Solitude

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Após dezenas de anos, depois da realização de meus atos mais cruéis, de cada tortura, cada morte, os cálculos, as estratégias, cada passo tudo o que eu fiz foi pensado, mas eu ainda acabei aqui.

“Você se arrepende?” Foi o que me perguntaram, e eu não consegui responder outra coisa a não ser um breve “não”. Por mais que eu tente não consigo me arrepender, mesmo
estando aqui, preso, ainda sonho com minhas obras de arte, aquelas pessoas tão fúteis com suas vidas tão insignificantes foram transformadas em algo bem mais útil.

Eles são impuros, eu os tornei puros preparei seus corpos, suas peles brancas, pardas e pretas e fiz com que elas ficassem das mais diversas cores e tons, desde ao rosa claro como a
flor delicada do campo que espera com paciência a chuva fina de verão ao findar da tarde, passando pelo vermelho como o mais doce e suculento morango até chegar no roxo vívido que lembra os mais delicioso dos vinhos.

E os cortes, de fato magníficos a forma como os músculos ficam rasgados, confesso que os acho os mais belos, mostram a carne a sua fragilidade. E sem falar em seus corpos
gélidos como a neve que cai no mais frio dos invernos, seus rostos serenos como se estivessem encontrado a paz nesse mundo caótico.

As pessoas, todas elas, são tão injustas. Elas não entendem, nunca entenderam e não vai ser agora que isso vai mudar, mas mesmo assim eu continuo me perguntando: “Por que as pessoas não entendem a minha arte?”. Elas conseguem entender as mais diferentes formas de
expressão, a música desde as clássicas como Beethoven às contemporâneas daqueles DJ’s, MC’s com letras que chegam a envergonhar qualquer um.

Os quadros com suas belas pinceladas, em suas diferentes épocas, o Renascimento, o Surrealismo, a Vanguarda, entendem coisas tão diferentes em tempos tão distantes, mas apesar de entenderem coisas tão desiguais não me entendem, sempre me pergunto o “Porque”, minha arte pode ser exótica, mas não incompreensível.

Os grandes artistas pintam suas telas com pincéis, os músicos fazem suas canções com as mais distintas notas, diferentes deles eu uso os corpos como telas, os cortes são as minhas
pinceladas e os gritos minhas notas. Para eles apenas os quadros e as músicas clássicas são arte, tornando-se ignorante e sem perceber que tudo ao seu redor pode-se tornar arte, até mesmo eles próprio.

E acabei parando aqui, estou atrás de firmes e grossas barras de ferro que me permitem ver apenas parte do extenso corredor, elas me deixam preso aqui nesta cela suja e nojenta, não sou o primeiro a ter essa cela como “minha”, muitos outros estiveram aqui antes de mim. E eles não a deixaram na melhor condição, a pequena mesa de concreto está quebrada, impossível de utilizá -la e perto do vaso sanitário habita um cheiro insuportável de urina, por mais que eu lave o cheiro não vai embora.

Sempre vejo ratos e baratas passando por aqui, que por meses se tornaram meus melhores amigos, quase todas as noites perco meu sono com os sons desses pequenos seres rastejando seus corpos.

Sinto remorso por eles, afinal amanhã não estarei mais aqui, parece que vão me executar, mas tudo bem a simplicidade da morte trás sua beleza, depois de amanhã outro ficará em minha cela esperando o mesmo destino que o meu, outro ficará amigo de meus melhores amigos, outro estará sentado onde estou, nessa cama, que mais pode ser chamado de
pedra de tão dura, fria e rígida que é, afastando a ideia de que todas as camas são fofas e macias.

Aqui nesta sala tudo está frio, ela é úmida e escura, onde a única fonte de luz é a janela do corredor. Mas apesar de tudo ela é aconchegante. Somente seu frio me assusta, o único calor nesse lugar, sou eu, apenas eu; sim, eu estou quente pelo menos meu corpo permanece aquecido, mas minha alma não, muito pelo contrário ela se encontra fria como essa cela, seu
frio me assusta, pois é como minha alma.

Perdi o seu calor, o calor da alma assim que me apaixonei pelos corpos sem vida, assim que me apaixonei pela arte, por essa arte que poucos entendem. Amanhã será um grande dia, me tornarei parte de minha arte, perfeito. Meu corpo aos poucos se tornará gélido e meu olhos perderão o brilho da vida, amanhã irei me tornar arte, será minha última obra, porém não sou eu quem a vai concluir.

Sabendo que eu não estarei aqui para a ver eu arrumei os preparativos. Meu corpo eu o tornei belo, minha pele antes virgem e sem marcas agora está totalmente diferente. Minha pele antes pálida está agora toda marcada, em todas as cores, desde ao rosa superficial até ao hematoma mais doloroso e roxo.

E os cortes, as minhas melhores pinceladas, meus músculos rasgados e o sangue saindo lentamente pelos cortes, os ossos que antes sustentavam os movimentos de minhas mãos agora estão quebrados depois de inúmeros socos dados nas paredes dessa cela, infelizmente quebrar o restante é meio complicado.

Minha temporária cela está toda manchada de sangue. Logo irá amanhecer, os guardas irão me levar para a sala de execução provavelmente eles irão me matar enforcado.

Assim espero ansiosamente para o momento em que irei me transformar na minha arte.

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Opa, tudo bem? O que vocês acharam?
Críticas construtivas são sempre bem-vindas :)

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⏰ Última atualização: May 03, 2022 ⏰

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