Único

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E tudo a sua volta era amargo.

Os alimentos lentamente passaram a ter um gosto estranho e azedo em sua boca, esse foi o primeiro sinal. Ele deveria saber que as coisas estavam piorando quando seu estômago recusou até uma fatia de bolo de morango.

Mas Kei ignorou isso.

Conviver com seus namorados também se tornou mais difícil. Bokuto sempre tinha jogos e treinos, Kuroo vivia com a agenda cheia de reuniões e Keiji estava sempre trabalhando, as vezes revisando obras ou criando seus próprios mangás. Kei perdeu a conta de quantas vezes jantou sozinho em seu apartamento compartilhado, olhando para a parede e se perguntando se sua própria comida tinha um gosto tão salgado assim ou se era apenas as suas lágrimas.

Mas Kei também ignorou isso.

Seus novos amigos de faculdade também não estavam disponíveis - nunca. Tsukishima sempre os via postar fotos e mini-vídeos nas redes sociais de suas aventuras em cafés, bares e outros lugares lindos que ele adoraria visitar com as pessoas que ele considerava próximas a ele, contudo, ele sempre ouvia desculpas nas poucas vezes que chamou alguém para fazer alguma coisa com ele.

Mais uma vez, Kei ignorou os sinais.

Mas tinha algo que ele não podia deixar pra lá. Keiji e Tetsurou sempre faziam grandes esforços para ir aos jogos de Kotarou, alguns que até os fariam perder o emprego por faltar um único dia. Mas eles estavam lá em todas as partidas, sem falta. No entanto, quando foi a vez de Kei jogar, eles não apareceram. Os lugares reservados a eles estavam vazios durante todo o jogo, e quando Kei voltou pra casa naquela noite, exausto e faminto - ele não comia muito desde que a comida perdeu o gosto bom - ele encontrou o post-it que ele deixou grudado na geladeira, o que avisava sobre a partida, jogado no lixo. Pra completar, nenhum dos garotos sequer visualizou suas mensagens.

Isso ele não podia ignorar.

Tremendo, ele foi até seu quarto compartilhado e pegou uma muda de roupas, indo se trancar no banheiro como sempre, derramando suas lágrimas que eram levadas pela água quente que escorria por seu corpo, que estava até cinco quilos mais magro, os ossos começando a aparecer sob sua pele quase translúcida. Ele não demorou no banho, logo voltando para seu quarto e pegando todas as suas roupas, colocando-as nas duas malas que ele trouxe quando se mudou. Pegando um pedaço de papel de seu caderno da faculdade, ele escreveu uma rápida nota para os garotos que ele amava, que agora perderam interesse nele como crianças que não querem mais brincar com um brinquedo velho. Ele deixou suas coisas organizadas e saiu de casa com apenas um casaco preto para protegê-lo do frio noturno de Tóquio.

Andando pelas ruas iluminadas ele chegou a um lugar tranquilo num parque que ele costumava ir com Keiji para relaxar quando Kou e Tetsu eram demais pra se lidar. Era um parque grande com algumas poucas árvores, um lago fundo e uma ponte de pedra e concreto que garantia a travessia sobre as águas escuras. Indo em direção à ponte, ele se debruçou sobre ela, admirando como as luzes - tanto dos postes quanto das estrelas - eram refletidas por aquele espelho líquido. Inclinando a cabeça para o lado, Kei se perguntou como era fazer parte daquela beleza natural - como era ser parte da água, vivendo a vida de fases, alegrando as pessoas com as chuvas e apenas viajando pelo espaço através das nuvens?

A água não sentia a amargura.

Por um instante, Kei se perguntou como era não sentir. Não ser capaz de ter qualquer sentimento, não poder sentir dor, tristeza, felicidade, nada. A incapacidade de obter emoções, a habilidade de não ser magoado porque você simplesmente não sente a decepção.

Por um momento, Kei não queria sentir nada.

Ele não queria sentir sua pele arrepiar com o vento frio, não queria sentir o calor de suas lágrimas. Tsukishima não queria pensar, só agir, e se livrar da dor da existência. Tantas vezes o silêncio e a solidão o cercaram como seus piores medos, seus demônios, agora ele só queria abraçá-los e não ter mais medo de ser abandonado.

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