Capítulo 29 - Parte Dois

32 13 0
                                    

Sair do quarto é incrível.

Afogar-me na brisa que provém do Mar é uma dádiva, mesmo que eu esteja indo fazer uma coisa que garanti a mim mesma que não faria mais. A sensação de pisar na grama alta e úmida de um dia nublado, úmido e quente na Reserva — similar ao clima de parte do ano em Mônaco — é doce e alentadora, uma ajuda indireta aos meus sentidos que gritam para eu dar meia-volta e tornar à segurança da cama. Repreendo-me com um balançar firme de cabeça, dizendo-me para ver esta escolha como a decisão de fazer uma nossa missão com os meus comparsas de crime de minha Cidade.

No primeiro quarto de hora, eu estou arrependida.

— Mais força, seus molengas!

O grito de Ruby é lançado em meio aos contínuos protestos e rosnados que são concedidos a ela pelos integrantes do grupo um, meu grupo. Seus incentivos são tudo, menos motivadores. Os apelidos carinhosos que nos oferece contribuem pouco para a realização da tarefa. Ter que lançar os sacos de areia sobre este muro de dois metros não é nada menos do que cansativo e doloroso ao extremo. Meu corpo dá sinais de que quer fraquejar; estou há muito tempo sem me movimentar dessa forma e nunca fui a mais forte de meus antigos grupos. Mas não é bem isso que eu pedi?

— Fico feliz que está aqui — Chia grunhe, bufando com o esforço.

Eu deixo a tentativa de sorrir de lado quando noto que estou ofegante em excesso para sequer tentar erguer os cantos da minha boca.

— Voltando aos velhos tempos, não é? — Digo.

Sua careta me traz a lembrança da falta de Lucca, Enzo e nossos outros parceiros de crime, junto com o baque de realidade que me diz que toquei em um ponto sensível que não deveria ser citado.

— Chia, desculpe-me — peço, parando por um mísero instante para vê-la menear a cabeça com pesar.

— Tudo bem, Nori — ela afirma, correndo ao meu lado. — Uma hora eu tinha que aceitar que buscar é em vão.

Eu não a corrijo, pois sinto o mesmo. Para que buscar algo que você sabe que está perdido? Por que correr atrás do inalcançável? É perda de energia e acaba com sua mente.

Voltamos à tarefa sem mais.

Olho com uma careta de testa e nariz franzidos para o grupo dois que, por seu suposto sucesso em completar esta atividade que nós fazemos, pratica minha modalidade favorita: corrida, no solo fofo da areia deste lado da praia, metros à frente de nós.

Rosno ao jogar o que me parece ser a milésima vez o saco e corro para o outro lado para pegá-lo uma vez mais e jogá-lo de volta para o lado inicial, refazendo o exercício uma, duas, dez vezes, até que minha muito frágil paciência se vê por um mínimo e milimétrico fio prestes a se romper, como uma linha finíssima feita de gelo ao Sol do Verão.

E a provação à minha calma é testada uma vez mais quando Daniel resolve dar o ar das graças ao meu lado, saindo de sua posição anterior na ponta oposta da parede de madeira que é a barreira de nosso treino.

— Vejo que está melhor — comenta, com um meio-sorriso matreiro, ao jogar seu saco de areia no ombro, para erguê-lo e arremessá-lo para o lado oposto ao nosso. — Se está liberada para uma lição boba como esta, não precisaremos adiar mais nosso encontro, certo Nori?

Trinco a mandíbula, acenando como resposta.

Corro com velocidade moderada, contrária a meu desejo de ver o mundo passar ligeiro ao meu redor; a percepção da adrenalina pronta para me engolir me toma. Ela não é gostosa como eu esperava. A irritação de ver Chia fazer o mesmo sem o mínimo de ânimo, com certeza pensando nos exercícios que nós mesmas fazíamos com Enzo, o estresse de ter de enfrentar uma recuperação desnecessária por minha alergia estúpida e a insistência do idiota que corre ao meu lado se misturam e acumulam sobre meus ombros, descendo por cada músculo e tendão do braço tensionado para chegarem às minhas mãos fechadas em punhos. E o resultado é algo que eu preferiria evitar: uma explosão.

Estou enxergando tudo embaçado. Meus sentidos afloram sensíveis e delicados o bastante para que eu sinta o toque do olhar em minhas costas, o raspar da correntinha de Sam em meu tornozelo, a corrente elétrica que corre o caminho de minha coluna vertebral de cima a baixo.

É como voltar às minhas noites de crime em Mônaco, momentos em que o puro instinto e sentimento me guiavam em ações de foco, determinação. E raiva. Como agora.


***************************************

Não se esqueça de clicar na estrelinha!

Artefatos de SangueOnde histórias criam vida. Descubra agora