Capítulo Vinte e Seis

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Vinci foi devolver o cartão para a mochila de Nicholas e eu fui até o quarto de Denis.

Ele estava estudando.

— Oi — digo ao fechar a porta atrás de mim.

O quarto de Denis e do colega dele, José, é com certeza o mais arrumado daqui. Cada coisa tem seu lugar e a precisão perfeccionista dos dois. Já conheci José e percebi que ele era o colega perfeito para Denis — o que me deixa 101% mais aliviado.

Sento-me à mesa de vidro com ele, na cadeira vazia.

— Terminei aquele livro que você me recomendou — digo — agora é Arthur quem o está lendo. Ele se interessou.

— Que bom. Significa que você pode sempre confiar no meu gosto para livros.

Ele parecia tenso.

Toquei em seu ombro e fazer aquilo o deixou mais tenso ainda. Eu havia começado com os toques há um tempo quando, acidentalmente, coloquei a mão no ombro de Denis quando tropecei. Estávamos na biblioteca. Ele disse que não tinha problema quando eu tentei me explicar. E desde então eu tenho... eu tenho conversado com ele com mais liberdade. Com mais intimidade. Porque tantas barreiras já foram quebradas e Denis me fazia ficar confortável.

— Quer me contar alguma coisa? — Perguntei.

Ele hesitou. Não uma hesitação momentânea. Uma hesitação de largar o lápis, tocar a barra da camisa e começar a balançar o joelho. Esse tipo de hesitação.

E eu percebi o quanto ele se parecia comigo há um momento atrás.

— Não vou julgar você, Denis. Nunca.

Ele sorriu, lendo a continuidade daquela frase: Sou seu amigo.

Tentei não demonstrar, quando ele começou a confessar tudo, que eu não sabia de nada.

Ele andou de moto com Nicholas. O irmão estava bêbado mas insistiu em continuar a dirigir. Denis queria ir para casa de ônibus, mas Nicholas disse que se ele fizesse isso...

— Ele disse o quê?

— Disse que me deixaria trancado no quarto por mais três dias. Ele fazia isso quando meu pai e a mãe dele viajavam.

— Quantos... — minha garganta ardeu e senti dificuldade de formar palavra simples. Doía — Quantos dias você já ficou sem comer?

Denis deu de ombros, como se não fosse nada.

— Às vezes os três. Ele só deixava eu sair algumas horas dos nossos pais chegarem. Tinha um banheiro no meu quarto.

Estremeci.

Ele continuou.

— Uma garota ia atravessar a rua e o sinal tinha fechado. Mas Nicholas achou que conseguiria passar sem machuca-la. Mas não passou. Nós três caímos mas ela foi a única que gritou. Eu lembro. Ainda consigo... sonhar com aquele momento. Parece apenas isso às vezes, um sonho. Mas aí eu lembro que é real e que meu pai... meu pai ficou furioso comigo. Porque deixei Nicholas dirigir naquele estado. Eu não tinha bebido então eu devia tê-lo convencido a ir de ônibus ou Uber. Sei lá. Viemos para cá. Ele veio primeiro. Eu vim depois.

— Ele te culpa por estar aqui — constatei.

Denis assentiu e suspirou.

— Não foi... — outra hesitação. Mais longa dessa vez — Não queria que aquele idiota me odiasse tanto. Mas já aceitei isso. Que se dane. Eu tento não me meter no caminho dele mesmo que ele se intrometa no meu. Sem meu pai aqui, estou... Estava em perigo.

Entrelinhas (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora