Sair do quarto é incrível.
Afogar-me na brisa que provém do Mar é uma dádiva, mesmo que eu esteja indo fazer uma coisa que garanti a mim mesma que não faria mais. A sensação de pisar na grama alta e úmida de um dia nublado, úmido e quente na Reserva — similar ao clima de parte do ano em Mônaco — é doce e alentadora, uma ajuda indireta aos meus sentidos que gritam para eu dar meia-volta e tornar à segurança da cama. Repreendo-me com um balançar firme de cabeça, dizendo-me para ver esta escolha como a decisão de fazer uma nossa missão com os meus comparsas de crime de minha Cidade.
No primeiro quarto de hora, eu estou arrependida.
— Mais força, seus molengas!
O grito de Ruby é lançado em meio aos contínuos protestos e rosnados que são concedidos a ela pelos integrantes do grupo um, meu grupo. Seus incentivos são tudo, menos motivadores. Os apelidos carinhosos que nos oferece contribuem pouco para a realização da tarefa. Ter que lançar os sacos de areia sobre este muro de dois metros não é nada menos do que cansativo e doloroso ao extremo. Meu corpo dá sinais de que quer fraquejar; estou há muito tempo sem me movimentar dessa forma e nunca fui a mais forte de meus antigos grupos. Mas não é bem isso que eu pedi?
— Fico feliz que está aqui — Chia grunhe, bufando com o esforço.
Eu deixo a tentativa de sorrir de lado quando noto que estou ofegante em excesso para sequer tentar erguer os cantos da minha boca.
— Voltando aos velhos tempos, não é? — Digo.
Sua careta me traz a lembrança da falta de Lucca, Enzo e nossos outros parceiros de crime, junto com o baque de realidade que me diz que toquei em um ponto sensível que não deveria ser citado.
— Chia, desculpe-me — peço, parando por um mísero instante para vê-la menear a cabeça com pesar.
— Tudo bem, Nori — ela afirma, correndo ao meu lado. — Uma hora eu tinha que aceitar que buscar é em vão.
Eu não a corrijo, pois sinto o mesmo. Para que buscar algo que você sabe que está perdido? Por que correr atrás do inalcançável? É perda de energia e acaba com sua mente.
Voltamos à tarefa sem mais.
Olho com uma careta de testa e nariz franzidos para o grupo dois que, por seu suposto sucesso em completar esta atividade que nós fazemos, pratica minha modalidade favorita: corrida, no solo fofo da areia deste lado da praia, metros à frente de nós.
Rosno ao jogar o que me parece ser a milésima vez o saco e corro para o outro lado para pegá-lo uma vez mais e jogá-lo de volta para o lado inicial, refazendo o exercício uma, duas, dez vezes, até que minha muito frágil paciência se vê por um mínimo e milimétrico fio prestes a se romper, como uma linha finíssima feita de gelo ao Sol do Verão.
E a provação à minha calma é testada uma vez mais quando Daniel resolve dar o ar das graças ao meu lado, saindo de sua posição anterior na ponta oposta da parede de madeira que é a barreira de nosso treino.
— Vejo que está melhor — comenta, com um meio-sorriso matreiro, ao jogar seu saco de areia no ombro, para erguê-lo e arremessá-lo para o lado oposto ao nosso. — Se está liberada para uma lição boba como esta, não precisaremos adiar mais nosso encontro, certo Nori?
Trinco a mandíbula, acenando como resposta.
Corro com velocidade moderada, contrária a meu desejo de ver o mundo passar ligeiro ao meu redor; a percepção da adrenalina pronta para me engolir me toma. Ela não é gostosa como eu esperava. A irritação de ver Chia fazer o mesmo sem o mínimo de ânimo, com certeza pensando nos exercícios que nós mesmas fazíamos com Enzo, o estresse de ter de enfrentar uma recuperação desnecessária por minha alergia estúpida e a insistência do idiota que corre ao meu lado se misturam e acumulam sobre meus ombros, descendo por cada músculo e tendão do braço tensionado para chegarem às minhas mãos fechadas em punhos. E o resultado é algo que eu preferiria evitar: uma explosão.
Estou enxergando tudo embaçado. Meus sentidos afloram sensíveis e delicados o bastante para que eu sinta o toque do olhar em minhas costas, o raspar da correntinha de Sam em meu tornozelo, a corrente elétrica que corre o caminho de minha coluna vertebral de cima a baixo.
É como voltar às minhas noites de crime em Mônaco, momentos em que o puro instinto e sentimento me guiavam em ações de foco, determinação. E raiva. Como agora.
***************************************Não se esqueça de clicar na estrelinha!
VOCÊ ESTÁ LENDO
Artefatos de Sangue
Paranormal"Eu nunca quis ser parte disso. Nunca quis fazer parte dessa guerra. Nunca quis ter que escolher um lado. Mas, por eles, e por mim, eu finalmente queria tentar". Embarque nessa aventura, afogue-se nessa história enigmática e envolva-se num mundo de...