Me deitei na minha cama, ouvindo o som da chuva que caía do lado de fora. Os trovões também cortavam os céus, fazendo o chão estremecer sempre que um raio atingia algum lugar perto do vilarejo. Amanhã às ruas estariam mais lamacentas do que nunca, assim como o humor das pessoas estaria pior do que no dia anterior. As coisas nunca melhoravam por ali, mas sim pioravam ainda mais.
Ergui a cabeça quando ouvi uma voz feminina que eu conhecia muito bem soar no andar de baixo. Pulei da cama e corri para a janela, puxando a cortina e vendo a figura de Ayla lá embaixo, completamente encolhida e molhada parada na frente da porta da minha casa. Me afastei da janela e corri pra fora do quarto, descendo as escadas para encontrar Alexia ali, porque havia sido ela a atender a porta infelizmente
Sua expressão estava como sempre voltada para reprovação e escárnio, enquanto Ayla abraçava o próprio corpo por conta da chuva e do frio, enquanto seu rosto estava contorcido em uma careta, ao esmo tempo que os olhos azuis exibiam um tom avermelhado, que deixava claro que ela esteve chorando.
—O que está fazendo? —Indaguei, caminhando até a porta e chamando a atenção das duas. Alexia revirou os olhos assim que me viu, enquanto Ayla soltava um suspiro de alívio, como se tudo que ela precisava fosse me ver.
—Essa garota não tem casa, não? —Alexia colocou as mãos na cintura, estalando a língua. Ela fazia aquele gesto sempre, o que me irritava mais do que qualquer olhar mortal dela. —Todo santo dia vindo aqui pra casa a noite. Isso aqui não é uma pensão, ouviu? Ainda mais pra dormir aqui de graça!
—Engraçado você dizer isso, já que não ajuda com uma moeda de ouro sequer. —Soltei, vendo a expressão dela endurecer, como se ela fosse latir mais algumas ofensas pra mim. —Aylas, vamos!
Estendi a mão pra minha amiga, que passou quase empurrando Alexia, já que a mulher não se deu ao trabalho de espaço. Fiz uma careta para Alexia, antes de segurar a mão de Ayla e a puxar pelas escadas até meu quarto. Ela estava em completo silêncio quando fechei a porta do quarto e caminhei até meu baú, puxando uma muda de roupa seca pra ela.
—Aqui, se troca. —Estendi pra Ayla, já que suas roupas estavam deixando um rastro de água pelo chão. Me virei de costas enquanto ela se trocava, arrumando um espaço na minha cama para ela poder dormir ali também. —Seu pai de novo?
—Ele chegou bêbado e... bem, você sabe. —Ayla murmurou baixinho, soando um pouco cansada e desanimada, como se falar sobre aquilo só piorasse tudo.
Mas eu realmente sabia, porque conhecia Ayla desde a minha infância toda. Sua mãe morreu na mesma época que meus pais, o que fez nós duas nos aproximarmos pouco a pouco. Começar a ajudar Cecília com sua loja só fortaleceu ainda mais nossa amizade, até o ponto de eu saber tudo sobre ela e ela sobre mim.
Sabia que seu pai era um babaca nojento, que passava a maior parte do dia bêbado, a ponto de quase não conseguir trabalhar. Sua casa só estava de pé pelo fato de Ayla trabalhar e se esforçar para manter tudo em ordem, porque se dependesse dele os dois já tinham morrido de fome. Mas ele também era agressivo, a ponto de agredi-la algumas vezes quando chegava em casa a noite. Por isso ela fugia pra dormir na minha casa quase todos os dias, enquanto eu morria vontade de ir até lá e cortar sua garganta.
—Você pode vir morar aqui, sabia? Meu tio jamais iria proibir ou achar ruim. —Afirmei, vendo-a abaixar os olhos para o chão como se estivesse constrangida. —Não precisaria olhar pra cara do seu pai nunca mais.
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As Crônicas de Scott: A Profecia / Vol. 1
FantasyLIVRO 1 (AS CRÔNICAS DE SCOTT) Dois mundos divididos por uma barreira mágica. Arcádia, uma terra cinzenta e sem vida, onde os humanos lutam para sobreviver todos os dias, já que a fome e a miséria andam lado a lado com eles. Falésia, um mundo repl...