Heloísa costumava gostar das temporadas que Matias passava no sanatório. Eram seus momentos de pura paz, quando a casa voltava a ser silenciosa. Ou, ao menos, seu sossego era interrompido pelos fuxicos de Manuela, pelas risadas de Isadora e pela voz alta de Violeta. Todas eram boas interrupções, que não exigiam tudo o que restava de sua paciência.
Conviver com Matias era intolerável, por isso ao longo dos últimos dez anos, sempre que a saúde mental do cunhado piorava, Heloísa experimentava um grande alívio. Era bom andar pela casa sabendo que não esbarraria com aquele homem, que não teria que lembrar do seu passado constantemente. Ficar longe de Matias era tudo o que ela buscava.
Mas não era em Matias que ela pensava sentada na varanda do velho casarão e completamente entediada. Ela estava pensando em Leônidas e no quanto, de repente, ele parecia fazer falta em seus dias. O que era bastante estranho, levando em conta as tantas vezes em que desencorajou suas investidas amorosas e no quanto aquilo também costumava irrita-la.
Talvez o motivo fosse que Leônidas fazia companhia para ela. Estava acostumada a gastar horas de seu dia se dedicando a costura. Era uma forma de se trancar em seu mundo. E seus dias eram solitários até Leônidas mudar-se para o engenho. Nos primeiros meses ele parecia sequer morar lá, mas nos últimos tempos... bem, nos últimos tempos as tardes que costumava passar com Leônidas eram os melhores momentos de seu dia.
Tudo havia começado com aquelas conversas estranhas sobre as terapias que ele propunha para Matias. E então Leônidas falava sobre livros, filmes, história, obras de arte. Falava como se conhecesse tudo tão a fundo, como se seu passado fosse repleto de todas aquelas referências. Era como se ele conhecesse o mundo.
Ele se tornou interessante para ela. Queria saber mais sobre ele. Queria ouvi-lo divagar sobre qualquer assunto e prestar atenção nos detalhes que ele deixava escapar. Como o quanto era frio em Paris, ou sobre os costumes dos ingleses. Ele dava um sorriso pequeno toda vez que percebia que falava demais, mas ela sabia que ele não responderia nenhuma pergunta sobre seu passado, e por isso continuavam conversando como se uma nova informação não fosse adicionada.
Leônidas não era arrogante, não se importava quando ela não conhecia alguma de suas referências. Se ela não conhecia um livro, ele deixava em sua cadeira no café da manhã do dia seguinte. Se não conhecia um filme, Leônidas contava detalhadamente tudo o que conseguia se lembrar. E eles eram capazes de passar horas sentados naquela varanda conversando sobre qualquer coisa.
Qualquer coisa, exceto sobre o passado. Havia um entendimento sobre suas dores. Eles se identificavam em decepções não ditas. Seus traumas estavam presentes em tudo o que conversavam, e embora Heloísa as vezes sentisse vontade de conversar sobre sua filha, ou até sobre como era conviver com Matias, o momento parecia nunca chegar. Ou era como se não precisasse falar.
Leônidas havia se tornado um confidente, até. Ela falava sobre os sonhos, sobre as viagens que queria ter feito, sobre as preocupações com a vida de Isadora ou Violeta. Ele contava animado sobre as novas terapias que faria com Matias, mesmo sabendo que ela reviraria os olhos dizendo que não daria certo. Quando ele discordava dela o fazia gentilmente, e sempre apresentando um contraponto.
Por isso, pela primeira vez, Matias estar no sanatório não era algo bom. Porque Leônidas estava com ele no Rio de Janeiro há mais de duas semanas e ela se sentia terrivelmente solitária e entediada. Sentia falta do beijo na testa que ele lhe dava ao chegar, da forma como, aos poucos, ele se sentava mais perto até que estivessem falando tão baixo que ninguém escutaria nada além das gargalhadas que apareciam vez ou outra.
Sentia falta dos olhos dele a observando pela casa, do jeito que seu coração disparava quando o avistava. Queria ver o pôr do sol em silêncio ao lado de Leônidas enquanto ele acariciava sua mão com tanto cuidado que se não estivesse tão ciente dele, talvez nem percebesse. Dos dias frios em que ele passava o braço por seus ombros e a puxava para ele.