Capitulo 1 - Teener

8 2 0
                                    

Vim do Brasil pra morar em Nova York por um sonho de criança. Acho que a maioria das crianças sempre pensam em rodar o mundo, apenas porque é algo totalmente diferente do que aquilo que você tá vivendo no momento. E era assim que eu sempre me senti, queria olhar outros tipos de paisagens, tocar em diversas coisas de outros lugares, descobrir um mundo de possibilidades em várias cidades, e me sentir pertencer a algum lugar. E é assim que estou pensando desde do momento em que entrei naquele avião apenas de ida, e estou agora em um carro alugado rodando na madrugada de setembro.
Pela janela olho cada pessoa que se movimenta na rua, uns abrindo as latas de lixo pra procurar comida ou objetos que as outras pessoas enjoaram, ou até mesmo alguém correndo com um fone de ouvido enorme na orelha da cor de uma mostarda todo suado por horas de corrida e exercícios, cachorros sozinhos no verão de setembro com seu focinho pra baixo, provavelmente com fome.
Sempre achei que esse fosse um bom horário pra sair de casa e olhar o mundo com nossos olhos tirando nossas próprias conclusões, em ver que quando a noite cai e as estrelas começam a dar seu show magnífico de brilho nos céus, sentindo o ar quente sob seu corpo como se estivesse te abraçando, faz com que você comece a pensar em controlar sua vida a partir do momento em que você tira os olhos de si e começa a ver como funciona a realidade diante de si mesma.
Aos meus 25 anos de idade eu consigo ver o quanto perdi o controle da minha vida, como deixei que as pessoas entrassem na minha vida e deixar a bagunça pra eu me virar depois, em como eu permiti por anos sofrer por independência emocional, por permitir aceitar menos do que eu mereço, por me colocar pra baixo todas as vezes em que me diziam que eu não era boa o suficiente, por ter me permitido fechar meu coração pra todos e chorar em silêncio sozinha na noite de lua cheia com as portas do quarto fechadas. Como pude permitir sentir as dores e não contar pra ninguém por medo do que elas poderiam pensar, que poderia ser apenas coisas da minha cabeça ou falta do que ocupar ela. Permitir pensar nos outros e esquecer que aqui dentro de mim sou uma casa que precisa ser cuidada primeiro, permiti que a situação trouxesse o medo pra minha vida e não me importei de arrumar soluções porque perdi o contato comigo mesma e meu centro de segurança não disparou, ele permitiu entrar. Quanto mais doamos nosso amor, doamos nossa vontade e esforço, mais sentimos a existência e o efeito que ela tem em nós.
Aprendi que quando substituímos nosso amor pelo dos outros, e o relacionamento acaba chegando ao fim, ou não sendo mais recíproco quanto antes, é porque perdemos o nosso amor pra procurar os de fora. E o medo de não achar alguém, de não ser amada, de não ser bem tratada com carinho e respeito acaba trazendo uma angústia irreal.

E eu, ah eu. Eu perdi o meu amor, e tô tentando encontrá-lo. Mas dessa vez, será dentro de mim, na minha própria casa.

