O solo tortuoso da trilha sempre fazia os carroceiros chacoalharem em seus veículos puxados por cavalos, não havia um trecho sequer perfeitamente plano e prazeroso de ser percorrido. A terra estava seca, e a poeira se erguia a cada centímetro seguido pelas rodas, o que costumava atrapalhar a visão do carroceiro.
No interior do veículo, Nalan se esforçava na tentativa de conseguir comer o restante do ensopado, que também era seu almoço.
— Ahhh! — ele soltou um urro de raiva quando viu sua colher cair da tigela artesanal, tinha grande dificuldade em segurar o utensílio devido aos solavancos da carroça.
O talher havia parado perto dos pés de um sujeito sentado no outro lado, e antes que o menino se encolhesse para recuperá-lo, seu irmão Liandro tomou a tigela de sua mão a fim de evitar que esta também se perdesse perante as chacoalhadas.
— Se não tomar mais cuidado vai acabar deixando a comida cair, e eu não vou dividir a minha com você — Liandro lhe alertou quando o garoto voltou a se sentar ao seu lado.
— E quem disse que eu pediria isso? — Bufando de impaciência, Nalan tomou sua tigela de volta e voltou à refeição, não se importando em limpar o utensílio em sua mão.
No outro lado, Erimir tratou de caçoá-lo.
— Continue com as mãos frouxas desse jeito, Nalan, ficarei feliz em colocar sua comida na minha tigela. — O comentário arrancou risos abafados dos outros dois colegas na carroça, todos homens barbudos e maltrapilhos. Os dois irmãos eram os únicos rapazes do vilarejo que trabalhavam no porto; logo, costumavam ser motivo de chacotas por parte dos mais velhos em várias situações.
— Posso ir mais devagar, rapazes — Varlo sugeriu, o sujeito que conduzia os dois cavalos pelas rédeas, tinha cabelos grisalhos e uma barba espessa, além de um olhar cansado e prejudicado pela poeira do percurso.
— Não precisa, Varlo — disse Nalan. — Com a fome que estou, consigo comer até de barriga para baixo.
A fala trouxe certo alívio para o condutor, pois não era seu desejo estender a viagem que já era longa por si só em condições normais. Depois de meia hora de trajeto desde que iniciaram, eles já conseguiam avistar as árvores secas e contorcidas que anunciavam a metade da trilha que os levaria ao seu lar, tudo isso antes da noite cair sob suas cabeças.
— Sábias palavras, rapaz — Erimir se intrometeu com um sorriso desdentado. — Eu mesmo sempre janto durante a viagem porque até essa gororoba é melhor do que a comida que a minha mulher faz.
Não teve jeito, os dois colegas soltaram risos escandalosos novamente, um deles quase se engasgou com a colher na boca. Liandro teve certeza de que gotas de saliva voaram até suas bochechas magras.
— Você é uma alma sebosa, Erimir — Varlo comentou.
— Nunca disse que não era.
O grupo de colegas voltava de mais um dia de trabalho no porto de Virturia, o ponto comercial mais importante de todo o continente oriental. O vilarejo na qual pertenciam era apenas um dos outros três que compunham as chamadas Terras Portuárias, uma região habitada por aldeões e terras pobres, a verdadeira prosperidade mantinha-se nas fazendas do leste, ou nas regiões mais próximas das grandes cidades.
VOCÊ ESTÁ LENDO
O Último Andilar
FantasíaPode-se dizer que os Portos de Virturia é o único lugar que os irmãos Nalan e Liandro conhecem em sua vida, o único vislumbre que eles têm sobre o mundo em que vivem. Mas a vida nunca mais fora a mesma desde que as terríveis Tirênias dominaram seu l...