Coração Doce

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Algumas semanas tinham se passado sem nenhuma confusão. Guilherme e Flávia se encontravam em todos os lugares; no carro, em restaurantes para que ele a alimentasse (ela tinha fome de ogro desde que se entendia por gente, em casa era só pão seco), na clínica e até uma noite na casa dele, escondidos. Ela queria expor pro mundo todo, mas Guilherme ainda tinha medo de como seu filho reagiria. Até o dia que a Flávia se encontrou numa situação constrangedora: ajudando o filho dele.

Viu as filhas do Neném; Tina e Bibi com o Antonio, se envolvendo numa briga com os gêmeos perto de uma pista de skate da Tijuca. Não conseguiu não se envolver, mesmo sabendo que o Pinky e o Cérebro versão só Pinky platinados iam dedurar o paradeiro dela pro Roni.

"Escuta aqui, vocês parem de mexer com eles que eu chamo a polícia, hein! Pior, eu chamo... Eu chamo o dono da Tijuca!"

"O Tucão?" O gêmeo número um gaguejou.

Flávia sentiu o frio na barriga aumentar. Sabia da fama de Tucão, o cara mais barra pesada da Tijuca e até onde todos sabiam, o mandante e agiota do Roni. Sabia que se cometesse um deslize a mais com o Roni, cairia nas garras do homem barbudo que paga de gato descolado e teria que ser a Pink pro resto de sua vida, contra a sua vontade. Nenhum homem jamais tinha resistido aos números de dança da Pink e ela sabia, que ele também não sairia ileso.

"Claro! Sou amiga dele. A Pink é." Mentiu, querendo dizer que o verdadeiro dono da Tijuca era aquele que também era uma espécie de dono do seu coração. Ainda que ela jamais se permitisse usar essa nomenclatura pra se referir ao Guilherme ou a qualquer um, porque só ela era dona de si.

"Opa, calma lá, lindona. A gente não quer briga com o chefe, você falou, tá falado." O gêmeo número dois disse e o outro fez um passinho de dança, confirmando com a cabeça o que o irmão tinha dito. Assim que os dois terminaram a vergonha alheia, bateram um soquinho e viraram as costas, mas Flávia os puxou pela camisa:

"Calma lá, titicas de galinha. Peçam desculpa pras meninas." Flávia apontou pra Tina e Bibi, ambas envergonhadas de terem que ter intermédio de uma pessoa mais velha e tão ou mais perdida na vida e metida em confusão que elas.

"Ah, qualé, as princesas nem ficaram chateadinhas."

"Fala tu, Teco, nem ficaram."

"Ah, ficaram sim." Disse o Antonio de forma marrenta, com o mesmo tom de voz arrogante do pai.

Flávia sabia de onde o comportamento egocêntrico dele vinha, mas queria acreditar que se o menino rico estava ali, naquele bairro tão diferente dele, talvez tivesse o coração tão bom quanto o do pai. Quis gritar: ESTOU COM SEU PAI. EU O AMO. UM DE NÓS DOIS VAI MORRER EM UM ANO. Quis abraçá-lo, dizer que ele não iria ficar sem ninguém, sem mãe, sem pai. Com a mãe indo embora do país, que ele seria acolhido. Que se o escolhido fosse o Gui, ela estaria ali. E que se fosse ela, que ela de forma egoísta pudesse experimentar o que era fazer parte da família Monteiro Bragança, ou então...Se sentir mãe. Um sonho secreto, não tão secreto, que mantinha dentro do seu coração como uma promessa de ser melhor pra seu filho ou filha do que sua mãe foi pra ela. Que jamais abandonaria a criança. E agora, em menos de um ano, talvez ela se fosse e essa criança nunca existisse.

"Qualé moleque, tá falando por elas." Disse o Tico.

"Só peçam desculpas logo, cara." Disse a Tina, empurrando um deles.

Flávia os separou pois a briga começou a ficar generalizada de novo. Assim que todos ajeitaram os cabelos e roupas, os meninos bufaram e simplesmente falaram:

"Foi mal Tina, Foi mal, Bibi."

"Esqueceram o Antonio."

"Foi mal, Antonio."

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⏰ Última atualização: Feb 03, 2023 ⏰

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