Capítulo Único

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"Quantas festas você ainda vai invadir fazendo seu showzinho de ciúmes atrás dela, quando nós dois sabemos que é em mim que você pensa?"

Eu estava quase na porta quando sua voz me alcançou. Minha presença ali hoje era apenas para terminar algo que nunca deveria ter começado.

Eu tinha ganhado uma segunda chance na vida, nós quatro tínhamos. Naturalmente, isso só poderia significar que deveria me acertar com minha esposa. Contudo, cá estava.

Virei-me e notei que ela não tinha abandonado a barra de pole dance do quarto. Muito pelo contrário, realizava complexas manobras que sempre me fascinavam. Mas, tinha algo errado.

"Tira a peruca."

Ela parou com as pernas entrelaçadas na barra e desceu o tronco para trás. 

"O doutor não ia embora?"

Talvez em alguma outra dimensão eu conseguisse fugir de seus encantos. Nessa não. 

"Tira a peruca."

Repeti enquanto tirava o meu sobretudo e o largava na cadeira perto da porta. Ela endireitou o corpo e ficou me encarando. Quando percebeu que eu realmente não iria embora, arrancou a peruca e soltou o cabelo.

Ah, lá estava ela! Eu sabia que o objeto rosa era parte de seu personagem que fazia o sangue de muitos homens ferverem, mas não o meu. Ela sempre ria e me olhava estranho quando eu demonstrava que a Pink não me atiçava. Minha única perdição sempre seria a Flávia. 

Olhei para suas roupas. Ainda estava em seus trajes de trabalho. Culpa minha por ter marcado o encontro de forma tão inesperada, entretanto não poderia permitir a continuação desse disparate. 

"Tira tudo."

Ela inclinou a cabeça para me analisar e ignorou o comando. Deslizou pela barra com uma leve agachada, depois deu um pequeno salto e fez uma abertura de perna girando enquanto se mantinha pendurada. 

"O doutor primeiro."

"Você está me punindo, garota?"

Ela se ergueu balançando os quadris lentamente. Era hipnotizante. Subiu na barra, prendeu a perna e girou até o chão.

"O doutor bem que merece, não acha?"

Sim, eu merecia mas ninguém deve fornecer provas contra si. Ela retornou para as manobras acrobáticas. 

"Dança pra mim?"

Ela arqueou a sobrancelha em minha direção. Nossas danças eram especiais. Todos os homens tinham a Pink, com suas roupas curtas, intencionalmente sensuais e movimentos provocativos. Eles tinham a ilusão que a personagem vendia tão bem, uma ilusão inatingível. Flávia reservava sua forma mais pura e palpável somente para mim.

"Engraçado que todos os meus clientes se parecem exatamente como o doutor está agora. Nós dois somos especiais ou não, doutor?"

Ela parecia aquelas bailarinas dentro de uma caixinha de música girando lentamente com a perna arqueada para longe. Mas eu podia sentir que a música que a embalava não era doce.

"Eu me entreguei de corpo e alma nessa relação. Está na hora de você fazer o mesmo, Guilherme. Escolhe seguir ou ficar para trás?"

Em meus ouvidos ecoavam o som do ultimato. Quanta ironia. Iniciei a noite comunicando nosso término e terminarei disposto a me humilhar para mantê-la.

Earned It - FlaguiOnde histórias criam vida. Descubra agora