• A lei na favela, não é bagunça •

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Arte: _diaszz

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"Afundados na favela com muito rancor, são todos julgados por sua cor."

Caio Vinícius

0.2

Thiago M.

Aí na moral, eu odeio acordar cedo.

E mesmo assim, algum cheira-pica endemoninhado do caralho, decidiu ligar o som no volume máximo às sete da manhã. Papo reto, se fosse um funk seria como canção de ninar para mim, mas o que me deixou bolado foi ouvir sertanejo. Uma música de sofrência tocando, uma atrás da outra, me fez revirar na cama até ficar ligado no 220v. O chifre nem era meu e, eu estava sendo obrigado a sofrer junto com o corno.

Por causa da maldita FEBEM¹, meu sono era leve desde moleque. Lá é igual qualquer cadeia, onde tu tem que dormir com um olho fechado e o outro aberto e, sempre esperar o inesperado porque quando não querem meter a Gillette na tua garganta, querem meter o pau, tá ligado? E eu tive que aprender na marra a me defender para que nenhum dos dois me acontecesse. Degolei meu primeiro neguinho com apenas quinze anos e uma lâmina minúscula na mão. A culpa me perturbou até que eu matasse o décimo, e não conseguisse sentir mais nada, além de paz e de dever cumprido. Na moral, o mundo ficava melhor sem alguns filhos da puta nele.

Puto, eu me arrastei para fora da cama e me espreguicei com dificuldade. Arrumei a posição das minhas bolas dentro da boxer apertada e bocejei, encarando todo o morro através da janela basculante que mandei instalar no meu quarto. Graças ao vidro fumê, ninguém me enxergava por fora e, portanto nenhuma bala podia atravessar minha cabeça durante meus momentos de reflexão matinal. Cada dia vivo era mais uma vitória para o Santo que me protegia e mais uma dor de cabeça para quem me odiava. E eu não tinha muitos inimigos, só toda a Secretária de Segurança Pública. Mas, se nem Jesus agradou todo mundo, não seria eu que ia agradar, an?

Com algum funk desconhecido sendo minha trilha sonora, já que o corno não abaixou o som, mas trocou o tipo de música, eu vesti uma de minhas camisas de futebol com meu vulgo nas costas e enfiei a Glock dentro do cós da bermuda. Também, calcei meu par de havaianas brancas, recém lavadas na noite anterior. Eu podia descer trincado até os dentes no barraco desse maluco e lhe dar um sacode? Podia. Porém, não é porque sou bandido que vou resolver tudo na base da violência, sempre me considerei um neguinho esperto, independentemente de ter concluído meus estudos ou não. Eu aprendi que não se ganha respeito na favela desse jeito, só medo. E esse sentimento pode facilmente transformar um morador em um X9. Judas entregou todos os esquemas de Jesus, por quê? Porque ele tinha receio das coisas inexplicáveis que só o Messias conseguia fazer. Na moral, se eu conhecesse um neguinho que transformasse água em vinho e multiplicasse o pão para alimentar geral, ele seria meu irmão. Nunca que deduraria ele, nem se invadissem meu morro com o batalhão inteiro.

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