Desligo o motor e paro do lado de uma cafeteira, olhando as pessoas indo embora com seu copo enorme na mão com um café que deve ser delicioso.
Calço meus chinelos e vou até la pra comprar um, o lugar e bem revestido de madeira maciça e as lâmpadas são feitas de balões com uma luz bem fraquinha ao fundo que dão ao local um ar aconchegante. Peço pra uma atendente de pele morena e olhos castanhos claro de coque alto, com um sorriso de bem vindo no rosto um copo de capuccino.
Sento na última mesa enquanto espero ela terminar de preparar meu pedido, e vejo de relance um homem alto, robusto, sua camisa está tão apertada em seu corpo que consigo ver cada músculo querendo sair pra fora. As mãos grandes que seguram um livro, na qual tô tentando enxergar qual o título por curiosidade. A cabeça inclinada na leitura que provavelmente parece estar bem fluida e ele bem interessado, o que me chama atenção e não consigo desviar os olhos. Fico filtrada nos movimentos do seu corpo, do jeito que ele se remexe quando provavelmente algo na qual ele está lendo deve o estar incomodando ou quando ele levanta a cabeça e olha pra frente como se estivesse surpreso com a descrição da história. Até ele olhar pra mim, e eu não conseguir desviar.
E um sorrisinho de leve no canto do rosto.
Nao consigo sorrir do jeito que ele fez e muito menos balançar a cabeça como se achasse aquilo tudo uma graça. Vejo ele fechar o livro e levantar da cadeira, até a atendente chegar na minha mesa e colocar meu copo, agradecida pela gentileza esperando que ela me dê espaço pra descobrir mais sobre o homem desconhecido que gosta de ler ficção provavelmente, mas quando ela sai ele já não esta mais lá. Apenas a sensação dele me olhando.

Balanço a cabeça tentando esquecer esses últimos minutos e me concentro na minha bebida, quando termino de pagar e saio vejo o homem desconhecido que gosta de ler do lado do meu carro, segurando firmemente o livro que agora consigo ler o título "E assim que acaba" de Colleen Hoover, um livro que até hoje eu deixei na minha estante com medo de ler e chorar por semanas.
Pego as chaves e sem olhar pra ele vou direto pro lado do motorista. Sinto seus olhos em mim, como uma chama muito quente no meu pescoço.
- Você sabe o perigo de sair essas horas sozinha na rua dirigindo?
Ele solta, e eu olho pra ele sorrindo como se aquilo que ele disse fosse a piada mais engraçada que alguém já me contou.

- E lá eu já me importei com isso, você não acha perigoso um estranho conversar comigo?

Vejo seu peito estufar e o mesmo sorriso de lado que ele tinha me dado, agora fica a mostra todos os dentes. E posso falar, que homem lindo e que sorriso mais encatador.
- É, perdi nessa. Mas mesmo assim, acho perigoso. Meu nome é Parson.
Ele chega mais perto de mim e estende a mão, mesmo com receio pego e cumprimento.
- Meu nome é Teener.
- Teener de mal ? Esse é o nome mais criativo que uma mãe poderia colocar.

Sorrio pra ele por também achar o mesmo que eu. Minha mãe sofreu muito durante o parto, e quando nasci ela queria me dar um nome que tivesse um significado por trás. Teener no inglês poderia ser considerado como mal ou dor. Acho que é por isso que até hoje eu nao experimentei a verdadeira felicidade.
- Parson de cura? - solto a palavra por que foi a primeira coisa que veio na minha cabeça.
- Minha mãe era doida por esse nome, por que dizia ela que na profundidade dele havia cura.

Seus olhos brilharam quando falou dela, e eu me senti acolhida por eles. Por ver o respeito apenas por remeter o nome de uma mãe.
- A minha foi ao contrário, ela queria jogar uma maldição mesmo.
Nos rimos
Ele riu alto
Eu ri tão baixo que não daria pra ouvir.
Ele começou a me observar
E eu fiz o mesmo
- por que andando essas horas ? Não foi apenas pelo café.
- Não, foi pra pensar mais na vida.
Ele concorda com a cabeça pensativo.
- E você?
- Foi pra fugir da minha realidade.

E ai, nesse contexto que fiquei tão impressionada com ele, que queria descobrir quem era Parson. O homem que entra na cafeteira apenas pra ler, e que é tão lindo que nem as paisagens mais bem desenhadas, poderia chegar perto da sua beleza natural.
- É estranho a nossa realidade, fugir e procurar descobrir sobre nossa vida. Mas sempre chegamos ao mesmo ponto. O que aconteceu da caminhada do nosso nascimento, até o tempo em que envelhecemos?
Eu olhei pra alma dele, e vi o mesmo que eu quando ouvi suas palavras.
Dor, e a sede por descobrir porque permitimos nos perder.

Te espero no finalOnde histórias criam vida. Descubra agora