero que você consiga me perdoar algum dia por ter ocultado algumas coisas que eu sei sobre a sua família, sobre o seu pai e que até hoje não havia revelado — uma lágrima desceu. — Quero que você saiba que só escondi tudo isso para tentar proteger o Matthew. Justin e Nicole ouviram com atenção toda a história. Não conseguiam dizer uma única palavra. Gabriel e Matthew contaram tudo que sabiam sobre Sybille, o suborno, a viagem de Ethan à Europa, o acidente em Holden e como um tinha entrado definitivamente na vida do outro. Imagina-se que revelar a paternidade e fraternidade de alguém seja um momento extremamente solene, quase teatral. Naquela noite não foi assim. A grande verdade foi dita de forma objetiva, quase seca: Edward Thompson era o pai de Matthew. Cada um permaneceu com um grito contido dentro de si. O silêncio dos quatro ecoou por todo o ambiente, com olhares bailando, perdidos por entre taças, pratos e talheres.

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