Capítulo II

1.7K 105 10
                                    

Nota: o diálogo que estiver em itálico e negrito, dessa forma, na verdade é dito em inglês. Mas não vou escrever em inglês aqui, então espero que não fique confuso :)

🌱

Setembro, 2016

O barulho do despertador ressoa pelo quarto naquela manhã de quarta-feira. Carol resmunga e tenta permanecer imóvel por mais alguns instantes, mas o toque incessante não tarda em solicitar a sua ação. Apenas uma pequena fresta de luz escapava pelas cortinas do quarto, mas a iluminação já era suficiente para indicar o dia bonito que fazia lá fora naquela manhã do Rio de Janeiro.

Após levantar e tomar seu merecido banho, Carol começa a preparar o café para ela e sua companheira de apartamento, que tem o sono bastante pesado.

Gabi só apareceu na cozinha quando o café já estava pronto e Carol preparava algumas torradas. Caminhando a passos lentos, a garota só abriu a boca após seu primeiro gole de café.

— Bom dia — murmurou.

— Bom dia pra mim, né? Porque pra você... — Carol falou com um sorriso de lado.

— Não começa — Gabi tentou manter a cara emburrada, mas logo sorriu também.

— Nem sei como conseguiu acordar essa hora...

— Engraçadinha... eu que sempre acordo tarde, né? Só demorei um pouquinho mais pra levantar hoje — Gabi respondeu enquanto mordia sua torrada.

Carol riu e pensou em comentar que tinha escutado a discussão por telefone antes de pegar no sono na noite anterior, mas não queria ser invasiva. Sabia que a amiga estava com problemas no relacionamento, mas ao fazer contato visual com Gabi, percebeu que aquele não era o melhor momento para perguntar. Elas tinham aquele acordo silencioso nos últimos dias, quando começaram a ter problemas com suas respectivas namoradas, de dar privacidade uma para outra. Mas Carol sentia que não iria durar muito, logo elas iriam desabafar sobre tudo... E ela também não sabia se estava pronta para falar o que pensava em voz alta.

— A Rô disse que vem pra cá hoje depois do treino — mudou de assunto.

— Ih... será que é fofoca? — Gabi perguntou, animada.

— Cê ainda duvida? E pra fazer ela vir contar pessoalmente... deve ser das grandes.

Mas tem o mais importante... — Gabi fez uma pausa dramática enquanto mastigava — Será que ela consegue segurar até depois do treino?

— Aposto 10 que ela fala no caminho pra cá — Carol riu.

— Ela fala no vestiário. Assim que a gente chegar. — Gabi negou com a cabeça.

Carol levantou da mesa sorrindo, ela gostava de ver Gabi em seu estado natural: debochando e fazendo piadas com tudo e todos. Ela sabia que o treino de hoje seria puxado e com várias marcações de Bernadinho. Apesar do jogo tranquilo do dia anterior, o campeonato carioca já havia começado e o próximo jogo seria contra o Fluminense, um dos favoritos a brigar pelo título. O início de temporada era sempre cheio de ajustes e ensaios de novas jogadas, todo o time iria precisar do bom humor de Gabi para aliviar a tensão e estresse.

— Vai logo terminar a se arrumar que eu cuido da louça aqui — Carol falou enquanto se aproximava do balcão da cozinha.

— Cê acordou um anjo hoje, né? — Gabi respondeu, já caminhando em direção ao seu quarto.

— Vai logo, gay!

🌱

O caminho até o ginásio de treino foi tranquilo, a vista da praia da Urca era sempre maravilhosa, não era à toa que a cidade recebia aquele apelido. Gabi inventava histórias mirabolantes sobre a possível novidade que Roberta iria contar para as amigas, o que arrancava boas gargalhadas de sua conterrânea. Quando não estava ouvindo os relatos de Gabi, Carol se perdia em alguns pensamentos sobre aquele dia e a nova temporada. Começos eram sempre importantes para ela, iniciar novos ciclos da melhor forma possível era a sua meta, sempre.

— Amiga, coloca no armário pra mim, por favor? — Gabi pediu, ao se aproximar da porta dos vestiários — Preciso falar com o Bernardo logo, aproveito e explico o atraso da gente.

— Vai lá — Carol suspirou, pegando a bolsa de treino da amiga.

Quando virou à esquerda para entrar nos vestiários, seu susto foi tão grande que quase derrubou as bolsas no chão. Naquela hora do dia, o vestiário costumava estar sempre vazio, conseguia ouvir ao longe as vozes das outras jogadoras, indicando que já estavam na quadra esperando o início do treino. Não estava esperando encontrar ninguém ali.

Oi.. tudo bom? — a jogadora sentada sozinha, amarrando um dos cadarços, falou com uma leve pausa, como num esforço para lembrar do que iria dizer.

A primeira coisa que Carol reparou foram seus olhos grandes e expressivos, ela parecia um pouco nervosa, mas a tentativa de falar algumas palavras em português não podia ser descrito como nada além de pura fofura. O número 11 estampado na frente da camisa só comprovou o que Carol já tinha entendido: era a nova contratação estrangeira do Sesc RJ para aquela temporada. A comissão técnica e jogadoras estavam esperando a sua chegada há algumas semanas, mas todos ficaram sabendo que iria atrasar e o dia exato era incerto.

— Meu Deus, oi! Me desculpa o susto, achava que aqui estava vazio! — Carol falou com as mãos no peito, então deixou as bolsas em cima do banco e se aproximou, estendendo a mão na frente da jogadora loira e com jeito de gringa — Você é a Anne, né?

Anne a encarou por alguns segundos, sem saber o que falar. De todas as palavras que saíram de sua boca, só conseguiu entender o "Oi" (e ainda tinha dúvidas se era aquilo mesmo). Achava que ela tinha falado seu nome também, mas com a pronúncia diferente do que estava acostumada a ouvir na Holanda e em alguns outros países. Carol parece ter percebido a confusão, e logo tentou outra abordagem.

Em inglês você entende? — perguntou esperançosa.

Ah sim, é melhor em inglês, eu entendo mais — Anne respondeu, aliviada em não precisar pensar tanto antes de falar.

— Desculpa, eu me assustei com você sozinha aqui. Me chamo Carol, sou central.

— Ah, não tem problema. Sou Anne Buijs. Um prazer te conhecer... Carol. Eu falei certo?

Quando Carol iria responder que a pronúncia dela estava ótima, o rosto de Gabi apareceu na porta do vestiário.

— Carol? Achei que cê tivesse morrido aí — Gabi falou em tom dramático. Mas logo se virou para ver Anne, parada à sua frente — Ah! Você é a Anne? Agora eu entendi a demora.

Após cumprimentar a gringa, Gabi puxou as duas para fora do vestiário. Lá fora, na quadra, o treinador já tinha formado um círculo com as jogadoras e dava algumas instruções. Quando a loira alta apareceu, todas vieram cumprimentar a nova companheira de time. Aprenderam a pronunciar seu nome (mais ou menos), falaram um pouco sobre as temporadas passadas e logo algumas a chamavam de Aninha ou outros apelidos mais brasileiros. O grupo todo era muito animado e Anne parecia se encaixar muito bem ali. Ela era muito atenciosa e já arriscava aprender algumas coisas em português, mostrando todo o seu respeito e admiração ao Brasil. Carol sentiu que aquela temporada tinha tudo para ser incrível.

🌱

Amour d'or et du bronzeOnde histórias criam vida. Descubra agora